terça-feira, março 09, 2010

O 'crack' é causa ou consequência da violência?


O governo da Bahia lançou uma campanha visando combater o uso do crack que tem como mote a informação de que 80% dos homicídios no Estado estão relacionados ao crack. Segundo os idealizadores da campanha, “o crack é a principal causa da violência na Bahia.” Leia mais...
Tenho a impressão, depois de quase 20 anos de magistratura e no contato pessoal com jovens usuários do crack, que campanhas nesses moldes são absolutamente inócuas e servem apenas para o poder público justificar seus gastos com propaganda e para a polícia justificar a violência contra jovens negros e pobres da periferia, como tem acontecido repetidamente na Bahia.
A melhor campanha para evitar o alastramento do crack, que já é um problema de saúde pública também no interior do Estado, deve começar como uma grande interrogação pintada em painéis e outdoors e discutida com a sociedade: por quê?
Assim, conhecendo a realidade sem sentido e sem perspectivas dos jovens das periferias, a sociedade vai compreender que o uso do crack não é a causa da violência, mas exatamente o contrário: é a consequência de um modelo de sociedade excludente, preconceituoso, discriminador, consumista e da absoluta falta de políticas públicas voltadas para o oferecimento de oportunidades e perspectivas para os milhões de jovens desse país nascidos nas condições de abandono dos morros, favelas e periferias.
Enquanto o poder público continuar pensando que o crack é “a principal causa da violência” e continuar idealizando campanhas publicitárias desse tipo, e enquanto a sociedade permanecer inerte, infelizmente, podemos ter a certeza de que a situação vai se agravar mais ainda. O Judiciário vai continuar apenas julgando e condenando jovens pobres e negros, a polícia continuará matando esses jovens e as agências de propaganda vão continuar engordando suas contas correntes. A sociedade, abobalhada, continuará fazendo orçamentos para implantar cerca elétrica em suas residências e instalar sistemas de alarmes e, para quem pode, blindar o carro.