terça-feira, junho 22, 2010

As regras eleitorais e a Lei da Gravidade

“As regras eleitorais brasileiras são mais um exemplo desse furor legiferante brasileiro. Por conta dele, há esse fenômeno tão tipicamente nacional quanto a jabuticaba da lei que pega e da lei que não pega. É que o legislador brasileiro parece não ter entendido que aquela história de revogar a Lei da Gravidade era uma piada”

O PSDB faz a sua propaganda de rádio e TV. E José Serra comanda o espetáculo. É ele o tempo todo, dando soluções para resolver os problemas brasileiros. É a sua biografia, como era pobre, como tinha que ajudar seu pai na barraca de frutas e legumes no mercado, como deu duro para vencer na vida. Enfim, Serra, Serra e Serra.

Antes, o programa do DEM também já tinha sido assim. Serra. A melhor solução para o país. Por que Serra. Serra.

Alguma diferença do programa do PT com Dilma? Só o fato de que, no programa do PT, havia a presença de um segundo personagem, mais popular e carismático do que ela: Lula. Lula pedindo votos para Dilma. E, aí, Dilma, Dilma e Dilma.

Quando houve o programa nacional do PV foi diferente? Foi Marina. Sua biografia. Sua dura vida nos seringais. O esforço que teve de fazer para estudar e vencer na vida. Marina, Marina e Marina.

O PSDB queixou-se. O TSE multou o PT, o presidente Lula e Dilma. O PT queixou-se. O TSE multou o PSDB. Ninguém reclamou de Marina, talvez porque os adversários não a julguem como uma ameaça concreta. Ela seguiu tranquila, embora o PV tenha feito o mesmo dos demais.

Parece haver alguma coisa de muito errada numa lei que todo mundo desrespeita. Diz a legislação eleitoral que, neste momento, ainda não estamos em campanha. Os programas partidários deveriam ser usados apenas para a divulgação das ideias e propostas de cada legenda, não como palco de apresentação dos nomes que escolheram para as eleições. Para isso, diz a legislação, existe o período de campanha de rádio e TV estabelecido no calendário: a partir do dia 17 de agosto, curtíssimos 47 dias até o primeiro turno da eleição.

As regras eleitorais brasileiras são mais um exemplo desse furor legiferante brasileiro. Por conta dele, há esse fenômeno tão tipicamente nacional quanto a jabuticaba da lei que pega e da lei que não pega. É que o legislador brasileiro parece não ter entendido que aquela história de revogar a Lei da Gravidade era uma piada. O nosso legislador acha que pode revogar a Lei da Gravidade. E vive criando normas que ferem o bom senso ou a realidade.

Quando Lula escolheu Dilma Rousseff como sua sucessora no início do ano passado, estabeleceu ali o início da campanha. Desconhecida, sem traquejo político, sem as horas de voo dos adversários, Dilma tinha que ser exposta, apresentada ao eleitorado. E assim fez Lula. E assim antecipou-se a eleição. Uma situação que não convinha a Serra, que segurou enquanto pode o começo da sua campanha. Mas, estabelecido o quadro, com Dilma aproximando-se, ele também teve que ir à luta. E Marina, que largava atrás, precisava expor-se também para recuperar o terreno perdido.

Assim, vivemos o clima eleitoral. Se toda a discussão política gira já há alguma tempo em torno da disputa pela sucessão de Lula, por que se imaginar uma falsa realidade, na qual os partidos deveriam valer-se de seus espaços na TV para discutir ideias e programas que, como sabemos, eles sequer têm? Se a eleição presidencial é o grande momento da democracia, por que se imaginar que a sua discussão nos principais meios de comunicação deve ficar restrita a meros 47 dias? Para que obrigar eufemismos tolos, como pré-candidatura se tudo já está definido?

Essa redução do tempo de campanha iniciou-se no governo Fernando Henrique Cardoso, no que muitos interpretaram como uma clara vantagem para quem pretendia reeleger-se ou para a eleição do candidato da situação. Claro, por diversas razões, o governo garante normalmente a sua visibilidade. E, quanto mais próxima da eleição, qualquer ação de governo vai ganhando viés mais eleitoral.

Para o eleitor, nenhuma vantagem. Se todos cumprissem as regras – o que não fazem – o prejuízo seria a menor quantidade de informação para definir o voto. Com a regra descumprida – como todos têm feito – o prejuízo vem da desmoralização da norma e do festival de cinismo das mútuas manifestações de indignação contra o adversário. Não é à toa que muitos juristas já têm pregado o fim dessas regras restritivas.
Fonte: Congressoemfoco