Carlos Newton
O mundo mudou muito rapidamente, com a migração da população rural para as cidades e a consequente criação das megalópolis. Que aqui no Brasil chamamos de região administrativa ou Grande São Paulo, Grande Rio, Grande Belo Horizonte. E é um fenômeno que parece não ter fim, vejam o que acontece hoje com Brasília, Salvador e Recife.
Tudo mudou, as pessoas perdem horas se deslocando entre a casa e o trabalho, não há tempo para nada e têm medo de tudo, porque o inchaço das cidades, o desemprego e as drogas fizeram explodir a violência urbana, com a impunidade facilitada pelo anonimato dos rostos na multidão, onde ninguém se conhece ou reconhece.
As relações humanas também vêm se modificando completamente. Nos bairros verticais perde-se cada vez mais a noção da vizinhança, não há um relacionamento estreito com o vizinho que vive no apartamento ao lado, é muito diferente da época em que as pessoas moravam em casas, com jardins e quintais, as crianças crescendo e brincando juntas.
Salvo as sempre honrosas exceções, os relacionamentos se fazem de maneira distante, através dos meios de comunicação, e agora migram para as chamadas redes sociais, como Orkut e Facebook. Perde-se (ou ganha-se, depende da ótica) cada vez mais tempo diante da televisão e do computador, namoros e casamentos surgem a partir de diálogos via monitor, as pessoas só vão se conhecer realmente depois, quando enfim se encontrarem. Pode dar certo ou não. Tudo é mesmo relativo, à moda de Einstein.
Nesse quadro de mudanças sociais, que atingem não só o Brasil, mas o mundo inteiro, fazem surpreendente sucesso os programas de “reality show”, como “Big Brother”, “A Fazenda” e “Casa dos Artistas”? Os espectadores se identificam com as pessoas que estão lá. Todos sabem que os participantes não têm nenhum grande predicado, são pessoas comuns, algumas bonitas, outras mais ou menos e até feias, uma ou outra inteligente, a maioria completamente tapada, quase todos da classe média baixa.
O telespectador se identifica mesmo, porque pensa que também poderia ter sido escolhido e estar lá, disputando. A cada novo programa, milhões de pessoas se inscrevem, enviam vídeos, vivem o sonho de serem selecionados para participar. Mas como diz a Bíblia, muitos são chamados, poucos os escolhidos. Quando o programa enfim começa, o telespectador então se identifica com algum participante e passa a torcer por ele, manda mensagens e torpedos, vota no paredão, é tudo pago, e as emissoras então enchem as burras às custas da ignorância alheia. É assim no Brasil e no mundo, vejam só a que ponto de civilização chegamos.
No Brasil e no mundo (o primeiro “reality show” foi criado na Holanda), essas mudanças sociais marcam o fosso existente entre o cidadão comum, que não perde o “Big Brother”, e as pessoas que têm alguma coisa na cabeça e antigamente compunham o que se chamava de opinião pública. Hoje, a opinião pública influi cada vez menos.
Não foi por mera coincidência que o então presidente Lula, no auge da campanha eleitoral para eleger Dilma Rousseff, em 18 de setembro, fez a seguinte afirmação: “Tem dias em que alguns setores da imprensa são uma vergonha. Os donos de jornais deviam ter vergonha. Nós vamos derrotar alguns jornais e revistas que se comportam como partidos políticos. Nós não precisamos de formadores de opinião. Nós somos a opinião pública”.
Com sua impressionante intuição, Lula estava acertando na mosca. A opinião pública e os formadores de opinião parecem não ter grande importância nos dias de hoje, em que a sociedade se divide flagrantemente entre uma minoria que tem alguma opinião e uma esmagadora maioria que não têm opinião alguma, salvo as sempre honrosas exceções. O desabafo de Cazuza, “ideologia, eu quero uma para viver”, é cada vez mais atual para quem enxerga um palmo adiante do nariz.
Essas mudanças sociais, é claro, têm reflexos enormes na política. O crescimento absurdo das cidades, a luta pela sobrevivência, o consumismo desvairado, acabando com as matérias-primas e destruindo o meio ambiente, tudo colabora para o enfraquecimento da política. Cada um que cuide de si, este parece ser o lema geral desta sociedade cada vez mais estranha e neurótica, que considera a corrupção como algo rotineiro, comum a todos. Se você toca no assunto, logo alguém diz que “os políticos são mesmo assim”. O conformismo é geral.
Nesse contexto absurdo, a disputa eleitoral hoje é encarada como uma espécie de Big Brother político, um cenário feito sob medida para um líder como Lula, que veio de baixo, cuja formação é semelhante à da esmagadora maioria dos brasileiros. O povo gosta dele, identifica-se com ele, torce por ele. Por isso, enquanto existir Lula, a política brasileira estará “dominada”, no melhor estilo Big Brother, como se estivéssemos em regime de partido único.
Na fase atual de nossa política, tudo depende de Lula. Se ele for o candidato do PT em 2014, é uma realidade. Se for a presidente Dilma, tentando a reeleição, é outra realidade. Se os dois ainda estiverem unidos, é uma realidade. Se até lá os dois tiverem rompido e Dilma enfrentar Lula nas urnas, é outra realidade, porque abre a possibilidade de surgir uma Terceira Via.
Por isso, quando falam na candidatura do apresentador Luciano Huck, não parece ser brincadeira. Pelo contrário, é apenas mais uma etapa de nosso “Big Brother” político. O apresentador de TV Wagner Montes sempre lidera as pesquisas para governador no Estado do Rio. Só não se elege, porque nunca se interessou. Prefere ser deputado.
Fonte: Tribuna da Imprensa