Oposição acerta com Cunha estratégia para impeachment de Dilma
Fernando Rodrigues
Ideia é que presidente da Câmara arquive os pedidos
Imediatamente, siglas de oposição recorrerão ao plenário
Basta maioria simples para vencer e fazer processo andar
A oposição já definiu qual a melhor estratégia para levar adiante o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff.
Tudo foi discutido de maneira intensa ontem (20.ago.2015), enquanto o Palácio do Planalto, ministros governistas e muitos petistas e simpatizantes comemoravam nas ruas a denúncia contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), por causa da Lava Jato.
Em salas adjacentes à presidência da Câmara, deputados de partidos oposicionistas decidiram ressuscitar uma estratégia pensada (e depois quase esquecida) há cerca de 2 meses. Diante da conjuntura atual, o ideal será voltar a recomendar a Eduardo Cunha que arquive os pedidos de impeachment que estão sob sua análise.
Pode parecer contraintuitivo que a oposição esteja sugerindo o arquivamento e ao mesmo tempo desejando o impeachment. Mas há uma lógica cristalina por trás dessa estratégia. Funciona assim:
1) o poder de Eduardo Cunha: o presidente da Câmara (qualquer um que ocupe o cargo) é quem recebe eventuais pedidos de impeachment contra o presidente da República. Tem poder absoluto sobre o processo enquanto tudo está em suas mãos. A decisão inicial é unipessoal.
Há 3 opções para o comandante da Câmara: a) “receber'' (na acepção jurídica do termo) e mandar o processo de impeachment andar; b) rejeitar o pedido e mandá-lo para o arquivo; c) não fazer nada, pois não existe prazo legal que o obrigue a tomar uma decisão dentro de algum prazo definido.
Hoje, se Eduardo Cunha aceitar algum pedido de impeachment contra Dilma poderia ser acusado (e vai ser) de estar retaliando contra o Palácio do Planalto, a quem acusa de estar por trás da acusação da Lava Jato.
Se não fizer nada, Cunha será então acusado de capitular ao poder do governo e de tentar fazer um acordão para se livrar da Lava Jato. Esse seria o melhor dos mundos para o Planalto, que ontem (20.ago.2015) vendeu a versão de uma iminente desidratação do peemedebista e consequente enfraquecimento da tese do impeachment . Os “spin doctors'' palacianos fizeram um eficaz trabalho de disseminação desse raciocínio para a mídia em geral (títulos de reportagens hoje em veículos impressos: “Impeachment perde força após a denúncia, avaliam ministros'', “Cunha tentará ‘incendiar’ a Câmara, mas perderá credibilidade para tal'' e “Planalto vê impeachment mais fraco após denúncia'').
Mas se optar pela terceira opção e arquivar os pedidos de impeachment, Cunha estará dando um “nó tático'', como se diz no futebol, em todos os que imaginaram saídas convencionais. Não poderá ser acusado de perseguir Dilma Rousseff (afinal, arquivou os pedidos).
2) a rejeição é o caminho mais rápido: no mesmo dia em que a rejeição de Cunha aos pedidos de impeachment se tornar pública (a oposição deseja que isso se dê já na semana que vem), algum deputado anti-Dilma apresentará um recurso contra o arquivamento. Esse recurso precisa ser apresentado ao plenário da Câmara. Basta maioria simples para obter vitória.
A maioria simples se dá quando metade dos 513 deputados já registraram presença. Ou seja, bastam 257 no plenário. Nessa hipótese, 129 votos já seriam suficientes para colocar o processo do pedido de impeachment em andamento.
O governo tem perdido quase todas as disputas na Câmara. Uma votação como essa é muito mais fácil para a oposição do que para o Planalto.
Nessa estratégia, Eduardo Cunha fica preservado num momento em que está se defendendo da denúncia de envolvimento na Lava Jato (eis a íntegra da acusação).
A única forma de Eduardo Cunha colaborar de maneira eficaz com o governo seria não fazendo nada. Teria de não se pronunciar a respeito dos pedidos de impeachment: não manda para a frente nem arquiva. Ele tem poder para agir assim. O Regimento Interno da Câmara não fixa prazo para que o presidente da Casa tome uma decisão quando recebe pedidos de impedimento contra o presidente da República.
Nos últimos anos, os pedidos que chegam são sempre ignorados por muito tempo. Depois, são arquivados –por serem ineptos e não terem fundamentos legais. Isso dificulta a vitória de algum recurso contrário ao arquivamento e apresentado ao plenário. Só que agora Cunha tomou uma providência: pediu que a assessoria da Câmara verificasse todos os problemas formais e perguntou aos autores se desejariam fazer alguma correção. Muitos fizeram isso.
Na avaliação dos técnicos da Câmara, 2 ou 3 pedidos de impeachment atendem a todos os requisitos técnicos.
Se Cunha concordar em rapidamente mandar arquivar todos os pedidos, a oposição escolherá um deles para ser debatido no plenário.
O QUE DIZ O REGIMENTOO artigo 218 do Regimento Interno da Câmara tem 2 parágrafos mais relevantes para sustentar essa estratégia da oposição.
O parágrafo 3º diz que “do despacho do presidente que indeferir o recebimento da denúncia caberá recurso ao plenário”.
Ou seja, quando Cunha rejeitar os pedidos de impeachment e mandar arquivá-los, a oposição poderá recorrer ao conjunto total dos deputados da Casa.
Como o parágrafo 3º não especifica como será a votação (fala só em “recurso ao plenário''), a regra nesses casos é adotar a maioria simples –o caminho mais fácil para a oposição.
Depois da votação em plenário, se a maioria dos deputados reverter o arquivamento promovido por Cunha (cenário mais provável na conjuntura atual), o processo de impeachment começa a tramitar de maneira irreversível –e muito rápida.
É que o parágrafo 4º do artigo 218 do regimento dos deputados afirma que “do recebimento da denúncia será notificado o denunciado para manifestar-se, querendo, no prazo de dez sessões”.
Ou seja, uma vez o plenário –por maioria simples– dizendo que o pedido de impeachment contra Dilma deve ser analisado, nada mais poderá ser feito. A presidente teria de apresentar sua defesa a uma comissão especial, que daria seu parecer em até 5 sessões. É um processo sumário e muito rápido.
Depois que a comissão apresenta seu parecer, o assunto entra na “ordem do dia” da Câmara em 48 horas. Eis o artigo que trata de impeachment no Regimento Interno da Câmara (clique na imagem para ampliar):
No plenário, quando o impeachment vai de fato ser apreciado, o cenário é mais difícil para a oposição. São necessários 342 votos: dois terços dos votos dos 513 deputados para que a presidente da República seja impedida –afastada do cargo até que o Senado julgue o processo em definitivo.
A decisão no plenário da Câmara, segundo o regimento da Casa, é “por votação nominal, pelo processo de chamada de deputados”. Trata-se do sistema no qual o congressista é chamado pelo nome, caminha até o microfone, faz um minidiscurso e declina o seu voto. Tudo transmitido ao vivo pelas TVs. É o momento da glória para os políticos interessados em autopromoção, fazer populismo e pensar muito mais em si próprios do que no país.
O QUE PODE DAR ERRADO PARA A OPOSIÇÃO
Eduardo Cunha pode se recusar a entrar nessa estratégia. Ele tem sido ambíguo nas suas conversas com deputados de oposição. Tudo está nas mãos do presidente da Câmara.
Eduardo Cunha pode se recusar a entrar nessa estratégia. Ele tem sido ambíguo nas suas conversas com deputados de oposição. Tudo está nas mãos do presidente da Câmara.
COMO O GOVERNO PODE REAGIR
Se Cunha aceitar arquivar os pedidos, permitindo o questionamento em plenário, será necessária uma manobra muito grande para impedir a instalação da comissão especial que analisará o tema.
Se Cunha aceitar arquivar os pedidos, permitindo o questionamento em plenário, será necessária uma manobra muito grande para impedir a instalação da comissão especial que analisará o tema.
O governo hoje mal consegue indicar seus deputados para integrar o comando de CPIs relevantes como a do BNDES e dos fundos de pensão. Não há, no momento, energia no Planalto capaz de manobrar para impedir a instalação de uma comissão especial.
A esperança do governo é o Supremo Tribunal Federal. Haveria uma disposição do STF para barrar a progressão de um processo de impeachment, por considerar que não existe o fato concreto que configure o “crime de responsabilidade'' de Dilma Rousseff. Seria uma saída para o Planalto, mas com desgaste político gigantesco: 2 Poderes da República (Legislativo e Judiciário) teriam de duelar em público.
Tudo considerado, é claro que ainda continua intangível essa hipótese de prosperar um processo de impeachment. Só que continua a existir disposição entre os oposicionistas. A popularidade presidencial segue no chão. A recessão econômica entra na sua fase mais dramática neste 2º semestre de 2015. E Eduardo Cunha é dado a estratégias heterodoxas (pode aceitar a “bruxaria'' do arquivamento dos pedidos de impeachment).
Se o plano da oposição seguir em frente, mesmo que o impeachment não venha, haverá enorme desgaste do Planalto. A administração federal petista terá de suar até debelar por completo o problema. Gastará energia vital que poderia ser usada para tentar recuperar a economia, fazer o país andar e melhorar a conjuntura geral. Mas tudo isso teria de ser adiado porque a prioridade número 1 será salvar Dilma Rousseff e mantê-la na cadeira.