domingo, maio 30, 2010

A inexorável reação do Trabalho

Carlos Chagas

Faz um mês que transcorreu o Dia do Trabalho. Comprova-se não ter havido o que comemorar. Pelo contrário, só a lamentar. O Trabalho, com “T” maiúsculo, anda em baixa no mundo inteiro. Mesmo com o neoliberalismo fazendo água, prevalece a evidência de não poder perpetuar-se a execrável relação do Trabalho com o Capital. O aumento da população mundial é apenas um dos fatores da humilhação da mão de obra humana. Tem gente demais e emprego de menos, no planeta, por enquanto levando as massas à acomodação, já que encontrar trabalho remunerado a preço vil é melhor do que ficar desempregado. E haja desemprego nos cinco continentes, inclusive nos países ricos.

Tome-se a China, com um bilhão e trezentos milhões de habitantes, onde a média dos salários não passa dos 25 dólares mensais. Registre-se que lá, por força do regime vigente, ninguém passa fome, nem mora na rua. O que os chineses ganham dá para sobreviver. Além do que, encontra-se garantida a educação para todos. A saúde, também. Mesmo assim, o Capital internacional invadiu a China, alimentado pelos baixos salários e pela excelente qualidade do trabalhador urbano. O tal milagre chinês tem suas contradições, porque só as minorias conseguem receber migalhas do banquete da especulação internacional. Por enquanto, melhor isso do que nada.

A gente se pergunta se o Trabalho encontra-se definitivamente condenado, arcabuzado de todos os lados, inclusive pelo avanço da tecnologia que substitui o homem pela máquina. Não adianta estrilar, é claro, as coisas são assim. Por enquanto.

O resultado inicial dessa venenosa equação está na redução dos chamados direitos trabalhistas, nas nações onde existiam. Suprimem-se ou são reduzidas ao máximo prerrogativas como estabilidade no emprego, pagamento de horas extraordinárias, indenizações por demissões imotivadas, décimo-terceiro salário, férias remuneradas e outras conquistas. O salário mínimo, aviltado, na prática desapareceu, assim como a jornada de oito horas. Seguindo o processo nesse rumo, breve se reinstituirá o emprego sem salário, o Trabalho em troca de alimentação e vestuário. Numa palavra, de volta a escravidão, mesmo maquiada. O fim do que sobrou da dignidade do trabalhador.

A gente se pergunta se para a Humanidade esse é um caminho sem volta, independentemente de regimes políticos e de ideologias. Ainda mais porque as minorias detentoras do Capital beneficiam-se cada vez mais e enganam as maiorias com a mentira de que todos poderão chegar onde só uns poucos chegam, bastando apelar para a livre competição.

A vida, porém, é bem mais fascinante e surpreendente do que qualquer conclusão elitista dita definitiva. A humilhação do Trabalho tem seu preço, que acabará sendo pago por todos, a começar pelo Capital.

A multiplicação do número dos humilhados movimentará as correias do passado e os chips do presente no rumo de mudanças profundas no futuro. Porque se o Trabalho e o trabalhador não tiverem mais nada a perder, um barbudo já escreveu quase dois séculos atrás, acabarão tendo um mundo a ganhar. Mesmo que para isso precisem destruir o atual. Depende deles, trabalhador e Trabalho, por maiores que sejam os instrumentos à disposição do Capital. A questão se torna aritmética, bastando somar.

Tempo ainda existe, em termos planetários e até nacionais, para evitar a ruptura e a explosão. Mudar a correlação de forças entre Capital e Trabalho seria solução, como demonstraram as eleições de 2002, entre nós. Se quem prometeu mudar curvou-se às imposições ou aderiu às benesses e privilégios daqueles que insistem em manter humilhado o Trabalho e submisso o trabalhador, é outra história, ainda capaz de ser corrigida pelas urnas. Ou, no reverso da medalha, pela força incoercível dos trabalhadores e do Trabalho.

Exemplos começam a pipocar em todos os quadrantes, uns confiando nos instrumentos democráticos do voto, outros lançando mão da própria força. É esse o fantasma, aliás, o mesmo de outros tempos, que volta a pairar sobre a Humanidade.

O vaticínio de Vargas

Ao empossar-se pela segunda vez no governo, em janeiro de 1951, Getúlio Vargas abandonou as vetustas instalações do palácio Tiradentes e dirigiu-se à massa postada do lado de fora, num dos mais profundos pronunciamentos da época. Em dado momento, falou aos trabalhadores: “Hoje, estais no governo. Amanhã, sereis o governo.”

Sessenta anos depois, será que a experiência deu certo?

Fonte: Tribuna da Imprenas