quinta-feira, maio 05, 2011

Julgue logo o mensalão, ministro!

“É preciso que não fique tudo nivelado por baixo: os políticos pegos nos escândalos de ontem amparados nos que foram pegos nos escândalos de hoje, num grande pacto”


É claro que foi uma manifestação altamente reprovável e racista. Mas quando o deputado Júlio Campos (DEM-MT) – que, como mostrou o Congresso em Foco, é investigado num inquérito como suspeito de homicídio – recomendou a manutenção da imunidade parlamentar como forma de se precaver contra as ações “daquele ministro escuro”, ele, da forma mais desastrada possível, demonstrava um certo respeito e temor pelo ministro do STF Joaquim Barbosa. Ficava meio subentendido que, na visão de Júlio Campos, Joaquim Barbosa teria uma reputação de juiz sério e implacável, que não tergiversa contra desmandos, irregularidades e casos de corrupção cometidos pelos políticos.

Que o ministro, então, fazendo jus a essa fama, conclua o mais rápido que lhe for possível o inquérito sobre o mensalão. E que conclua pelo que parece mais do que evidente: foi a montagem de um amplo esquema de troca de dinheiro por apoio político feito pelo governo Lula em seu primeiro mandato. Porque, se o julgamento do mensalão seguir por esse caminho, ele será um importante balizador, que recolocará nos devidos eixos os conceitos sobre moralidade pública, que foram jogados no lixo depois que o governo e o PT passaram a se julgar seguros diante da impressão de que o assunto estava absolutamente acomodado, longe da indignação do eleitorado. O retorno de Delúbio Soares ao PT, resolvido pelo partido no fim de semana, é o último exemplo desse desafio. Mas a verdade é que ele ultrapassa mesmo as fronteiras petistas. Leva o Senado a formar um Conselho de Ética com senadores que já foram investigados pelo próprio Conselho de Ética, num passado recente. Ou seja: seguindo o padrão, desafia-se a opinião pública. Fica tudo nivelado por baixo: os pegos em escândalos de ontem amparam-se nos que foram pegos nos escândalos de hoje, num grande pacto.

Se o STF julgar que o mensalão existiu, se condenar seus protagonistas, a Justiça estabelecerá as regras de moralidade que devem permear a atividade pública. Não, senhores políticos, não é permitido desviar dinheiro para comprar apoio ao governo. Não, senhores políticos, a base de um governo não pode ser formada em troca de benesses e favores materiais. Não, senhores políticos, os governos não podem esconder dinheiro forjando contratos publicitários para formar um caixinha para ajudar os amigos.

Porque o que já se sabe sobre o mensalão, o que está no voto de Joaquim Barbosa quando aceitou que o inquérito tramitasse transformando os envolvidos em réus, o que está no relatório da Polícia Federal que se tornou conhecido há algumas semanas, o que foi apurado lá atrás pela CPI dos Correios (a última investigação séria feita pelo Congresso) demonstra que tudo isso que está no parágrafo acima existiu. É claramente um desvio de foco a tentativa que se fez de dizer que não houve mensalão porque ninguém recebia pagamentos mensais. Em primeiro lugar, há indicações de que, em alguns casos, isso até poderia acontecer. Mas, ainda que não houvesse mesada, o que se constata é igualmente grave. Ficou claro que existia, nas contas da agência de Marcos Valério, uma espécie de caixa aberto a quem precisasse ali se socorrer.

Tentar reduzir o caso, como também pretendeu o PT e o governo, a caixa 2 de campanha, porque aí o crime já estaria prescrito, também não bate. Vários dos saques feitos pelos políticos não aconteceram em período de campanha. Aconteceram depois que Lula estava eleito e seu governo a pleno vapor. Ainda que alguém tenha ali se socorrido para pagar dívida de campanha, aquilo, com o governo em funcionamento, significava um comprometimento, uma troca, um favor.

E não era, evidentemente, dinheiro emprestado por Marcos Valério, um bom samaritano disposto a ajudar o PT e os demais aliados do governo. Suas agências fechavam contas com o Executivo, com a Câmara dos Deputados, então presidida pelo PT, etc. Enfim, também uma troca altamente vantajosa de favores para ele.

Se a Justiça estabelecer, como se espera, que tudo isso é crime, que nada disso pode, não poderá o PT, Lula em seus arroubos, José Dirceu, continuar aos quatro ventos dizendo que o mensalão não existiu. Ficará limitado o vale-tudo da política. Não se firmará a jurisprudência que faz com que outros partidos, o Senado, etc, também julguem que podem fazer o que quiserem. Não ficará comprovada a tese do PT de que “os colunistas [como eu] reclamarão da reintegração de Delúbio por uma semana, depois o caso vai ser esquecido”.

Enfim, ministro Joaquim Barbosa, seu relatório pode fazer com que tais coisas não mais prosperem. Claro, não desejo um julgamento açodado, e sei que o senhor não o faria. Mas, diante dessa certeza de impunidade que parece se avolumar, lhe peço: conclua seu parecer o mais rápido possível. Que ele faça jus à fama que o deputado Júlio Campos, de uma forma torta, lhe reconhece. E que tenha o condão, pela capacidade e competência que o senhor tem, de convencer a seus pares no Supremo. Assim, como diria seu colega Marco Aurélio Mello, sairemos dessa atual “quadra”, que não tem sido nada bonita.

*É o editor-executivo do Congresso em Foco. Formado em Jornalismo pela Universidade de Brasília em 1986, Rudolfo Lago atua como jornalista especializado em política desde 1987. Com passagens pelos principais jornais e revistas do país, foi editor de Política do jornal Correio Braziliense, editor-assistente da revista Veja e editor especial da revista IstoÉ, entre outras funções. Vencedor de quatro prêmios de jornalismo, incluindo o Prêmio Esso, em 2000, com equipe do Correio Braziliense, pela série de reportagens que resultaram na cassação do senador Luiz Estevão

Outros textos do colunista Rudolfo Lago*

Fonte: Congressoemfoco