domingo, abril 24, 2011

Longe do poder, à procura de holofotes


Jorge Silva/Reuters

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Personalidades

Longe do poder, à procura de holofotes

Entre trocas de farpas, os ex-presidentes Lula e Fernando Henrique Cardoso tentam se manter como protagonistas da política brasileira

Publicado em 24/04/2011 | André Gonçalves, correspondente

Brasília - Ao receber um exemplar do livro O Sapo e o Príncipe, há sete anos, o então presidente Lula logo fez um comentário sobre a foto da capa, na qual aparece distribuindo panfletos com Fernando Henrique Cardoso no ABC paulista em 1978. “Você vê, até aí eu que estava carregando os jornais e o Fernando Henrique não estava carregando nada”, brincou o petista sobre a imagem que retrata sua participação na campanha do tucano ao Senado. Em 2011, com ambos fora do poder, a gozação deu lugar a uma troca de farpas cada vez mais afiadas.

O recrudescimento da relação é nítido até para o jornalista Paulo Markun, autor da obra que traça um paralelo entre a trajetória do “sapo” Lula e do “príncipe” FHC (o título na verdade é inspirado na fábula O Sapo Príncipe, dos irmãos Grimm). À época do lançamento do livro, em 2004, ele costumava dizer que os dois eram mais próximos do que se podia imaginar e que sempre mantiveram uma certa amizade. Procura­­­do por e-mail para comentar as recentes discussões entre os dois ex-presidentes pela imprensa, Markun pediu para “ser incluído fora dessa” e justificou que “em briga de tubarão, sardinha só tem a perder”.

Andres Stapff/Reuters

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O operário

Antes da Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva foi líder sindical e deputado federal.

1945 – Nasce em Caetés, interior de Pernambuco.

1963 – Completa a formação técnica de torneiro-mecânico, em São Paulo.

1975 – É eleito presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema.

1979 – Comanda greve que paralisa fábricas em São Paulo.

1980 – É um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores.

1986 – É eleito deputado federal por São Paulo.

1989 – Candidata-se a presidente. No 2º turno, é apoiado pelo PSDB, mas perde para Fernando Collor.

1994 – Candidata-se a presidente. Fica em segundo, mas perde para FHC no primeiro turno.

1998 – Fica novamente em segundo na eleição para presidente e perde para FHC.

2002 – É eleito presidente, vencendo José Serra (PSDB) no segundo turno.

2006 – É reeleito após vencer Geraldo Alckmin (PSDB) no segundo turno.

O intelectual

Fernando Henrique Cardoso foi senador e ministro antes de assumir o Planalto.

1931 – Nasce no Rio de Janeiro.

1952 – Forma-se em Sociologia pela Universidade de São Paulo.

1978 – Concorre a senador em São Paulo, com o apoio de Lula, e é eleito suplente de Franco Montoro, pelo MDB.

1983 – Assume a vaga de senador pelo PMDB.

1985 – Disputa a prefeitura de São Paulo. Ficou em segundo lugar, perdendo para Jânio Quadros.

1986 – É reeleito senador pelo PMDB.

1988 – Ajuda a fundar o PSDB.

1992 – Assume o Ministério das Relações Exteriores no governo Itamar Franco.

1993 – É remanejado para o Ministério da Fazenda.

1994 – É eleito presidente no primeiro turno.

1998 – É reeleito presidente no primeiro turno.

O conflito entre os “peixes grandes” se acirrou há duas semanas, quando FHC escreveu um artigo para a revista Interesse Nacional dizendo que o PSDB precisava tirar o foco do “povão” e cortejar a nova classe média em ascendência no país. Um dia depois, Lula rebateu: “Since­­ramente não sei como é que alguém estuda tanto e depois quer esquecer o ‘povão’”. Na tréplica, o tucano afirmou que o comportamento do petista foi “desleal” e o desafiou a disputar uma nova eleição contra ele.

Amor e ódio

Para o doutor em ciências políticas pelo Instituto Tecnológico de Massachusets (MIT) Antônio Octávio Cintra, a relação de amor e ódio entre ex-presidentes começa nos anos 1970. “Tudo nasce na briga por espaço político em São Paulo, berço de PT e PSDB. Antes de os dois partidos serem fundados, os teóricos dos dois lados estavam pensando a esquerda brasileira juntos”, explica.

Em 1989, um ano depois da criação do PSDB, os tucanos apoiaram Lula contra Fernando Collor (então no PRN) no segundo turno da disputa presidencial. Em 1993, ambos os partidos começaram uma negociação para se coligarem no ano seguinte, mas o PT não quis se comprometer com o apoio ao Plano Real. FHC acabou candidato e venceu Lula logo no primeiro turno.

A dose se repetiu em 1998, mas os petistas viraram o jogo ao vencerem as três últimas eleições. “É uma história cheia de ironias”, diz o cientista político Bruno Wanderley Reis, da Uni­­versidade Federal de Minas Gerais. “Fernando Henrique foi o único presidente brasileiro eleito duas vezes com mais de 50% dos votos ainda no primeiro turno, mas há uma sensação real de que quem riu por último foi o Lula porque deixou o governo com uma popularidade enorme”, complementa.

Vaidosos

Reis opina que há uma enorme dose de vaidade nas discussões entre os dois e que a tendência é que os ataques mútuos ganhem cada vez menos atenção. Segundo ele, ambos têm personalidades marcantes, recheadas de defeitos. FHC, na visão de Reis, é “ambivalente” – meio sociólogo, meio político – enquanto Lula é só político.

“Com um português corretíssimo, Fernando Henrique é capaz de posar de sociólogo e cometer uma enorme gafe política como foi essa história do ‘povão’. Já o Lula comete uma série de gafes gramaticais, mas tem menos er­­­ros políticos.” Para ele, o tamanho do ego é a diferença básica en­­­tre os dois ex-presidentes e Dilma Rousseff.

O cientista político Antonio Flávio Testa, da Universidade de Brasília, discorda da teoria de que Lula e FHC tendem a cair no ostracismo. “Lula vai se manter na política tentando controlar o PT”, avalia. Na última terça-feira, o petista começou a participar de reuniões da legenda para definir as estratégias para as eleições municipais de 2012.

Em resumo, pregou que o partido precisa conquistar a classe C e buscar aliados em partidos de centro e direita, como ele próprio fez em 2002, quando escolheu o empresário José Alencar como vice. “É quase a mesma coisa que disse o Fernando Henrique para o PSDB”, aponta Testa. “Eles podem até não se enfrentar pessoalmente numa eleição, mas vão continuar sendo influentes.”

Fonte: Gazeta do Povo