Vida Pública
Quinta-feira, 26/08/2010
Antonio More / Gazeta do Povo
“O Paraná, assim como vários outros lugares, é um estado com irregularidades muito grandes, decorridas dessa atuação paternalista dos tribunais"TJ do Paraná precisa de “choque de gestão”, diz Dipp
Gilson Dipp, corregedor do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)
Publicado em 26/08/2010 | Euclides Lucas GarciaDe passagem por Curitiba para participar de uma palestra promovida pela seção paranaense da OAB, Dipp rebateu críticas à atuação do CNJ e as atribuiu a “quem tem de esconder alguma coisa”. Considerado o maior responsável por fazer valer a função do conselho de fiscalizar o Judiciário do país – que, antes, só estava no papel –, ele disse que deixa a função sabendo que a postura atual da entidade “é um caminho sem volta”. No lugar de Dipp, assumirá a corregedoria do CNJ a ministra Eliana Calmon, do Superior Tribunal de Justiça.
Como o senhor analisa o grande número de irregularidades no TJ-PR?
Nos causou surpresa por se tratar de um estado rico e desenvolvido. Esperávamos mais. Verificamos que há práticas consolidadas de pagamentos irregulares que já estavam inseridos no patrimônio dos servidores, problemas de gestão e em licitações. De fato, o TJ paranaense está entre os piores do Brasil, atrás, inclusive, de estados mais pobres do Nordeste. É preciso um choque de gestão e planejamento estratégico. Em primeiro lugar, as determinações [do CNJ para corrigir essas falhas] têm de ser cumpridas. Em segundo lugar, deve haver uma mudança de mentalidade, saber que um cargo de direção não é bônus de fim de carreira, mas um ônus do administrador, que terá de prestar contas. O Judiciário tem de estar voltado para políticas publicas; tem de pensar menos nas careiras e nas garantias da magistratura e mais nos serviços que pode prestar à população.
E o TJ-PR vem cumprindo as 113 determinações do CNJ?
O presidente do TJ-PR tem nos mandado informações a respeito de todas as determinações; tem dito o que está fazendo, o que vai fazer e em que pé estão os fatos. Nós estamos acompanhando isso, mas o que queremos é que o tribunal cumpra essas determinações não para prestar contas ao CNJ, mas ao cidadão – a quem deve os seus serviços – e a si próprio – como órgão encarregado de administrar a Justiça no estado. O TJ tem de se conscientizar que esses problemas precisam ser solucionados pelo próprio tribunal, que tem o dever de transparência.
O presidente do TJ-PR, desembargador Celso Rotoli de Macedo, reclamou que o CNJ teve oito meses para elaborar o relatório sobre a visita ao Judiciário do estado, enquanto o TJ teve apenas 30 dias para responder a boa parte das determinações.
Quando nós fizemos a inspeção, ela não se referiu apenas a processos, a atuação dos juízes, mas a todo o departamento pessoal, a todas as rubricas de pagamento, a cargos de confiança, a nepotismo, licitações, contratos. Nas audiências públicas, recolhemos todas as reclamações e cada uma delas tornou-se um procedimento que teve de ser juntado num relatório único. O CNJ não é uma máquina com 3 mil funcionários, nós temos apenas 85. Vamos fazer um relatório dessa importância e com tantas deficiências em dois meses? Os erros já existem há quanto tempo? Eles são novidade para o tribunal? Se nós levamos tanto tempo para fazer o relatório, é porque tinha muita coisa a ser relatada.
E quanto aos problemas em cerca de 350 cartórios paranaenses que foram declarados vagos porque os responsáveis não assumiram por meio de concurso público?
O CNJ determinou essa medida após fazer uma radiografia do caos do sistema cartorário no Brasil, no qual há a delegação de um serviço público a um particular e que estava sendo exercido de maneira não controlada pelos tribunais. O Paraná, assim como vários outros lugares, é um estado com irregularidades muito grandes, decorridas dessa atuação paternalista dos tribunais. Os inconformados têm todo o direito de recorrer da decisão.
Como o senhor recebe as críticas, principalmente de magistrados, à sua atuação?
É evidente que algumas reações aconteceriam, visto que alguns tribunais eram compostos por barões, duques, fidalgos e um rei que é o presidente; por pessoas que nunca foram fiscalizadas, que nunca prestaram contas e, agora, tiveram que prestar contas à sociedade. Claro que essa reação era natural, em alguns casos de cunho eminentemente corporativo. Agora, quem reage é porque tem de esconder alguma coisa.
Qual o seu sentimento ao deixar a corregedoria do CNJ?
Com muita satisfação, pelo avanço inimaginável que o Judiciário teve nos últimos anos. Um pouco frustrado por não ter podido realizar todas as aspirações da população e, também, um pouco surpreso porque as irregularidades não foram tão pequenas e pontuais como imaginei. Mas isso que o CNJ está fazendo é um caminho sem volta.