quarta-feira, junho 29, 2011

E Lomanto continuou governador até o ultimo dia.

Sebastião Nery

Sergipano, baixinho, gorduchinho, atarracado, ambicioso, o coronel Humberto de Melo era o chefe do Estado Maior da VI Região Militar na Bahia, no golpe de 64. Com cursos no Panamá, nos Estados Unidos, era um “homem de informações”. Na época, isso queria dizer ligado à CIA.

Bebia muito, detonava uísque. Udenista, tinha sido secretario de Segurança do governo Juracy Magalhães. No golpe, tomou conta do Estado e de Sergipe. O comandante da Região, general Manoel Pereira, era uma simpática e lerda rainha da Inglaterra. Humberto de Melo resolveu derrubar o governador Lomanto Junior, do PTB, e assumir o governo do Estado.

UDN e PSD armaram tudo na Assembleia que, acovardada, já tinha numero de sobra para aprovar o impeachment de Lomanto. Marcaram sessão extraordinária para uma segunda-feira, à tarde. De manhã cedo, desce de surpresa em Salvador, de um avião militar, saído de Recife, com um punhado de oficiais, o general Justino Alves Bastos, comandante do IV Exercito e chefe de Humberto de Mello. Foi direto para o palácio da Aclamação e avisou:

- Vim almoçar com meu governador, que vai continuar governador.

E ninguém mais falou em derrubar Lomanto.

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LOMANTO

Todo milagre tem seu santo. O de Lomanto foi o simpático e bem falante Paranhos, que se dizia deputado pelo Estado do Rio, mas era apenas suplente, e aterrissou de repente na casa do saudoso Marcelo Gedeon, presidente do Conselho dos Produtores de Cacau e aparentado de Lomanto.

Compadre do general Justino, Paranhos esteve antes às pressas na Bahia e acertou a ficada de Lomanto com Lelivaldo Brito, cunhado do governador, rico e presidente do Banco do Estado (morreu pobre há pouco em Salvador).

A filha de Justino ia casar. Lomanto, que nunca tinha visto a filha do general, virou padrinho do casamento e Lomanto e Lelivaldo deram à noiva polpudos presentes, inclusive um resplandescente Pulmann esporte.

E Lomanto continuou governador até o ultimo dia.

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BANCO CENTRAL

A qualquer dia vai descer em Brasília um manda-chuva norte-americano (ou dos norte-americanos) como o secretario do Tesouro, o presidente do Federal Reserve (Banco Central), o diretor-geral do FMI, o presidente do Banco Mundial, como o general Justino desceu em Salvador. Apenas para dar a ordem:

- Vim almoçar com meu presidente do Banco Central, que vai continuar presidente do Banco Central.

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BAHIA

Claudemiro Suzart, farmacêutico generoso e amigo dos pobres, candidato do PTB à prefeitura de Feira de Santana, na Bahia, contra Arnold Silva da UDN e Froes da Motta, do PSD, foi fazer comício na Rua do Meio, que em 1958 era centro da zona boemia, do meretrício na cidade:

- Meus amigos, vocês precisam ver a vida dos candidatos, desde o nascimento deles, onde moram, como vivem, o que fazem, para saberem bem em quem votar. Arnold Silva, candidato da UDN, nasceu num palacio, tomou banho em bacia de prata, nunca falou com o povo. O que é que ele é?

- O candidato dos milionários!

- Isto mesmo! Não pode ter o voto do povo!

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FEIRA

E Claudemiro continuava, com a rua larga lotada:

- Meus amigos, Froes da Mota, candidato do PSD, nasceu e viveu numa fazenda muito rica, nunca soube das dificuldades do povo. O que é que ele é?

- Candidato dos latifundiários!

- Isso mesmo! Não pode ter o voto do povo. Eu, meus amigos, como vocês sabem, eu nasci aqui na Rua do Meio. O que é que eu sou?

Lá do fundo, um negão gaiato, alto, forte, enorme, a boca cheia de dentes, gritou:

- Filho da puta!

Acabou o comício. Ganhou Froes da Mota.

(No palanque, o advogado, ex-vereador e futuro prefeito de Feira em 62, cassado em 64 e depois deputado federal, Francisco Pinto. E eu, jornalista).

Fonte: Tribuna da Imprensa