Por Gilson Cavalcanti Ricci (*)
O Poder Judiciário peca clamorosamente contra o direito de todos quantos dele se valem para a busca de justiça, por motivo de várias falhas funcionais – a maior de todas a morosidade injustificada. Neste sentido, o imortal jurisconsulto brasileiro, Rui Barbosa, discursando na Faculdade de Direito de São Paulo em 1920, condena com veemência o juiz moroso: “Justiça tardia não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta. Porque a dilação ilegal nas mãos do julgador contraria o direito das partes, e, assim, as lesa no patrimônio, honra e liberdade”.
Reporto-me à morosidade injustificada, quando a concretização do provimento judicial depende tão somente de mera assinatura do magistrado, como caso de expedição de alvará judicial, para saque de dinheiro depositado a crédito da parte. Neste caso, a morosidade é flagrantemente injustificada. Nas andanças pelos fóruns sinto que a reclamação neste sentido é geral e mais do que justa, pois o processo, que já teve uma espinhosa e longa tramitação até ao trânsito em julgado da sentença condenatória – muitas vezes décadas inteiras - e, após o cumprimento da sentença pelo devedor depois do trâmite de outro cansativo processo, o de execução, finalmente, depositado o crédito do credor na conta do juízo, surge outro entrave burocrático, desta feita a necessidade de expedição de alvará judicial para o saque.
O magistrado então protela a assinatura do referido documento, ficando o dinheiro retido na conta judicial indefinidamente, muitas vezes por meses seguidos, enquanto a parte submete-se à uma verdadeira via crucis em busca da autorização judicial para ter em mãos o benefício pelo qual litigou anos a fio. O fato não é esporádico, é até contumaz nos juízos por onde tramitam ações de cunho econômico.
O grande Rui, no alto de sua sabedora jurídica, condena categoricamente tal procedimento atentatório ao patrimônio, honra e liberdade, como exposto no preâmbulo deste modesto artigo. O cidadão que litigou em juízo por seu direito patrimonial, deve imediatamente entrar na disponibilidade do benefício decorrente do provimento judicial. Não deve esperar por mais tempo para tê-lo em mãos, uma vez que aguardou pacientemente pelo desfecho da ação, não sendo justo que o Poder Judiciário retenha o benefício depositado à sua disposição.
Seria de bom alvitre a existência de norma regimental específica, que imponha ao magistrado a imediata ou automática liberação de toda e qualquer importância depositada na conta judicial em favor da parte, e o impeça dessa forma lesar o patrimônio de alguém. Muitos criticam a atitude injusta dos magistrados, que deixam de efetuar a liberação de alvará em tempo razoável, chegando a duvidarem da honestidade deles, com o que não concordo absolutamente, eis que neste caso estaria o togado praticando crime de apropriação indébita à luz do dia.
É Rui Barbosa quem conceitua o julgador moroso como “lesador do patrimônio alheio”, pois disse alhures alto e bom som que “a dilação ilegal nas mãos do julgador, contraria o direito das partes, e, assim, as lesa no patrimônio, honra e liberdade”. Logo, a morosidade injustificada, no caso de expedição de alvará, enquadra-se na sábia e sempre atual conceituação do “Águia de Haia”.
(*) Gilson Cavalcanti Ricci é advogado.