Dois projetos ganharam prioridade em 1990; outros 63 aguardam votação. A "urgência" não chega a tracar a pauta, como faz a "urgência constitucional"
G1/Globo.com
Levantamento feito pelo portal G1 mostra que, ao todo, 65 projetos na Câmara dos Deputados que ganharam o selo de "urgentes" não têm nem previsão de votação.
Destes, dois são projetos que tiveram a prioridade aprovada pelos deputados em 1990, e ainda não tiveram sua votação concluída. O levantamento foi feito com base em dados da Secretaria-geral da Mesa da Casa.
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Além dos dois projetos de 1990, outros 13 considerados “urgentes” estão à espera de votação desde 1999. Outras 31 propostas receberam o carimbo entre 2000 e 2006 e não tiveram trâmite concluído até agora. Na atual legislatura, iniciada em 2007, 19 projetos com “urgência” ainda estão à espera de votação. Entre eles estão três dos quatro projetos que tratam do marco regulatório do pré-sal e estão em processo de votação neste mês.
Segundo o artigo 155 do regimento interno da Câmara, poderão ganhar carimbo de “urgência” os projetos que tratem de “matéria de relevante e inadiável interesse nacional”. Para aprovar a urgência, é necessária maioria absoluta de votos (257 deputados a favor). Alguns requerimentos, no entanto, são aprovados, por acordo, de maneira simbólica.
São os próprios deputados que definem quais os projetos que ganham esta “urgência” e mereceriam ser tratados como prioritários. Ao receber este carimbo, os projetos não precisam mais retornar para as comissões temáticas e podem ser apreciados diretamente em plenário. Quando são incluídos na ordem do dia, estes projetos têm prioridade sobre os outros, só perdendo para medidas provisórias.
Mas não chegam a trancar a pauta de votações, como os projetos com "urgência constitucional". Esse regime só pode ser solicitado pelo presidente da República, e estabelece prazo de votação de 45 dias para a Câmara e mais 45 para o Senado. Depois disso, nenhuma outra proposta é votada na Casa onde estiver.
O projeto “urgente” que espera há mais tempo para ser votado na Câmara é de autoria de um ex-senador que virou até presidente da República enquanto a proposta ficou na gaveta. Em 1989, Fernando Henrique Cardoso propôs e o Senado aprovou no mesmo ano um projeto de lei complementar para regulamentar um dispositivo da Constituição que dispõe sobre a tributação de grandes fortunas. A proposta teve a urgência aprovada pelos deputados no dia 14 de fevereiro de 1990, mas nunca conseguiu ter sua votação concluída em plenário.
O projeto original de FHC desejava tributar donos de patrimônio superior a dois milhões de cruzados novos. A proposta recebeu diversas emendas na Câmara, como dos ex-deputados Aloízio Mercadante (PT-SP), hoje senador, e Haroldo Lima, atual diretor-geral da Agência Nacional de Petróleo. Entre os relatores da proposta ao longo do tempo aparece o atual ministro da Defesa, Nelson Jobim, que chegou até a presidir o Supremo Tribunal Federal (STF) enquanto o projeto aguarda votação. Desde 6 de dezembro de 2000, o projeto não foi alvo mais sequer de discussão, seja no plenário, ou em comissões.
No mesmo ano de 1990 os deputados deram urgência a outro projeto que ainda não teve seu trâmite concluído. O projeto de autoria do ex-deputado Lysaneas Maciel, já falecido, tenta regulamentar o trabalho noturno.
Diferente do projeto do FHC, a proposta de Maciel já foi alvo de deliberação da Câmara. No dia 14 de dezembro de 1990 a Casa aprovou o projeto e o enviou ao Senado. Em janeiro de 1995, no entanto, o projeto voltou para a Câmara após receber alterações na outra Casa. Desde então, a proposta tramitou por comissões, mas continua ainda aguardando uma votação final em plenário. Desde o dia 5 de julho de 1995 a proposta nunca mais voltou a ser debatida.
Entre os projetos com urgência que aguardam votação está um que discute a possibilidade de adição de água em sucos. O projeto original, apresentado pelo ex-deputado gaúcho Fetter Júnior em 1994, permitia a adição de água desde que a embalagem informasse ao consumidor o percentual de água e trouxesse a inscrição “suco hidratado”.
O projeto foi aprovado pela Câmara da forma como desejava o deputado Fetter, mas o Senado decidiu fazer uma alteração. Em 1996, os senadores decidiram que a expressão “suco diluído” era a mais adequada e devolveram o projeto para a análise da Câmara. Treze anos depois, os deputados ainda não concluíram a votação, nem decidiram se hidratado ou diluído é melhor para definir o suco que contém água.
Outro tema “prioritário” para o Congresso e sem decisão é a possibilidade de isenção de processos contra pessoas físicas e jurídicas que doarem alimentos que causem danos às pessoas carentes que os receberem.
O projeto, chamado de “Bom Samaritano”, foi apresentado e aprovado pelo Senado em 1998. Desde então, o projeto tramita por comissões da Câmara e não chegou ao seu desfecho. Em janeiro de 2004, um requerimento de urgência foi aprovado, mas a expectativa de uma deliberação imediata sobre o tema não se concretizou. Apesar de eventualmente ser lembrado em plenário por alguns parlamentares, desde agosto de 2005 o projeto jamais voltou à pauta.
Frequentemente apontado como um problema do parlamento, o lobby continua sem regras até agora, mas não por falta de “urgência”. Em dezembro de 2001, os deputados decidiram dar caráter de urgência a um projeto de 1990 do senador Marco Maciel (DEM-PE) que trata do tema.
O projeto de Maciel foca a regulamentação no cadastro dos lobistas que atuam no Congresso Nacional. Eles passariam a ser registrados na Câmara e no Senado, teriam credenciais, fariam prestações de contas e poderiam ser punidos por abusos.
A urgência não ajudou para a votação da proposta. Desde que a Casa entendeu o tema ser prioridade o projeto retornou para a pauta algumas vezes até o ano de 2003, mas sem a votação ser concluída.
Irritado com o excesso de manifestantes e grupos ligados a diversas causas que têm frequentado a Câmara neste ano, o tema chegou a ser debatido em uma reunião de líderes. O presidente da Casa, Michel Temer (PMDB-SP), já afirmou que deseja resolver a questão até o final do seu período no cargo, fevereiro de 2011. Mesmo assim, o projeto de Maciel continuou na gaveta e não foi colocado em pauta.
Fonte Gazeta do Povo