segunda-feira, abril 18, 2011

Onyx: “Plebiscito de Sarney é oportunista e hipócrita"

Defensor ferrenho do direito do cidadão ter arma de fogo, deputado gaúcho lembra que população já foi consultada sobre o tema e disse 'não' ao desarmamento

DEM
Contrario à ideia do desarmamento, Onyx Lorenzoni classifica de oportunista ideia de Sarney de fazer novo plebiscito sobre o tema

Fábio Góis

Empunhadas por um psicopata, duas armas compradas ilegalmente provocaram uma chacina em uma escola municipal de Realengo, zona oeste do Rio de Janeiro, no último dia 7. Os revólveres foram manuseados pelo ex-aluno Wellington Menezes (23), que não tinha porte de arma e foi diagnosticado como esquizofrênico. O episódio resultou em 12 mortes, entre crianças e adolescentes, além de vários feridos. Naquele dia, a comoção nacional que se seguiu à tragédia refletiu no Congresso, e suscitou as mais diversas reações. Entre elas, o projeto de decreto legislativo que, anunciado no início da semana passada e encabeçado pelo presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), visa promover um novo plebiscito sobre a comercialização de armas de fogo (o assunto já foi tema de um plebiscito e, na ocasião, os eleitores disseram 'não' à proposta de desarmamento).

O deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS) é um membro declarado do que se convencionou chamar de "bancada da bala", parlamentares que tiveram suas campanhas financiadas por indústrias e fabricantes de armamento e munição. Onyx tem posse e porte de arma, eventualmente anda armado, e defende claramente o direito que, na sua avaliação, as pessoas devem ter de usar armas para a sua defesa. Para Onyx, retornar a um tema que já foi objeto de apreciação da sociedade por conta da tragédia de Realengo é algo “oportunista e hipócrita”.

“É muito importante a gente saber diferenciar o que é controle de armas e o que é controle de criminalidade. Quem tem a responsabilidade de olhar para o país inteiro, que é o Parlamento brasileiro, não pode misturar esses conceitos de forma oportunista, demagógica e hipócrita”, atacou Onyx, em entrevista concedida ao Congresso em Foco na última terça-feira (12). “A iniciativa do senador Sarney é de uma irresponsabilidade brutal, de alguém que não entende nada e não estudou, não procura ler, não procura se informar.”

Para Onyx, o problema não é a comercialização das armas legais, e sim as falhas nas políticas de segurança pública, que facilitam, entre outros elementos de criminalidade, o mercado clandestino de armamento. Ele diz que o país tem uma “excelente e rigorosa” legislação sobre posse e porte de armas e munições. E mais um plebiscito, considera, seria desperdício de dinheiro e motivo de chacota mundial.

“O país gastou R$ 600 milhões para perguntar para a população se ela era a favor ou contra a proibição do comércio de armas e munições. Qual foi a resposta da população? Não. 64% da população votaram não. Um país como o Brasil, em que se gasta mais com publicidade e propaganda do que com segurança, gastar, em cinco anos, R$ 1,2 bilhão para fazer a mesma pergunta? Nós vamos ser ridicularizados no mundo todo!”, exclamou o deputado, lembrando que aumentaram os custos de um referendo como o que foi feito em 2005 – quando, segundo o Tribunal Superior Eleitoral, foram gatos R$ 250 milhões pelo governo.

“O que tem de curioso nessa resposta? Naquela data, 97% da população brasileira não tinham armas. Apenas menos de 3% tinham armas registradas, legais. Transcorrem-se cincos anos, e continua o mesmo cenário”, acrescenta o deputado, esclarecendo que sua intenção não é promover o armamento da população civil nem o comércio de armas, “até porque as indústrias brasileiras não têm mais do que 15%, 20% do seu faturamento no mercado interno; cerca de 80%, 90% é fora do Brasil”. “A minha luta é para manter o direito que eu quero ter, que a sociedade deve ter de poder escolher se quer ou não ter uma arma em casa. Só isso.”

Pás e revólveres

Onyx diz não ver diferenças entre um revólver e uma pá. Para ele e seus mais de 10 milhões de conterrâneos gaúchos, ambos são “instrumentos como outro qualquer”. A questão, diz, é o uso que se faz dos “objetos inanimados”. “O liquidificador liga do nada? A televisão liga do nada? Não, é preciso alguém apertar um botão. No caso de uma arma, alguém tem de pressionar o gatilho. O problema não está no objeto, mas em quem o manuseia”, argumenta o deputado, que tem porte de arma desde o início da década de 1980, após uma invasão à casa de seu sogro, em Porto Alegre. Na ocasião, um dos quatro filhos do deputado ainda era bebê de colo.

“Eu pude sacar a minha arma, sustentar o agressor sem que ele me agredisse e sem que eu o agredisse. Ele está vivo e eu também. Agora, não sei se estaria falando contigo hoje se não estivesse com aquela arma na mão”, defende o deputado.

Em quase 30 minutos de entrevista, o deputado citou diversos números e estatísticas sobre o assunto, referentes ao Brasil e a outros países emblemáticos. Descreveu o poder de fogo de algumas armas, falou sobre os testes “rigorosos” a que é submetido periodicamente para manter o direito de portá-las e usá-las. Demonstrando conhecimento de causa, comprou briga com movimentos sociais como o Viva Rio, a quem acusa de manipular informações e até mentir sobre a relação entre armas de fogo e violência. E, com campanha financiada por fabricantes de armamento em eleições anteriores, diz não ver conflito de interesses em defender deu ponto de vista – uma vez que, garante, só depois de manifestar seu posicionamento, durante o primeiro mandato de deputado federal (ele está no terceiro consecutivo), chamou a atenção das empresas do setor.

“O Brasil hoje controla muito bem armas legais, e a gente não pode esquecer que o país é signatário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que diz em seu artigo 3º: 'São direitos da pessoa humana a vida, a liberdade e a defesa pessoal'. É textual a palavra. O que quer José Sarney, de maneira oportunista e hipócrita, é impedir que o Brasil continue honrando talvez um dos mais importantes tratados dos quais é signatário. Ao tentar revogar artificialmente, e ao tentar negar aquilo que a população já disse”, criticou Onyx. Por ironia, no momento da entrevista, o Senado votava a chamada MP do Trem-Bala, trocadilho que seria cômico se o momento não fosse trágico. “Dinheiro pra botar no trem-bala, tem. Já pra botar na segurança...”

Confira a íntegra da entrevista:

Congresso em Foco: O senhor já entrou armado no Congresso?
Onyx Lorenzoni:
Nunca.

Entraria?
Não vejo necessidade alguma. Eu tenho arma, tenho porte de arma, atiro muito bem, treino tiro. Já tive a minha vida e a minha integridade preservadas exatamente porque eu tinha arma, sem precisar dar um tiro. A arma foi usada como instrumento de dissuasão. Não vejo necessidade. Aqui é um lugar onde a gente tem completa segurança. O eventual porte de arma é para uma situação onde a pessoa se coloca em risco – quando se vai para uma estrada, viajar de noite, nessas circunstâncias. Fora disso, eu mesmo não uso em meu cotidiano. Eu uso a arma quando treino, ou na minha casa, óbvio.

Na década de 1960, o ex-senador Arnon de Mello, pai do ex-presidente da República Fernando Collor de Mello, matou um parlamentar durante uma sessão no Plenário do Senado. Em 2009, o senador Pedro Simon (PMDB-RS), ao trocar acusações com Collor no mesmo local, disse ter resgatado aquela trágica memória. Não é perigosa a relação entre parlamentar e arma de fogo?
O Estatuto do Desarmamento fez algo que eu acho corretíssimo. Eu sou contrário a qualquer vantagem extra para autoridade – que tem de ter dever, e não vantagem. O estatuto acabou com o direito de porte automático. Por exemplo, para mim, que tenho posse e porte, em janeiro deste ano eu me submeti [às obrigações da legislação]: fiz psicotécnico, exame de saúde, teste de tiro, teste de conhecimento de legislação... Eu fiz dois testes – um em que se atira em uma silhueta e outro em que se atira em alvos a mais de sete metros de distância. Hoje, para uma pessoa receber o porte de arma no Brasil, tem de ter quase expertise em armas. É diferente do passado, quando quem fosse amigo do delegado tinha porte de arma. É por isso que eu digo, o problema do Brasil não é arma legal – até porque nós já vendemos no país 50 mil armas por ano. Hoje não se vende oito mil. Houve uma queda brutal da comercialização, e isso não é de hoje, já tem seis ou sete anos. Na verdade, o Brasil tem uma lei excelente para controle de armas na mão da população civil, ninguém pode questionar. Mais do que se restringiu não se pode fazer. Contam-se até os cartuchos – são 150 munições que tu podes compra por ano. E justificar [a quantidade]. Isso vai para o arquivo da polícia. Se a polícia achar que tu estás comprando munição demais, vai te investigar. O problema do Brasil é armamento ilegal, quadrilha, bandidagem. Para o seu Sarney ter autoridade para falar em plebiscito, ele tem que, primeiro, obrigar o governo a que ele apoia a desarmar os bandidos. Porque eu não vou entregar para nenhuma polícia do Brasil a segurança da minha família. Ah, essa não! Tu podes fazer o teste aqui em Brasília. Liga, pra tu veres se eles te atendem. Ou quanto tempo eles levam para chegar à tua casa.

Alguns parlamentares e a própria ministra Maria do Rosário (Direitos Humanos), em eleições passadas, tiveram suas campanhas financiadas por fabricantes de armas. O senhor também...
Eu também.

Não seria conflitante para o senhor combater um projeto que visa o desarmamento?
Não. E eu vou te explicar o porquê. A ministra Maria do Rosário é uma deputada do Rio Grande do Sul, que tem a sociedade mais armada da América Latina. Lá, nós temos uma arma para cada dez habitantes. E nós temos as mais baixas taxas de homicídio, por 100 mil, do Brasil e da América Latina. Lá se encontram os principais fabricantes de armamento do Brasil. Por quê? Porque para lá, no século retrasado, se dirigiram italianos e alemães, e todos eles tinham uma tradição – e principalmente os alemães – de manufatura de armas. O que aconteceu quando nossa fronteira passou a existir (e nós tomamos o Rio Grande do Sul dos espanhóis, isso é um fato)? Lá, não há família que não tenha arma. Então, para nós é algo absolutamente normal. E, no meu caso, com cinco mandatos de deputado – dois de estadual, e estou no terceiro de federal –, eu cheguei aqui em 2003 sem nunca ter sido apoiado por uma indústria de arma. E eu entrei na luta contra o desarmamento – era um dos oito deputados que aqui empreenderam uma luta contra o mundo, para alertar a sociedade sobre os seus direitos. Nós conseguimos. Antes, havia uma lavagem cerebral por uma parcela da mídia, que tentava formar a cabeça do brasileiro. Tanto que as pesquisas de opinião do Ibope – vou dar o nome! – diziam que 80% da população iriam votar sim [pelo desarmamento]. E foi o maior fracasso na história do Ibope, que faz tudo para esquecer essa época, porque 64% disseram não. E, no meu estado, 87% disseram não. A arma é um instrumento como qualquer outro no meu estado – uma pá, um enxada, qualquer outro instrumento. Quando eu cheguei aqui e estava no início da discussão, da tentativa que o governo Lula fez de desarmar a população civil, eu fui para o combate, mesmo sem ter recebido apoio de ninguém. Porque é uma questão de convicção. Eu tive a minha vida preservada quando ainda não era político, era veterinário. Foi em 1982, quando era legal – e, graças a Deus, continua sendo – o cidadão poder comprar sua arma, provar a sua habilidade, e daí receber o porte. Eu pude sacar a minha arma, sustentar o agressor sem que ele me agredisse e sem que eu o agredisse. Ele está vivo e eu também. Agora, eu não sei se estaria falando contigo hoje se não estivesse com aquela arma na mão.

O senhor é a favor da flexibilização das regras para porte de armas?
É muito importante a gente saber diferenciar o que é controle de armas e o que é controle de criminalidade. Quem tem a responsabilidade de olhar para o país inteiro, que é o Parlamento brasileiro, não pode misturar esses conceitos – de forma oportunista, demagógica e hipócrita – em resposta ao episódio que resultou na tragédia de Realengo. A iniciativa do senador Sarney é de uma irresponsabilidade brutal, de alguém que não entende nada e não estudou, não procura ler, não procura se informar. Há pouco mais de quatro anos, o Brasil fez um referendo. Naquele referendo, o país gastou R$ 600 milhões para perguntar para a população se ela era a favor ou contra a proibição do comércio de armas e munições. Qual foi a resposta da população? Não. 64% da população votaram não. O que tem de curioso nessa resposta? Naquela data, 97% da população brasileira não tinham armas. Apenas menos de 3% tinham armas registradas, legais. Transcorrem-se cincos anos, e continua o mesmo cenário: 97% da população brasileira continuam não tendo armas. Veja: nesses últimos cinco anos, foram feitas duas campanhas de desarmamento. Na primeira, foram recolhidas cerca de 400 mil armas, e na segunda, um pouco mais de 50 mil. Em números redondos, temos próximo de quinhentas mil armas que foram voluntariamente entregues pela população civil para o governo. E o que foi resolvido com isso? A pergunta é essa. Reduziu a criminalidade do Brasil? Não, porque a criminalidade não tem relação de causa e efeito com a arma legal.

Mas o país não está despreparado para as armas?
O Brasil tem uma das legislações mais restritivas do mundo para posse de arma. Vamos lá: com quantos anos a pessoa pode comprar arma no Brasil? Mais de 25. Por exemplo: esse rapaz que fez aquela loucura lá [em Realengo] tinha 24 anos. Ele não comprou uma arma legalmente. Onde ele adquiriu as armas? Ele comprou no mercado clandestino, e o plebiscito não trata do mercado clandestino. Não trata de gangue, de quadrilha, de tráfico de drogas ou de armas. E que arma pode portar o cidadão? Pode portar um revólver 38, uma pistola 380 e uma espingarda. Com o que contam hoje as quadrilhas de narcotraficantes? Fuzil AR-15, Falcon, Kalashnikov, metralhadora semi-automática, pistola .40, lança-foguetes, granadas. O cidadão comum pode comprar isso no Brasil? Em outros países pode, mas no Brasil, não. Então, só analisando esses fatos é que a gente começa a ver que uma coisa não tem relação com outra – a não ser com hipocrisia ou desconhecimento da matéria.

Sempre se verifica um intenso lobby dos fabricantes de armas quando um projeto dessa natureza passa a tramitar no Congresso – com resultados quase sempre satisfatórios para esses agentes. A proposição encabeçada por Sarney já não nasce fadada ao fracasso?
Não... Primeiro, acho que o projeto é um absurdo. Quanto custaria um plebiscito no Brasil, como quer o presidente do Senado? R$ 700 milhões, R$ 800 milhões? Os custos aumentaram. Então, em um país como o Brasil, em que se gasta mais com publicidade e propaganda do que com segurança, gastar, em cinco anos, R$ 1,2 bilhão para fazer a mesma pergunta? Nós vamos ser ridicularizados no mundo todo. Isso é um absurdo! Qual é o argumento dos que defendem o desarmamento da população civil? É de que, não havendo arma na mão do cidadão de bem, o bandido não tem arma. Mas os bandidos não compram arma do cidadão de bem! Eventualmente, eles podem roubar a casa de alguém – mas aí é porque a polícia não recuperou o roubo. Eventualmente, roubam uma delegacia de polícia, uma empresa de segurança. Agora, por outro lado, quantos milhares de eventos criminosos são obstaculizados porque alguém tem a posse ou um porte de uma arma. A arma, usada pelo cidadão de bem, é na verdade um instrumento de dissuasão.

Então o problema é a ineficiência dos órgãos de segurança pública brasileiros ...
Vamos pegar o exemplo da Inglaterra. No início dos anos 90, depois de um episódio envolvendo arma de fogo, reuniram milhares de assinaturas, o congresso deles se mobilizou e baniram as armas de fogo. O que aconteceu? Aumentaram os índices de assalto à mão armada e de invasão de residências, e se estabeleceu a seguinte estatística britânica – que é muito diferente da estatística brasileira: de cada 100 residências assaltadas na Inglaterra, 50 famílias armadas. Tu és capaz de imaginar estar dentro de casa, entrar um grupo de assaltantes na tua casa e tu não teres como te defender, ou defenderes tua mulher, mãe, filho, pai? Ou então o exemplo dos Estados Unidos, onde a compra é livre em 32 estados – e eu não estou defendendo que o modelo americano é bom pra nós; estou apenas constatando: de cada 100 assaltos a residência, em apenas dez a família estava dentro de casa, porque o bandido evita, sabe que vai ter reação. A Inglaterra tem uma tradição secular de patrulhamento por polícia desarmada, só com cassetete. Tem três ou quatros anos em que foi dada uma autorização para que o patrulhamento a pé inglês seja feito com arma de fogo, porque não se consegue mais controlar a violência com cassetete. Vamos além. Há poucos anos, também na Inglaterra, outro fato: invadiram uma casa onde havia um casal – o marido com 80 anos e a mulher com 75, 76 anos –, agrediram o marido, o marido desmaiou, foram atacar a mulher. Ela tinha uma espingarda, ilegal e velha, usou a espingarda e matou os dois agressores. Comoção na Inglaterra. Resultado: o Congresso inglês autorizou, incoerentemente em relação à decisão de dez anos atrás, o uso de espingarda. Ou seja, não é à toa que, na sociedade mais armada – e esse não é o caso do Brasil, porque aqui apenas 3% da população tem arma legal... Por exemplo, os Estados Unidos, ou a Suíça, que é um país menor do que o Rio Grande do Sul. A Suíça tem 43 milhões de armas legais hoje – 43 milhões de armas registradas! Qual é a taxa de homicídio por 100 mil [habitante] na Suíça? 1,5%. E nos Estados Unidos, menos de 2%. E no Canadá, que tem 24 milhões de armas registradas? Também de 1,5%. Qual é a taxa da Nova Zelândia, que tem uma faixa de 22, 23 milhões de armas registradas? A mesma taxa. Não tem nada a ver arma legal com aumento de criminalidade. Crime é uma outra coisa – é fronteira desprotegida, é falta de policiamento, é pouca tecnologia, é ausência de prisão. O problema é o sistema prisional brasileiro, em que homicidas, sequestradores e estupradores – e não estou falando de ladrão de galinha, mas sim de crimes contra a vida – saem do tribunal com uma pena de 30 anos e em seis anos estão na rua. Esse é o sistema prisional, porque não tem cadeia, não tem isso, não tem aquilo. Vamos pegar a Bolívia, um país pobre, com guerrilha urbana e campesina, com problema gravíssimo de narcotráfico – é uma das principais fontes de abastecimento de cocaína do mundo: o país fez um pacto pela segurança, e hoje qualquer cidadão pode andar com tranqüilidade no centro de Medelín e no centro de Bogotá. Porque limparam a polícia, aumentaram a capacidade das suas prisões, passaram a usar [órgãos de] inteligência, reconquistaram a confiança da população na polícia. Combater criminalidade não tem nada a ver com legislação sobre posse e porte de arma.

O senhor quer dizer que o Brasil está despreparado tanto para endurecer quanto para liberalizar a legislação sobre o comércio de arma de fogo?
É isso. Portanto, o que temos hoje [em termos de legislação], está adequado para o Brasil. Eu poderia questionar que o custo para se obter uma posse de arma hoje é muito caro. Além das restrições: 25 anos de idade mínima, teste psicotécnico, teste de conhecimento de legislação, teste de tiro – e estou falando de posse, apenas para manter a arma em casa, e não de portá-la em público, tem de ser feito tudo isso. Volto a insistir: o Brasil tem uma legislação super-restritiva. Não precisa mais, o país já resolveu a questão do controle de armas legais. O problema brasileiro é o controle das armas ilegais – e aí tu cais naquilo que é a mentira de que se utilizam movimentos como, por exemplo, o Viva Rio. O Viva Rio vive falando que, em um levantamento que foi feito no Rio de Janeiro [o deputado passa a ler um informativo divulgado pela entidade], “68% das armas apreendidas entre 1998 e 2003 foram legalmente adquiridas”. Só que ele [o Viva Rio] esqueceu, convenientemente, de informar que esse levantamento foi feito tendo como base um conjunto de 150 mil armas apreendidas. Como não foi possível identificar a origem das armas, as autoridades pediram ajuda aos fabricantes nacionais, e remeteram para eles essas 150 mil armas. Dessas, eles conseguiram identificar 10 mil. Então, 140 mil não eram de fabricação nacional. Dessas 10 mil, 6.800 armas haviam saído de fábricas brasileiras. Então veja bem: não eram 68%, mas sim 5% de fabricação nacional. Então, isso demonstra claramente que há uma questão ideológica, de falseamento da verdade, que precisa ser combatida. O Brasil hoje controla muito bem armas legais, e a gente não pode esquecer que o país é signatário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que diz em seu artigo 3º: "São direitos da pessoa humana a vida, a liberdade e a defesa pessoal". É textual a palavra. O que quer José Sarney, de maneira oportunista e hipócrita, é impedir que o Brasil continue honrando talvez um dos mais importantes tratados dos quais é signatário. Ao tentar revogar artificialmente, e ao tentar negar aquilo que a população já disse.

Na última terça-feira (12), o senador Renan Calheiros (PMDB-AL), falando como ex-ministro da Justiça, foi à tribuna do plenário pedir a vinculação de recursos orçamentários para a segurança pública, assim como já acontece para a área da saúde, sem possibilidade de contingenciamento de verbas para o setor. O senhor concorda com a ideia?
Quando eu digo que o Brasil tem de fazer um pacto pela segurança, realmente, isso inclui aprovar a PEC 300 [que estabelece um piso salarial para policiais e bombeiros], fazer uma faxina nas forças de segurança, aumentar o número das cadeias. Mas isso demanda dinheiro. Então, se tiver de fazer uma vinculação no orçamento para que se gaste com a segurança da população – em vez de gastar em propaganda, em viagens e em outras bobagens –, então é um dinheiro muito bem empregado. Eu concordo.

Quando o senhor chama a proposta de Sarney de oportunista, quer dizer que o senador está aproveitando que a sociedade está fragilizada, comovida com o episódio de Realengo – enfim, valendo-se do fato de que, supõe-se, a rejeição às armas é maior no calor do acontecimento?
O que é ser oportunista nesse caso? É se valer de uma tragédia que não tem nada a ver com a legislação existente para tentar que... Essa turma do desarmamento, no próprio governo, por uma questão conceitual e ideológica não aceita o exercício dessa liberdade no Brasil. Aliás, se o governo puder, revoga o direito de portar arma, o direito aos sigilos bancário e fiscal, que já não existem no Brasil... E, se ele puder, vai revogar todos os direitos possíveis. Segmentos que apoiam o PT, por exemplo, querem relativizar o direito de propriedade! Nós temos de nos dar conta de que isso é um processo ideológico. A ideologia marxista [atribuída aos petistas históricos; referência ao filósofo alemão Karl Marx, co-autor do Manifesto Comunista] sempre se pautou por retirar todos os direitos fundamentais da pessoa humana para dominar segundo seus interesses.

As reações às tragédias nacionais são tardias?
Para fazermos um paralelo em tragédias, o caso de Realengo é uma tragédia com tanta estupidez quanto foi a do João Hélio (menino que morreu em 2009, no Rio de Janeiro, depois de ser arrastado por marginais em um veículo). E havia sentido proibir a fabricação de carros? Os objetos inanimados não causam nada. Quem decide as coisas são as pessoas. O liquidificador liga do nada? A televisão liga do nada? Não, é preciso alguém apertar o botão. No caso de uma arma, alguém tem de pressionar o gatilho. O problema não está no objeto, mas em quem o manuseia.

Mas isso não seria levantar um debate em favor do armamento?
Mas ninguém levanta um debate em favor do armamento. Volto a dizer: o pessoal do desarmamento mistura, de maneira oportunista, controle de arma com controle de criminalidade. E faz uma miscelânea para tentar enganar as pessoas, e isso é incorreto. Eles mentiram tanto e de tantas formas, que a sociedade se deu conta de que ali havia uma mentira, se deu conta de que não se tratava de arma, e sim de direito. Nós não lutamos para vender arma, eu não me bato para vender arma – até porque as indústrias brasileiras não têm mais do que 15%, 20% do seu faturamento no mercado interno, cerca de 80%, 90% é fora do Brasil. Elas já são multinacionais, reconhecidas internacionalmente. A minha luta é para manter o direito que eu quero ter, que a sociedade deve ter, o cidadão deve ter, de poder escolher se quer ou não ter uma arma em casa. Só isso.

Já existe uma ação para derrubar o projeto do senador Sarney?
Isso vai ser feito no debate. Os plenários do Senado e da Câmara vão votar – e eu espero que a racionalidade impere. Se não imperar, e esse país riquíssimo que somos nós – onde não há problema algum na saúde, na educação, problema zero na segurança, qualquer um pode andar a qualquer hora do dia ou da noite, a gente pode deixar a janela da nossa casa aberta, nem precisa da chave da porta – esse país pode se dar ao luxo de jogar no lixo R$ 700 milhões, R$ 800 milhões, para fazer um plebiscito que não tem nenhuma relevância, visto que já fez isso há pouco mais de quatro anos. E já se gastou R$ 600 milhões! Então, põe na conta da sociedade... E vou dizer uma coisa pra ti: no Brasil, o 'não' ganha com mais de 70%. E, no meu estado, de 92% ou 93% pra cima. Naquele momento, criou-se uma consciência que era inexistente no Brasil. Agora, diante desse oportunismo, dessa demagogia, o senhor Sarney vai tomar uma trauletada como ele nunca viu na vida.

A polícia legislativa usa tasers, espécie de revólver com descarga elétrica, não letal. Imaginando-se uma produção em grande escala, ao menos para comercialização junto à população civil, o artefato não seria a solução para as mortes provocadas por arma de fogo?
Isso ainda tem muito para avançar. Eu vou te dar um dado de um amigo médico, que atendeu e refez a mandíbula de um homem que tomou 22 tiros de [revólver calibre] 38 e está vivo até hoje. Tu sabes quantos tiros de 38 são necessários em uma pessoa para parar uma ação agressiva? No mínimo três tiros, em um intervalo máximo de dois segundos, e a uma distância média de dois milímetros, se não ela não pára. Por isso que, hoje, a população civil não tem capacidade de parar uma ação agressora com o armamento disponível. Nem com a pistola calibre 380, nem com o 38. Por que a polícia e as forças armadas usam a .40? Porque com esse calibre, um tiro no tórax cessa a ação agressora. O que tu tens quando alguém resolve investir contra ti (seja porque é maluco, porque está drogado, seja o que for)? Ele tem uma faca, um pau, uma arma. Em algum momento tu tens que parar essa pessoa, correto? Para que isso aconteça, tem de haver um certo impacto, e as armas que hoje estão na mão do cidadão não têm condição de, com um disparo, parar o agressor. Essa é uma outra discussão que existe: se o Estado não está cerceando o direito de legítima defesa. Mas nós nem chegamos ainda nessa discussão. A polícia usa pistola .40, ou 38 e 380 com munição com carga extra de pólvora, que dá um efeito diferente – o que é proibido para o cidadão civil.

Com o perdão do trocadilho deputado, curiosamente os senadores estão votando, neste momento, a medida provisória que financia o trem-bala...
(risos) Dinheiro pra botar no trem-bala, tem. Já pra botar na segurança...

Fonte: Congressoemfoco