Virgílio Malta
“Jornalista, o senhor falou uma coisa que me interessa muito. O Estado Novo, e os governadores que traíram a democracia. Isso foi há 73 anos, vou completar 40, gostaria de saber”.
Comentário de Helio Fernandes
Naquela época existiam 21 estados e Distrito Federal, que tinha prefeito nomeado. Negrão de Lima visitou todos os estados, “falo em nome do presidente Vargas, que gostaria do seu apoio para poder implantar a grande renovação que este país espera”.
O primeiro a recusar, imediatamente, foi Lima Cavalcanti, governador de Pernambuco. Disse ao pombo-correio: “Nem admito conversar, o senhor, por favor, se retire”. No dia seguinte viajou para a Europa, só voltou em 1945, quando a ditadura foi derrubada, acabou esse Estado Novo. (Identificado pelo Barão de Itararé, assim: “Esse é o estado a que chegamos”).
O segundo, Flores da Cunha, amicíssimo de Vargas, governador do Rio Grande do Sul. Recusou, disse a Negrão, “mobilizarei os provisórios”. (Era a tropa militar do governador). Getulio mandou prendê-lo, Flores se exilou no Uruguai. Processado, à revelia, foi condenado a 2 anos de prisão.
Implantado o Estado Novo, Vargas mandou um emissário ao Uruguai, dizer a Flores que “podia voltar, está tudo esquecido”. Acreditou, voltou, foi preso imediatamente, cumpriu os 2 anos na Ilha Grande. Apesar de tudo, fez uma bela carreira.
O aventureiro Juracy Magalhães, governador da Bahia, recebeu Negrão, e disse: “Vou ao Rio conversar pessoalmente com o presidente Vargas”. Foi, disse a ele: “Presidente, deixarei o governo, mas não criarei o menor problema para o senhor”.
Não demorou muito, o “fingimento” de democrata acabou, foi nomeado por Vargas para vários cargos.
E ainda durou para ser Ministro, embaixador e novamente Ministro, na ditadura de 1964. Ele, o próprio Negrão e o Almirante Amaral Peixoto, são as “três maiores biografias da História do Brasil”. Descubram qualquer cargo, aqui ou no exterior, todos os três ocuparam.
Juracy além de tudo chegou a general, Amaral a almirante. Negrão era civil.
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PS – Esses fatos históricos e rigorosamente verdadeiros, deixam claro e de forma irrefutável: ter servido à ditadura (e muitos serviram a duas) não elimina ninguém, os ditadores, os subalternos, cúmplices, submissos e aproveitadores enriquecidos.
PS2 – Os que viveram, permanecem debaixo dos holofotes, na ponte ou no horizonte do Poder.
PS3 – Os que morreram, nomes de cidades, de avenidas, de pontes, reverenciados e endeusados. Essa forma de “eternizar” os ditadores do passado, é que estimula os ditadores do amanhã. Um amanhã que tem tudo para estar bem próximo, por causa do tempo, da biografia e da convicção ditatorial de quase todos.
PS4 – Que “pretendem salvar o Brasil”. Sozinhos, convictos e com a certeza inalienável: são enviados de Deus, e cumprem MISSÃO QUE NÃO PODE SER DELEGADA A MAIS NINGUÉM.