Luiz Holanda
Diferentemente dos países civilizados, onde a lei protege a sociedade dos maus elementos, o Brasil adotou em seu código penal uma lei inglesa do começo do século, instituindo o habeas corpus de forma bastante elástica. Por meio do “tenha teu corpo de volta”, nossos juízes e tribunais concedem liberdade a qualquer criminoso, por mais perigoso que seja, vulgarizando de tal modo o instituto que a única consequência estatisticamente comprovada é o aumento da criminalidade.
Com uma petição assinada por advogado e o pagamento de uma insignificante fiança, qualquer bandido pode aguardar livremente o seu julgamento, que pode até não acontecer, face a lentidão de nossa Justiça. A Constituição pátria determina que ninguém deva ser levado à prisão - ou nela mantido-, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança. Esse direito fundamental passou a ser a garantia do criminoso, pois mesmo quando a segurança pública impõe sua detenção, isso não acontece.
A impetração do remédio constitucional, garantidor da liberdade individual, passou a ser utilizado de forma abusiva, com desvio de sua finalidade jurídico-constitucional, descaracterizando sua exclusiva vocação de proteção da liberdade individual. Os institutos jurídicos, tal qual ocorre com os conceitos e significados, têm o seu ciclo natural de apogeu, glória e decadência. Por isso, ao não se estruturarem com seriedade sistemática os remédios constitucionais garantidores da liberdade, sua aplicação sem critérios tende a fazer com que esses próprios institutos percam a sua eficácia, pois passam a servir de escudo protetor dos criminosos, como atualmente acontece.
Outra garantia que terminou por ser protegida pela lei e pela Justiça é a da impunidade, principalmente daqueles privilegiados que não podem ser julgados nem condenados por juízes comuns. O debate sobre esse tema já dura algumas décadas, muito embora a sociedade continue desprotegida até hoje, principalmente dos vândalos, que, em seu nome, exercem o poder com a única finalidade de privatizar o dinheiro público em seu próprio proveito. Qualquer pessoa interessada em nossa história sabe que a política deste país foi construída em cima de alguns pilares, sendo, o primeiro deles, a corrupção nas eleições.
Segundo o grande juiz, Victor Nunes Leal, essa praga sempre esteve inteiramente ligada à nossa política desde o império, enquanto o pilar da democracia americana, desde a ruptura das treze colônias com a Inglaterra, sempre foi e ainda é tolerância zero com a criminalidade. Lá não se adota o sistema de foro privilegiado, enquanto entre nós, desde a Constituição de 1891, o ciclo só tem aumentado.
Quando nossos midiáticos ministros, integrantes do Poder Judiciário, se apresentam diante das câmeras de televisão para apregoar que a impunidade é apenas um preço módico que devemos pagar por vivermos numa democracia, os criminosos se sentem seguros para continuar praticando todos os delitos, pois, confiando nessa garantia, ousam desafiar, cotidianamente, a ordem pública e o regime democrático.
Quando se pensava que a saída do ministro Gilmar Mendes da presidência do STF poderia modificar alguma coisa, eis que o corporativismo daquela corte impediu e impede qualquer mudança que possa diminuir ou mesmo ameaçar os privilégios de suas excelências, pois obrigaria os outros poderes a fazerem a mesma coisa. Ao copiarmos da Constituição italiana o artigo da presunção da não culpabilidade, nossa Magna Carta limitou-se a negar a culpa, e não a presunção de inocência. Com isso abriram-se as brechas para se escapar de qualquer punição, seja de que lei for. Para agravar a situação, nossos juízes também são privilegiados com a impunidade.
Vários deles, corruptos notórios, foram privilegiados com a aposentadoria integral por terem sujado a própria instituição, enquanto os magistrados honestos, probos e íntegros são obrigados a trabalhar até o final da vida para se aposentarem. Isso, segundo alguns dos nossos ministros do STF, é o preço módico que pagamos por viver numa democracia.
Fonte: Tribuna da Bahia