sexta-feira, maio 28, 2010

Disputa pelo controle da polícia

Elza Fiuza/ABr / “A polícia investiga, o Ministério Público acusa,  a advocacia defende e o juiz julga. Quebrar essa lógica é desequilibrar  por inteiro o processo.” Ophir Cavalcante, presidente nacional da OAB,  que apoia o projeto “A polícia investiga, o Ministério Público acusa, a advocacia defende e o juiz julga. Quebrar essa lógica é desequilibrar por inteiro o processo.” Ophir Cavalcante, presidente nacional da OAB, que apoia o projeto emenda constitucional


Proposta que cria o Conselho Nacional de Polícia causa polêmica ao retirar o poder de fiscalização do Ministério Público sobre a ação das forças policiais

Publicado em 28/05/2010 | Mauri König, com agências

A criação do Conselho Nacional de Polícia, em análise no Congres­so, pode mudar a forma como se fiscaliza a ação policial no país. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) põe fim ao controle externo da polícia, hoje uma in­­cumbência do Ministério Público (MP) prevista no inciso 7 do artigo 129 da Constituição Federal. Pelo projeto, a tarefa passaria para um colegiado formado em sua maioria por delegados. Caberá ao novo órgão apurar denúncias contra policiais, abrir processos disciplinares e editar atos que regulamentam a atividade. Os defensores da emenda alegam que a fiscalização aumentará. Mas o argumento não convence os críticos. Para eles, a mudança aumenta o risco de impunidade.

O cabo de guerra põe de um lado os policiais e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), e de outro os integrantes do MP e da Associação Nacional dos Procuradores da República. O presidente da Associação dos Dele­gados de Polícia do Brasil (Adepol), Carlos Eduardo Benito Jorge, diz que a fiscalização a ser feita pelo conselho será mais abrangente porque contará com representantes da sociedade. “A proposta não extingue, mas amplia o controle”, diz. Ele não acredita que o conselho seja corporativista só por ser formado na maioria por delegados. “Hoje o que o Ministério Público tenta fazer é uma subordinação das polícias”, diz. Já o presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, César Mattar Júnior, afirma que a mudança aumentará os casos de impunidade porque a polícia não aceita se submeter ao controle de ninguém.

Laycer Tomas/Câmara Federal

Laycer Tomas/Câmara Federal / “Estão dizendo que não vai  funcionar. Será então que o conselho do Ministério Público também não  funciona?” Deputado Régis de Oliveira (PSC-SP), autor da proposta Ampliar imagem

“Estão dizendo que não vai funcionar. Será então que o conselho do Ministério Público também não funciona?” Deputado Régis de Oliveira (PSC-SP), autor da proposta

Longo trâmite

A PEC que cria o Conselho Nacional de Polícia venceu apenas a primeira etapa das muitas pelas quais terá de passar até a aprovação. Veja os passos.

Na Câmara

1) Análise na Comissão de Constituição, Justiça (CCJ) para admissibilidade, cinco sessões;

2) Segue para Comissão Especial, até 40 sessões, podendo ser emendada nas dez primeiras;

3) Vai a votação no plenário em dois turnos de votação, com intervalo de cinco sessões entre um turno e outro;

No Senado

1) CCJ para admissibilidade, até 30 dias;

2) Plenário para discussão e emendas, por cinco sessões;

3) Com emenda, retorna à CCJ, por mais até 30 dias para parecer sobre as emendas. Sem emenda, votam-se os dois turnos, com intervalo de cinco sessões entre um e outro.

Se aprovada no Senado

1) Sem modificação, o texto é promulgado e segue para sanção do presidente;

2) Com emenda ou substitutivo, retorna à Câmara, onde o substitutivo percorrerá todo o processo anterior;

3) Se, no retorno, for aprovado sem emenda, a matéria é promulgada pelo Congresso. Se a Câmara não concordar com as mudanças feitas no Senado, a matéria fica indo e vindo até um dia as duas casas se entenderem.

Autor da PEC, o deputado Régis de Oliveira (PSC-SP) afirma que o conselho vai não só ampliar o controle, mas também reprimir os abusos dos delegados de polícia. Na proposta, ele seguiu o modelo do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público. “Estão dizendo que não vai funcionar. Será então que o conselho do Ministério Público também não funciona?”, questiona o presidente da Adepol.

Outro ponto polêmico da PEC é o fato de que ela retira dos governadores o poder sobre as polícias. Segundo o deputado Flávio Dino (PCdoB-MA), a Constituição atribui aos estados o controle sobre as forças policiais. Por isso, a emenda pode ser considerada inconstitucional.

Pela proposta, o conselho será formado por 17 integrantes, dez deles delegados, dois representantes do Judiciário, um do MP, dois advogados e dois cidadãos de notável saber jurídico.

Equilíbrio no processo

O presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante, aprova o projeto. Para ele, a PEC que cria o Con­selho Nacional de Polícia equilibra o trâmite do processo e propicia condições ideais para que cada instituição exerça melhor o seu papel. “Cada um tem uma função: a polícia investiga, o Ministério Público acusa, a advocacia defende e o juiz julga. Quebrar essa lógica é desequilibrar por inteiro o processo”, diz.

O controle externo da polícia pelo Ministério Público está previsto na Constituição, mas, na avaliação de Ophir, os promotores não conseguiam exercê-lo como deveriam. E quando tentaram fazê-lo, segundo ele, verificou-se que isso seria algo danoso, uma vez que o MP, sendo parte no processo, não poderia ser também o ente a produzir as provas. Foi para atacar esse desequilíbrio que a OAB ajuizou no Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucio­nalidade (Adin) 4.220, que aguarda julgamento.

Câmara

A admissibilidade da emenda foi aprovada pela Comissão de Cons­tituição e Justiça (CCJ) da Câmara Federal na última quarta-feira. Mas a PEC ainda terá de passar por uma comissão especial antes de ir a plenário. A análise da emenda gerou discussões acaloradas. Em uma sala tomada por delegados que pressionavam pela aprovação, o deputado Marcelo Itagiba (PSDB-RJ), delegado da Polícia Federal, investiu aos gritos contra o deputado José Genoino (PT-SP), contrário à PEC, mandando-o calar a boca.

Fonte: Gazeta do Povo