quinta-feira, fevereiro 25, 2016

Enquanto isso em Jeremoabo a imprensa omite, distorce e manipula a informação.



Rui Barbosa, crítico da imprensa

Por Marcos Fabrício Lopes da Silva em 30/09/2014 na edição 818
Além de jurista renomado, Rui Barbosa também se destacou como notável jornalista e crítico da mídia. Ele depositava fé no compromisso da imprensa em pronunciar a verdade sobre os fatos. Verdade compreendida filosoficamente como a exata correspondência entre o conhecimento e a causa. Em 1919, nosso autor lança A imprensa e o dever da verdade, uma obra de fôlego investigativo em torno da ética e das questões relativas à liberdade de imprensa. As teses de crítica à imprensa defendidas por Rui Barbosa expõem a tradição do modelo opinativo de imprensa, suporte utilizado por ele para defender posicionamentos argumentativos e programáticos, a exemplo da defesa voltada para a qualidade editorial dos jornais. Trata-se de um exercício comunicacional inspirado no “jornalismo de combate”, conforme destaca José Marques de Melo, em O jornalismo de Rui Barbosa (1993).
Para Rui Barbosa, “a imprensa é a vista da Nação. Por ela é que a Nação acompanha o que lhe passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que lhe ocultam e tramam, colhe o que lhe sonegam, ou roubam, percebe onde lhe alvejam, ou nodoam, mede o que lhe cerceiam, ou destroem, vela pelo que lhe interessa, e se acautela do que a ameaça”. É por isso que a corrupção da imprensa pelos governantes na República oligárquica adquire para Rui Barbosa um aspecto condenável e, mais que isso, criminoso (uma forma de peculato). O jornalista, a partir de exemplos concretos vividos em países nos quais as liberdades estavam mais avançadas – Inglaterra e EUA –, explica o que entende que deveria ser o papel da imprensa, capaz de denunciar e criticar livremente os governos, contribuindo assim para o ajustamento ético destes: “Nenhum país salva a sua reputação com os abafos, capuzes e mantilhas da corrupção encapotada”.
Compreende-se, na esteira dos escritos de Rui Barbosa, o fato de que um país só alcança plenitude epistemológica, quando todos os seus membros estão a par da verdade dos fatos, sendo estes construídos a partir da investigação e da publicação das múltiplas versões ou perspectivas que os cercam. A imprensa, na concepção de Rui Barbosa, tem o dever de fazer com que a coletividade conheça as coisas como elas efetivamente são, e nunca como os jornais e os jornalistas gostariam que fossem. É o fato bem noticiado e interpretado que as gazetas de notícias são obrigadas a transmitir.
A garantia de todas as garantias
O desejo dominante de descobrir a verdade é o mandamento maior da imprensa, ensina Rui Barbosa. E porque essa é a regra máxima, o mais grave dos pecados capitais da imprensa é o da “distorção”, proposital ou inadvertida. A imprensa como “a vista da Nação”, segundo Rui Barbosa, não deve ser aquela instituição comunicativa que, ao separar do joio do trigo, só publica o joio. Considerando que a imprensa tem o dever de comunicar a verdade, tem, por conseguinte, o encargo de comunicá-la por inteiro, no que ostente de bom e naquilo que encerre de ruim. Caso o contrário, a imprensa se torna cúmplice da ideologia dominante e praticante do regime sensacionalista. Ambas as práticas são reprováveis na contundente avaliação feita pelo nosso Águia de Haia:
“Com a sombra destas [administrações endinheiradas], a seu soldo e sob as suas ordens, se instauram, chamando-se jornais, esses armazéns, essas fábricas, esses teares da mentira, onde noite e dia se urdem e tramam, se negociam e retalham, se expendem e distribuem à circulação da mais baixa curiosidade perfídias, vilanias, escândalos, horrores, tudo, em suma tudo quanto possa alimentar a indústria da falsidade, o comércio da intriga, a desprezível arte da vilipendiação, o ministério professo de adulteração da verdade.”
No campo da comunicação, a verdade deve emanar da pesquisa isenta da causa a ser noticiada, para que, quando divulgada, a notícia efetivamente expresse o fato, não a sua ilícita manipulação. O juízo crítico do jornalista a serviço do direito público à informação correta e veraz deve vir desprovido de sensacionalismos ou apelos emocionais deturpados. Rui Barbosa chama a atenção para a cegueira editorial, que inviabiliza eticamente o trabalho jornalístico:
“Um país de imprensa degenerada ou degenerescente é, portanto, um país cego e um país miasmado, um país de ideias falsas e sentimentos pervertidos, um país que, explorado na sua consciência, não poderá lutar com os vícios, que lhe exploram as instituições”.
Na sequência da abordagem crítica dirigida ao fenômeno da imprensa sensacionalista, Rui Barbosa propõe um ideal de imprensa que consagra o jornalismo sob a perspectiva de tribuna ética a favor do esclarecimento público: “Todo o bem que se haja dito, e se disser da imprensa, ainda será pouco, se a considerarmos livre, isenta e moralizada. Moralizada, não transige com os abusos. Isenta, não cede às seduções. Livre, não teme os potentados”. Por acreditar nestes valores, o Águia de Haia confirma em seu manifesto a tese de que a imprensa é a garantia de todas as garantias voltadas para os ideais revolucionários de liberdade, igualdade e fraternidade. Porém, a reforma pelo jornal, como acreditava Rui Barbosa, deve partir primeiramente do exercício da autocrítica midiática, isto é, da reforma permanente e consistente no jornal, dentro dele: “‘Aimprensa deve tocar o encargo de se corrigir a si própria’, – por isso mesmo não há, para qualquer sociedade, maior desgraça que a de uma imprensa deteriorada, servilizada, ou mercantilizada.”
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Marcos Fabrício Lopes da Silvaé professor da Faculdade JK, jornalista, poeta e doutor em Estudos Literários pela Faculdade de Letras da UFMG