sexta-feira, março 25, 2011

Apesar da decisão do STF, Ficha Limpa ainda pode ser contestada


José Cruz/ABr

José Cruz/ABr / Plenário do Supremo durante a análise da validade da Ficha Limpa: ministros podem enfrentar outros questionamentos sobre a constitucionalidade da lei Plenário do Supremo durante a análise da validade da Ficha Limpa: ministros podem enfrentar outros questionamentos sobre a constitucionalidade da lei
Justiça

Apesar da decisão do STF, Ficha Limpa ainda pode ser contestada

Para especialistas, uma das dúvidas é se as normas previstas na lei podem levar em conta condenações anteriores à data de sua entrada em vigor

Publicado em 25/03/2011 | Euclides Lucas Garcia com agências

As polêmicas em torno da Lei da Ficha Limpa, criada com o propósito de se tornar uma barreira imediata aos candidatos com condenação judicial, não se encerraram com a decisão de quarta-feira do Supremo Tribunal Federal (STF) de que a medida só terá efeito a partir das eleições de 2012. Segundo especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, vários outros pontos da lei ainda devem ter a constitucionalidade questionada no STF. Entre eles, se as normas previstas na lei podem ou não levar em conta condenações anteriores à data de sua entrada em vigor. Outro questionamento é quanto à previsão de inelegibilidade para pessoas condenadas por órgãos colegiados (mais de um juiz) e não apenas nas decisões em que não haja mais possibilidade de recursos.

O STF interpretou, por seis votos a cinco, que o texto da Ficha Limpa fere o artigo 16 da Cons­tituição, o qual estipula que mu­dan­ças na legislação eleitoral só têm eficácia se forem promulgadas um ano antes do pleito. Dessa forma, como a lei entrou em vigor em 4 de junho de 2010 – apenas quatro meses das eleições –, o entendimento do Supremo foi que a medida terá validade somente a partir das eleições de 2012.

“Fraqueza”do Legislativo faz com que Judiciário interfira na política

z A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) a respeito da Lei da Ficha Limpa trouxe à tona novamente a discussão em torno da judicialização da política – isto é, quando os tribunais afetam de modo determinante as condições do mundo político. Na opinião de especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, a falta de protagonismo do Poder Legislativo e a democracia brasileira ainda em construção contribuem para que o Judiciário interfira tanto na política nacional.

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Mais obstáculos

Apesar de o STF já ter decidido que a Lei da Ficha Limpa só terá efeito a partir das eleições municipais de 2012, especialistas apontam uma série de outros pontos da lei que ainda podem ter sua constitucionalidade questionada na Justiça. Veja os principais:

Tramitação no Congresso

Uma emenda do senador Francisco Dornelles (PP-RJ) substituiu a expressão “tenham sido” por “que forem” em relação às condenações que seriam abarcadas pela lei. Apesar de os congressistas terem considerado a alteração apenas uma mudança de redação, há quem defenda que a modificação foi substancial. Dessa forma, o projeto teria de voltar à Câmara e não ter seguido direto para sanção presidencial.

Retroatividade da lei

Especialistas divergem se a lei vale para condenações anteriores à data em que entrou em vigor ou para toda e qualquer condenação, independentemente do tempo. Os que defendem a primeira hipótese afirmam que a Constituição garante os direitos políticos àqueles que solicitaram registro de candidatura antes de condenação judicial. Os outros, porém, dizem que o passado do candidato pode sim pesar na sua elegibilidade, com base na legislação eleitoral e na própria Constituição.

Condenação por órgão colegiado

Apesar de a lei prever a inelegibilidade para pessoas condenadas por decisão de um órgão colegiado (mais de um juiz), especialistas entendem que não se pode cercear o direito individual de cada um de ser candidato enquanto não se esgotarem todos as possibilidade de recursos judiciais.

Fonte: Redação.

Imbróglio jurídico

Mesmo com a decisão anterior do Supremo, Jader pode assumir

Ag. Câmara

Um caso que deve gerar polêmica após a decisão da última quarta-feira do STF é o de Jader Barbalho (PMDB). Segundo colocado na eleição para o Senado no Pará em 2010, o peemedebista teve o registro de candidatura negado com base na Lei da Ficha Limpa, por ter renunciado ao mandato de senador, em 2001, para evitar um processo de cassação. Tanto o TRE do Pará quanto o TSE negaram o registro a Barbalho, que, então, recorreu ao Supremo. No dia 27 de outubro, entretanto, os ministros do STF mantiveram a decisão do TSE, após o julgamento ter terminado empatado em cinco a cinco.

Agora, com o entendimento do Supremo de que a Ficha Limpa só vale a partir das eleições municipais de 2012, Barbalho poderá entrar com um recurso para o STF rever sua decisão anterior e, assim, assumir o mandato. Mas há um impasse jurídico pela frente: o Supremo, que já julgou Barbalho em última instância, pode reverter um julgamento anterior? “O povo do Pará já havia feito justiça nas urnas. Agora, o Supremo fez a justiça de mostrar que a Constituição tem de ser respeitada”, disse o peemedebista. Atual ocupante da vaga de Barbalho, a senadora Marinor Brito (PSol-PA) afirmou que vai tentar dificultar a posse do peemedebista e de todos os demais fichas-sujas beneficiados pela decisão do STF. (ELG)

Entretanto, como a lei foi usada para barrar centenas de candidatos na disputa eleitoral do ano passado, criou-se uma situação em que políticos que concorreram sub judice sejam agora empossados, alterando a configuração do Con­­­gresso (veja matéria ao lado). Isso porque a decisão do STF se aplicará a 60 recursos que questionam a aplicabilidade da Ficha Limpa nas eleições de 2010. Eventualmente, só poderão assumir o mandato aqueles que já tiverem recursos tramitando na Justiça.

Essa insegurança jurídica vivida nas últimas eleições deve marcar a aplicação da Ficha Limpa também no próximo pleito, de acordo com especialistas consultados pela Gazeta. Uma dessas polêmicas envolve a validade ou não da lei nas condenações anteriores à data em que ela entrou em vigor.

Para Carlos Luiz Strapazzon, professor de Direitos Fundamen­­­tais da Universidade do Oeste de Santa Catarina, o entendimento do Supremo já de­­­monstra que, nos casos que vierem a ser julgados, não valerá a retroatividade. “A meu ver, o STF colocou um ponto final nessa discussão. De que não se pode causar nenhum dano aos direitos políticos daqueles que solicitaram registro de candidatura antes da decisão do Supremo.”

A opinião é compartilhada pelo advogado Flávio Pansieri, presidente da Academia Brasileira de Direito Constitucional. Para ele, em nenhum Estado Democrático de Direito seria possível aplicar uma lei de forma retroativa, conforme o julgamento do STF.

Já o professor de Direito Cons­­­titucional da PUC-SP Luiz Tarcísio Ferreira defende que o passado do candidato pode pesar para a inelegibilidade na disputa eleitoral, como uma espécie de pré-requisito. “De um modo geral, a Constitui­­­ção e a legislação eleitoral apontam nesse sentido”, garante.

Um dos argumentos contra essa tese, porém, está na alteração promovida por uma emenda do senador Francisco Dornelles (PP-RJ) ao texto original da Ficha Limpa, que substituiu a expressão “tenham sido” por “que forem” em relação às condenações que seriam abarcadas pela lei. Para Ferreira, inclusive, esse sim é um ponto que pode ter tornado a lei inconstitucional. “O trâmite correto, a partir da aprovação da emenda, seria devolver o texto à Câmara e não tê-lo enviado direto para sanção, uma vez que houve uma alteração no alcance da lei e não apenas de redação”, alerta.

Ontem, o ministro Ricardo Lewandowski, que também é presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), reforçou a tese defendida pelos especialistas ouvidos pela reportagem. Ele esclareceu que a única conclusão do julgamento de quarta-feira é de que a Lei da Ficha Limpa não tem validade para 2010. Sobre o futuro, “não tem nada seguro”, segundo o ministro. “Essa foi a única decisão tomada. O Supremo não se pronunciou sobre a constitucionalidade da lei. Formalmente, a lei está em vigor e se aplicará às eleições de 2012. Mas não significa que ela esteja imune a futuros questionamentos”, afirmou

De acordo com o ministro, não há prazo para recontagem dos votos e nova proclamação dos eleitos. “Cada processo tem seu andamento diferenciado. Então, cada ministro examinará caso a caso e, inclusive, verificará se o caso daquele recurso se enquadra ou não na Ficha Limpa. Portanto, é um processo que demorará certo tempo, não será imediato.”

Presunção de inocência

Outra inconstitucionalidade apontada na lei estaria na previsão de inelegibilidade a candidatos condenados por mais de um juiz. Na visão dos especialistas, não se pode restringir os direitos de qualquer cidadão sem que todas as possibilidades de recursos judiciais tenham se esgotado.

Fonte: Gazeta do Povo