Jorge Béja
São louváveis, bem recebidas e aceitas as alterações na legislação penal do anteprojeto que Sérgio Moro, ministro da Justiça e Segurança Pública, tornou públicas nesta segunda-feira. Mas uma melhor análise do documento de 34 páginas exige maior tempo para exame.
Pode-se antecipar, contudo – não obstante a necessidade da implementação delas e mesmo sem a expectativa de que venham diminuir a violência e o alto índice de criminalidade –, que o conjunto da obra é bom, mas edificado sobre frágeis e contraditórios pilares. Por hoje, dois deles.
SEGUNDA INSTÂNCIA – Logo de início, nas primeiras linhas do anteprojeto, se lê que a inovação que a letra “A” introduziu no artigo 617 e seu parágrafo 1ª do Código Penal, fragiliza a própria decisão condenatória tomada pelo tribunal, tornando-a duvidosa e insegura, quando não poderia ser. Ei-la:
“Artigo 617 – A – Ao proferir o acórdão condenatório, o tribunal determinará a execução imediata das penas privativas de liberdade, restritivas de direitos ou pecuniárias, sem prejuízo do conhecimento de recursos que vierem a ser interpostos.
1º – O tribunal poderá, excepcionalmente, deixar de autorizar a execução provisória das penas se houver uma questão constitucional ou legal relevante, cuja resolução por Tribunal Superior possa, plausivelmente, levar à revisão da condenação“.
DUBIEDADE – O que este parágrafo 1º está afirmando nada mais é do que a dubiedade do próprio acórdão, a sua insegurança quanto à matéria decidida, visto que será o próprio tribunal (câmara ou turma criminal do tribunal) quem poderá, excepcionalmente, desautorizar a execução provisória da condenação que a corte proferiu, o que não deixa de ser um contra-senso.
Ou a decisão é firme, forte e valiosa, a permitir sua execução imediata ou não é. E não sendo, da forma como o parágrafo 1º admite que pode não ser, o julgamento não se encontra revestido da solidez e certeza que dele se exige. Se constata que, neste ponto, o anteprojeto é falho e o parágrafo 1º é perfeitamente dispensável.
ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA – Na parte que diz respeito às “Medidas Para Alterar o Conceito de Organização Criminosa”, a menção expressa às mesmas representa a institucionalização de cada uma delas: “Primeiro Comando da Capital; Comando Vermelho; Família do Norte; Terceiro Comando Puro; Amigos dos Amigos e Milícias”. Sim, elas existem.
Atuam nos presídios e fora deles. Mas o anteprojeto errou ao citá-las nominalmente no texto da proposta. E ao citá-las, deu-lhes vida, deu-lhes existência oficial e certo peso de personalidade jurídica. Tratou-as como se fossem entes, entidades, instituições – pessoas jurídicas, enfim –, sujeitos ativos e passivos de direito, a merecerem suas citações!.
E se o anteprojeto for aprovado tal como redigido e se tornar lei, quem garante que não terão aquelas organizações criminosas nomeadamente citadas não reivindiquem inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ) ou até mesmo registro no Tribunal Superior Eleitoral como partido político? Não foi o que aconteceu com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARCs)?