domingo, abril 28, 2019

Postura de Mourão faz o Brasil pensar que continua a ser uma democracia


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O vice-presidente Hamilton Mourão dá acesso ao governo a grupos isolados pela ala ideológica que cerca o presidente Jair Bolsonaro
Foto: Ueslei Marcelino / REUTERS
Poucos percebem que Mourão está ajudando o governo de Bolsonaro
Jussara Soares e Gustavo MaiaO Globo
Ainda durante a campanha eleitoral, o vice-presidente Hamilton Mourão avisava que não gostaria de ser decorativo. Como militar, o general de quatro estrelas queria uma missão. Colocou-se como opção para atuar como uma espécie de “gerente” do governo, coordenando ministros, mas foi preterido pelo presidente Jair Bolsonaro. Sem função e com tempo livre, abriu o gabinete para receber políticos da direita à esquerda, empresários, sindicalistas, embaixadores e a imprensa. Ele criou uma agenda própria. É isso, na avaliação dos auxiliares do Planalto, que lhe garante o protagonismo que hoje incomoda os filhos do presidente e a ala ideológica do governo.
De portas abertas, Mourão se tornou o mais fácil acesso para quem deseja se aproximar do Palácio do Planalto. Enquanto Bolsonaro tem os dias recheados por audiências com ministros e, só mais recentemente, com algumas visitas de parlamentares, o vice recebe de deputados do baixo clero, que querem garantir uma foto para exibir em seus redutos eleitorais, a embaixadores estrangeiros em busca de diálogo com o governo. Até mesmo desafetos políticos do presidente são atendidos por Mourão — sem contar membros da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e executivos da construtora Odebrecht, emblema da corrupção descoberta na Lava-Jato.
AS AUDIÊNCIAS – Nos primeiros quatro meses do ano, o vice recebeu cerca de 50 parlamentares, entre deputados e senadores, incluindo de partidos de esquerda como os deputados Flavio Nogueira (PDT-PI) e Perpétua Almeida (PCdoB-AC).
Dos nove governadores do Nordeste, região em que Bolsonaro tem maior rejeição, Mourão recebeu quatro deles: Rui Costa (PT-BA), Flávio Dino (PCdoB-MA), Belivaldo Chagas (PSD-SE) e Wellington Dias (PT-PI), com quem também teve um encontro reservado na última sexta -feira, quando esteve em Teresina para receber, na Assembleia Legislativa, o título de cidadão piauiense.
O presidente, por sua vez, se encontrou três vezes com os governadores de Roraima, Antonio Denarium (PSL); de São Paulo, João Doria (PSDB); e Goiás, Ronaldo Caiado (DEM). Outros chefes de Executivos nos estados recebidos foram Mauro Carlesse (Podemos) do Tocantins; Wilson Lima (PSC) do Amazonas; Helder Barbalho (MDB) do Pará; Wilson Witzel (PSC) do Rio; Carlos Massa Ratinho Junior (PSD) do Paraná; Marcos Rocha (PSL) de Rondônia, e Romeu Zema (Novo) de Minas Gerais, que também foi recebido por Mourão.
TEM CUIDADOS – Sem diálogo com Bolsonaro, os governadores nordestinos escolheram levar suas demandas a Mourão. O vice, porém, teria tido o cuidado de não recebê-los enquanto estava no exercício da Presidência. Segundo um assessor do governo baiano, o petista Rui Costa pediu audiência enquanto o vice estava de interino, durante viagem de Bolsonaro a Davos, na Suíça. Somente após o presidente voltar ao cargo, assessores de Mourão ligaram para perguntar se o governador ainda queria audiência. O encontro ocorreu dia 20 de fevereiro.
— Não o procurei até agora porque o presidente não tem sido correto com meu estado. Essa briga com a Venezuela atrapalha. Ele também quer governar sem dialogar com o Congresso. Então, “bora” desse jeito— disse o senador Telmário Mota (PTB-RR), que preferiu bater à porta de Mourão.
COM DIPLOMATAS – O vice também passou a ser procurado por diplomatas estrangeiros: até agora recebeu representantes de 23 países, entre eles o embaixador palestino Ibrahim Alzeben. No encontro, Mourão disse, apesar da promessa de Bolsonaro, que o Brasil não iria transferir de Tel Aviv para Jerusalém sua embaixada.
— Acho que o governo está integrado e cada um cumpre o seu papel. Confiamos no diálogo. Se alguém está fazendo esta diferenciação, nós não gostaríamos de tocar nesse assunto — disse o embaixador palestino, que negocia um encontro bilateral com Bolsonaro.
Auxiliares do Planalto afirmam que a agenda cheia de Mourão não é resultado da indisponibilidade de tempo de Bolsonaro. Segundo assessores do governo, há interesse em marcar encontros especificamente com o vice, sem passar anteriormente pelo crivo da agenda presidencial.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
 – Mourão é um fenômeno político muito positivo para o governo, porque amacia o radicalismo e faz as pessoas sentirem que o Brasil continua a ser uma democracia, sem pensamento único, em que os contrários são respeitados. Ninguém conseguirá conter Mourão, porque ele tem vida própria. Ninguém poderá fechar seu gabinete nem proibi-lo de receber quem bem entenda. Para Bolsonaro, é melhor usar o que Mourão tem de bom, ao invés de se arriscar a despertar o que ele tem de ruim. (C.N.)