Barroso se defende em seu blog, mas não consegue convencer
Carlos NewtonUm famoso advogado carioca me ligou para avisar que o ministro Luís Roberto Barroso mantém um blog na internet e usou o espaço para responder às denúncias sobre os erros cometidos no julgamento da ação movida pelo PCdoB, sobre o rito do impeachment. Imediatamente acessei o link www.luisrobertobarroso.com.br, para tomar conhecimento das declarações dele. O blog é simples, comecei pelo link intitulado “Edição fraudulenta do meu voto na internet”, que na verdade não contém nenhum vídeo e traz apenas um artigo de Barroso, sob o título “O Estado de Direito, o Golpismo e a Verdade”, antecipado com o seguinte texto:
“As pessoas na vida têm direito à própria opinião, mas não aos próprios fatos. Há uma edição fraudulenta do meu voto correndo a internet, com cortes na intervenção inicial e final do Ministro Teori, o que muda inteiramente o sentido da minha manifestação. Eu não suprimi qualquer passagem de qualquer dispositivo. Limitei-me, ao responder a ele, a repetir o mesmo trecho do art. 188, III do Regimento da Câmara que ele havia lido. Há uma onda de maldade, má-fé e desinformação que procura contagiar a opinião das pessoas de bem. Abaixo, um breve texto meu explicando a situação e o vídeo, em 2 minutos corridos, sem os cortes manipuladores”, diz a chamada.
Vamos então ao artigo em que Barroso tenta se defender:
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O ESTADO DE DIREITO, O GOLPISMO E A VERDADE
Luís Roberto Barroso
Impeachment não é golpe. É uma forma constitucional de destituir um presidente da República que tenha cometido crime de responsabilidade. No entanto, impeachment precisa seguir as normas constitucionais, legais e regimentais. O Supremo Tribunal Federal, por maioria expressiva, acompanhando o meu voto, garantiu segurança jurídica ao processo.
A partir de agora, a presidente poderá ser mantida ou destituída do cargo, mas de acordo com regras claras e pré-existentes. Porém, e sem surpresa, o Tribunal e eu próprio despertamos a fúria descontrolada de quem preferia o caminho mais célere, independentemente das normas em vigor.
Circula na internet um vídeo editado maliciosamente, que procura desacreditar a posição majoritária do Tribunal. Cortaram a parte inicial e final do argumento que eu desenvolvia para, assim, criar o engano nos que o assistiram de boa-fé.
Aliás, uma das provas de que um argumento está correto é a necessidade de desconstruí-lo com uma falsidade. O vídeo truncado procura fazer crer que no meu voto suprimi a leitura da parte final do art. 188, III do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, que fazia menção a “escrutínio secreto” para as “demais eleições”. A seguir, a verdade dos fatos.
Em primeiro lugar, o meu voto não se baseava no art. 188, III do Regimento, por não ser ele aplicável à hipótese. O art. 58 da Constituição prevê que as comissões serão constituídas “na forma” do regimento da casa legislativa. E o Regimento da Câmara prevê expressamente (art. 33) que os membros da comissão serão indicados pelos líderes. Simplesmente não há eleição alguma.
O art. 188, III não tem qualquer pertinência. Por 7 votos a 4 o Tribunal chancelou esse ponto de vista. Porém, disse eu na sequência, ainda que houvesse necessidade de o plenário ratificar os nomes indicados pelos líderes – o que não é previsto no regimento nem parece fazer sentido –, a verdade é que no caso Collor esta ratificação foi feita por voto aberto. Isto é, sem aplicação do art. 188, III.
Voltando ao vídeo, deliberadamente truncado, cabe rememorar a passagem inteira, que não tem mais do que dois minutos. Quando eu estava votando, o Min. Teori pediu um aparte e leu uma passagem do art. 188, III. Ele supôs que teria aplicação ao caso a parte inicial do dispositivo e a leu, parando ANTES do final, onde se encontrava a locução “nas demais eleições”. Enquanto raciocinava para responder a ele, li de novo exatamente a mesma passagem que ele havia lido. Antes que eu concluísse o meu raciocínio, o Min. Teori fala: “V. Exa. tem razão”. Nessa hora, paro de responder a ele e volto para o meu voto. Simples assim. O que a edição do vídeo fez, seguindo o padrão ético que nós precisamos superar no Brasil, foi cortar a parte inicial e final do diálogo, criando o erro deliberado na percepção do ouvinte.
Ao determinar a aplicação das mesmíssimas regras do caso Collor ao procedimento de impeachment da presidente Dilma Rousseff, o STF preservou a segurança jurídica e o Estado democrático de direito. Se o pedido de impeachment for aprovado ou rejeitado no Congresso Nacional, não há mais que se falar em golpe. As regras estão claras.
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UMA BELA DEFESA, SEM SUSTENTAÇÃO
Carlos Newton
Ninguém vai querer ensinar um jurista como Barroso a se defender. Ele sabe como fazê-lo. Seus argumentos estão muito bem colocados, são convincentes, mas na verdade não correspondem aos fatos, como dizia o poeta Cazuza.
E o fato principal é que, depois deste texto, o blog de Barroso então exibe a maior prova material do ministro, o link Vídeo sem a edição truncada. Entrei imediatamente e me surpreendi. É exatamente o mesmo vídeo usado pelo Portal Vox para denunciar Barroso e que está reproduzido na coluna de Augusto Nunes na Veja.
A gravação não prova nada a favor de Barroso. Pelo contrário, comprova que ele realmente manipulou os fatos. Ele aparece dizendo, com ar blasé, que conferiu o Regimento da Câmara e nele não há nada que justifique o voto secreto. É então interrompido por Teori Zavascki, que pede licença e começa a ler o inciso III do art. 188. Quando vai chegando ao final da leitura, o texto muda de página e Zavascki se atrapalha, parece ter perdido a sequência das laudas e é interrompido por Barroso, que volta a ler o dispositivo do Regimento e nele não inclui a expressão final “e nas demais eleições”.
Na sequência, Barroso segue ironizando o voto secreto, diz que no Regimento não existe nada que o ampare, muito pelo contrário, e enfim solta aquela frase peremptória e ardilosa: “Considero, portanto, que o voto secreto foi instituído por uma deliberação unipessoal e discricionária do presidente da Câmara no meio do jogo”. Um argumento mentiroso, pois o presidente da Câmara jamais tomou essa “deliberação unipessoal e discricionária”, pois trata-se de norma do Regimento aprovado em 1989, quando Eduardo Cunha nem sonhava em ser deputado nem Barroso imaginava que usaria toga.
MAIS UMA FALÁCIA
Além de não exibir a prometida “Edição fraudulenta do meu voto na internet”, Barroso completa sua defesa no blog com a postagem Comissão no caso Collor teve votação aberta, antecedida pelo seguinte texto:
“Como expliquei em post anterior, a escolha dos
membros da comissão especial da Câmara dos Deputados que dará parecer
sobre o impeachment tem os seus membros indicados pelos líderes, e não
eleitos pelo plenário. É o que está no regimento interno. Não há eleição
na hipótese. No impeachment do presidente Collor, os membros da
comissão foram de fato indicados pelos líderes, mas houve uma
(desnecessária) ratificação pelo plenário. Ao contrário do que divulgado
por alguns colunistas, tal ratificação em plenário se deu por votação
simbólica e ABERTA. Colo abaixo o Diário Oficial que documenta o fato.
E, como gosto de dizer, as pessoas têm direito à própria opinião, mas
não aos próprios fatos“, repetiu, para em seguida indicar o link Diário Oficial – Votação aberta.
Foi mais um argumento falacioso do ministro. Apesar de sua grandiosa experiência como advogado, ele está encontrando uma intransponível dificuldade para defender seus atos. Conforme já assinalei aqui no blog da TI, em artigo publicado dia 28 de dezembro, não houve voto aberto no caso Collor.
O VOTO NO CASO COLLOR
Em entrevista que deu ao jornal Valor Econômico, Barroso abordara o importante assunto “en passant”. “O voto para eleição da comissão especial tem que ser aberto, como foi no caso Collor, e indicação dos líderes [para integrar a comissão especial], como foi no caso Collor”, disse, acrescentando: “O voto do relator originário é que mudava muito o que foi feito no impeachment de Collor”.
Como se vê, para defender seu voto equivocado, Barroso não teve dúvida em criticar o ministro Edson Fachin, e o fez de maneira aética, porque Fachin votou estritamente na forma da lei e não tentou mudar nada no Regimento da Câmara.
Além disso, também nesta questão Barroso falseou a verdade, porque a eleição da Comissão Especial que cassou Collor não ocorreu pelo voto aberto. Na ocasião, não houve interesse em formar chapa avulsa e nem houve eleição. A Comissão foi formada por aclamação. “Os Senhores Deputados que a aprovam, permaneçam como se encontram“, disse o presidente Ibsen Pinheiro, e isso não significa voto aberto. Nem aqui nem na China, como se dizia antigamente.
http://tribunadainternet.com.br/o-estado-de-direito-o-golpismo-e-a-verdade/
Foi mais um argumento falacioso do ministro. Apesar de sua grandiosa experiência como advogado, ele está encontrando uma intransponível dificuldade para defender seus atos. Conforme já assinalei aqui no blog da TI, em artigo publicado dia 28 de dezembro, não houve voto aberto no caso Collor.
O VOTO NO CASO COLLOR
Em entrevista que deu ao jornal Valor Econômico, Barroso abordara o importante assunto “en passant”. “O voto para eleição da comissão especial tem que ser aberto, como foi no caso Collor, e indicação dos líderes [para integrar a comissão especial], como foi no caso Collor”, disse, acrescentando: “O voto do relator originário é que mudava muito o que foi feito no impeachment de Collor”.
Como se vê, para defender seu voto equivocado, Barroso não teve dúvida em criticar o ministro Edson Fachin, e o fez de maneira aética, porque Fachin votou estritamente na forma da lei e não tentou mudar nada no Regimento da Câmara.
Além disso, também nesta questão Barroso falseou a verdade, porque a eleição da Comissão Especial que cassou Collor não ocorreu pelo voto aberto. Na ocasião, não houve interesse em formar chapa avulsa e nem houve eleição. A Comissão foi formada por aclamação. “Os Senhores Deputados que a aprovam, permaneçam como se encontram“, disse o presidente Ibsen Pinheiro, e isso não significa voto aberto. Nem aqui nem na China, como se dizia antigamente.
http://tribunadainternet.com.br/o-estado-de-direito-o-golpismo-e-a-verdade/