domingo, setembro 15, 2013

EMBARGOS INFRINGENTES

  O juridiquês é uma expressão pejorativa que se refere aos termos da técnica jurídica empregada nos processos judiciais que por sua complexidade e em razão da natureza dos institutos jurídicos terminam por criar embaraços à compreensão do processo pelo cidadão comum.  Toda e qualquer ciência tem seus princípios, regramentos e técnica própria que criam dificuldades para quem não seja especialista e o direito não foge a regra. O mesmo se diz em relação à ciência econômica onde tem lugar o economês. 
Existe uma tentativa, de boca para fora, de simplificar as expressões jurídicas para tornar os textos técnicos mais acessíveis aos cidadãos. O próprio STF tem esse discurso, conquanto a leitura e interpretação das discussões ali travadas não se conformam ao operador do direito de mediano para baixo conhecimento, tamanhas as expressões, termos técnicos, princípios e expressões linguísticas empregadas. Acessando o Boletim do STF, em julgamento de HC se empregou: “pas de nullités sans grief”, quando bastaria se dizer:  “a declaração de nulidade requer a efetiva comprovação de prejuízo à parte”.
Nas duas últimas semanas e até a próxima 4ª feira, toda a mídia nacional (falada, escrita, televisada, grandes jornais, redes de televisão e a barricada heroica dos blogs) estará voltada para o julgamento dos chamados Embargos Infringentes que poderão proporcionar a revisão do julgamento e das penas aplicadas a alguns dos réus da AP 470 e isso vem deixando exasperados os representantes do pensamento conservador brasileiro que não demonstram despudor quando as garantias constitucionais e processuais são desprezadas para atendimento de seus sentimentos pessoais.  
Nas sessões dos dias 12 e 13 últimos o STF se debruçou sobre o cabimento ou não do recurso interno denominado Embargos Infringentes, cominando com a divisão da Corte sobre a matéria e que terá no Ministro Celso de Mello, o decano da Corte, o voto de minerva, embora essa expressão seja reservada a voto de desempate por Presidente de entidade, para dizer se são cabíveis ou não os Embargos Infringentes nas ações penais da competência originária.  Já se antevê para desgosto de J.B, Gilmar e Marco Aurélio que despojaram da beca judicante para se colocarem como advogados de acusação contra os réus da ação penal, na sessão da última 5ª feira. 
Falou-se em embargos de declaração e embargos infringentes e isso deixa a todos intrigados e a indagar porque se os réus que já foram condenados porque tanto puxe e encolhe e não vão logo para a cadeia como pretendia o ex-Procurador da República, independentemente do trânsito em julgado.  Quando usei a expressão juridiquês, é para dizer que o cidadão deve se preocupar mais com o desfecho da AP 470 que poderá lhes causar danos irreparáveis do que os termos de técnica jurídica empregados.
Tem-se ouvido nas sessões do STF, falar em embargos de declaração, embargos infringentes, ações penais da competência originária, revisão criminal, foro privilegiado, perda de mandato parlamentar, efeitos da sentença, coisa julgada, amplo direito de defesa, revogação, derrogação, recepção de norma pela constituição de 1988 e por ai afora.  
A ação penal 470 foi proposta e julgada pelo STF e seu processamento rompeu paradigmas, subverteu valores e contrariou conquistas históricas e até inalienáveis, tudo bem definido não para punir possíveis corruptos e estancar a orgia com o dinheiro, posto que a Corte jamais deixasse de se comportar como departamento próprio de embargos de gaveta nas demandas de interesse do PSDB e do DEM, mais para macular uma Era da história do Brasil. 
Para quem é contra a Era Lula-Dilma (os originariamente nascidos da UDN e ARENA e que passaram ou não pelo PFL e agora DEM-PSDB) dirá que Zé Dirceu e Genuíno reúnem tudo de podre da República e deverão ir logo para a cadeia e quem é petista ou partidário da liderança Lula dirá que o chamado mensalão foi uma criação da mídia e dos conservadores para desestabilizar o Governo Lula a criar um novo Collor de Melo. Não tenho dúvida alguma de que a direita saudosista com seus interesses contrariados não somente tentaram desestabilizar o Governo Lula a forçar uma renúncia ou impeachment do então Presidente, como por intermédio da imprensa forçaram o também ultraconservador STF a recorrer a uma “teoria do domínio do fato” de difícil compreensão e utilidade prática para receber e processar a AP 470.
De uma forma ou de outra, no futuro, quando se estiver estudando a história do Brasil das últimas duas décadas se dirá que o País se desenvolveu, criou empregos, aumentou as exportações, proporcionou ascensão socioeconômico das camadas menos privilegiadas da população, combateu as desigualdades sociais e regionais e que o Brasil passou a ser o 6º País mais rico do mundo e se colocou como Nação influente no plano internacional, porém, no mesmo período, se dirá que o período foi marcado pela corrupção, no melhor estilo Carlos Lacerda na campanha contra Getúlio Vargas, maculando a Era Lula.  
O que deverá ser perguntado é o que a AP 470 interessará ao cidadão comum caso o Ministro Celso de Mello venha contrariar sua posição amplamente difundida e votar pelo descabimento dos embargos infringentes de modo geral ou pelo descabimento deles nas ações penais originárias como é o seu posicionamento. O noticiário de imprensa de hoje, 15.09, anuncia que o voto do Ministro Celso de Melo será como o Sermão da Montanha, tamanha profundidade e estrutura ética, com possíveis recados diretos aos Ministros Gilmar Mendes e Marco Aurélio.
Uma breve lembrança. O Ministro Gilmar Mendes é aquele que por decisão proferida na madrugada, em HC, concedeu liminar pondo em liberdade Daniel Dantas, o megainvestidor metido em falcatruas financeiras. O Min. Marco Aurélio é primo do ex-presidente Collor de Melo e foi por este indicado para o STF. É o mesmo Ministro que concedeu liminar em habeas Corpus em favor de Salvatore Alberto Cacciola, banqueiro ítalo-brasileiro proprietário do Banco Marka e metido em crimes financeiros de toda ordem que foi condenado à prisão. Depois da liminar deferida pelo Min. Marco Aurélio o banqueiro fugiu no Brasil e foi se refugiar na Europa onde passou 06 anos, até ser extraditado para o Brasil e cumprir pena no Complexo Bangu 8, no Rio. Na última sessão do STF eles foram os que se disseram mais indignados se acolhidos os embargos infringentes.
Como estamos em Paulo Afonso, vejamos o que ocorre.
Se alguém comete um crime e é julgado e condenado aqui na Comarca, ele poderá recorrer ao Tribunal de Justiça da Bahia e, posteriormente, ao STJ e/ou ao STF, tendo ele a garantia de que sua condenação poderá ser revista com sua absolvição ou alteração das penas impostas ou a manutenção delas. É o princípio do duplo grau de jurisdição que tem residência no art. 5º, LV, da CF.
Em alguns casos, porém, a pessoa é processada pelo próprio STF que atua como única instância. Isso acontece quando a pessoa processada tem foro privilegiado pela prerrogativa da função. É o caso do Presidente da República, Deputados, Ministros e mais outros praticarem crimes comuns. Na hipótese, condenados os réus como foram na AP 470, não há outra instância superior a recorrer por ser o STF à única.
O julgamento da AP 470 foi programado ex-ministro Ayres de Brito para terminar antes das eleições municipais de 2012 e repercutir negativamente no desempenho do PT, especialmente, nas eleições municipais de São Paulo e mesmo assim o PT venceu na Capital Paulista. O processo reuniu milhares de páginas e era inevitável que pela pressa e a vontade manifesta dos ministros ultraconservadores da Corte, leia-se Barbosa, Gilmar Mendes, Marco Aurélio de Mello, Peluzo, Aires de Brito e, circunstancialmente, a diana do pastoril, Luís Fux, de resultar equívocos na avaliação das provas e na  dosimetria das penas aplicadas, como efetivamente isso aconteceu. Felizmente Aires de Brito e Peluzo já se aposentaram e isso proporcionou o ingresso de dois Ministros a contrabalançar o conservadorismo exacerbado.
Como alguns dos acusados foram condenados por maioria de votos em única instancia, lhes é reservado o direito de opor Embargos Infringentes a possibilitar um novo julgamento ou diminuição nas penas impostas, cujo recurso interno é previsto no Regimento Interno do STF, como também é instituto de direito processual penal tratado no art. 609 e seu parágrafo único do Código de Processo Penal. O diferencial, é que os Embargos Infringentes do CPP são previstos incidentalmente em julgamento de recurso de apelação penal nos tribunais inferiores, não expressando o mesmo diploma em relação aos julgamentos no STF e no STJ.
Os Embargos Infringentes do regimento interno do STF não foram somente recepcionados pela Carta Federal de 1988, como também não poderiam ser desprezados nos julgamento de ações penais da competência originária das Cortes Superiores, o que acontecendo, teríamos tratamentos desiguais para iguais situações. Como o julgamento da AP 470 se deu em única instância, é da boa política criminal a revisão do julgado  pela mesma da Corte, em sede de Embargos Infringentes, antes da execução da pena, quando a condenação criminal foi por voto de maioria, na previsão do art. 609, parágrafo único, do CPC, e art. 333, I, do RISTF que prevê: “Art. 333. Cabem embargos infringentes à decisão não unânime deu Plenário ou da Turma. I – Que julgar procedente a ação penal.
No meu entendimento, o Ministro Celso de Melo que pela sua história de garantista, acolherá os Embargos Infringentes dos réus na AP 470, mantendo a tradição e reconhecendo a garantia constitucional-processual-penal dada ao cidadão, por norma ordinária, especial ou interna de da Corte.
O INJUSTIÇADO LUIZ GUSHIKEN. O ex-Procurador da República e subscritor da denúncia da AP 470, Dr. Antônio Fernando de Souza, deve ter dormido a última noite com seus pesadelos. Na denúncia da AP 470 ele incluiu como réu  Luiz Gushiken, militante fundador do PT, dirigente sindical, ex-deputado e ex-ministro que foi enterrado no dia de ontem depois de uma árdua luta contra um câncer.  Denunciado   Luiz Gushiken, seu nome e sua história política e de vida ficaram maculados e a nódoa imposta a sua biografia o jogou para a sarjeta da vida política e jamais será recuperada em sua plenitude. No curso da ação penal, o próprio procurador denunciante pediu a absolvição de Luiz Gushiken por falta de prova. Ora, se não tinha prova contra o réu, porque o denunciou? Porque tamanha irresponsabilidade funcional a desonrar família alheia?
Paulo Afonso, 15 de setembro de 2013.
Antonio Fernando Dantas Montalvão. montalvao@montalvao.adv.br
Escrit. Montalvão Advogados Associados.


 

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