terça-feira, novembro 24, 2009

Agitação nas camadas subterrâneas

Carlos Chagas

As aparências continuam enganando. Pode iludir-se quem vê o presidente Lula articulando e cobrando com emoção o apoio do PT e dos aliados à candidatura Dilma Rousseff. O primeiro-companheiro fala da continuidade de seus planos e realizações de governo e exalta a candidata como se fosse uma espécie de revelação antes nunca revelada em matéria de administração pública. Dá à sua escolha o caráter da irreversibilidade.
No fundo, porém, as dúvidas crescem em torno da indicação da chefe da Casa Civil. Menos pelas crescentes escorregadelas que ela vem apresentando ao tratar do apagão e até das árvores de Natal que não viu acesas, ao contrário de todo mundo. Mais porque permanecem sofríveis suas condições de sensibilizar a opinião pública.
Dilma não cresce nas pesquisas, levando os institutos a manter seus números em segredo para não irritar os donos do poder. Ela não entusiasma o eleitorado, ofuscada pelo brilho do chefe. Por isso já se pensa em alternativas, no alto comando da campanha oficial. Não se cometerá a injustiça de supor o presidente Lula seduzido pela hipótese continuísta, mas é para esse objetivo que os ventos poderão soprar. Inexiste um novo nome capaz de ser tirado do PT. Cogitar de um pseudo-aliado seria arriscado demais, seja ele Ciro Gomes, Aécio Neves ou, agora, até Roberto Requião, lançado no fim de semana em Curitiba como alternativa própria do PMDB.
Em suma, registram-se movimentos nas camadas subterrâneas do governo. Elas poderão acomodar-se, é claro, mas ninguém garante que das dúvidas cada vez maiores possa emergir um terremoto.
Fogem da discussão
Marcada para o período de 14 a 17 do próximo mês, a Conferência Nacional de Comunicação a se realizar na capital federal está sendo boicotada pelas principais associações da mídia, a começar pelas que reúnem os jornalões e as principais redes de televisão. O pretexto é de estar o encontro sendo patrocinado pelo governo, através da Secom, onde prevalecerão temas sustentados pelo PT, como o controle da informação e o aumento da presença do estado no setor.
Trata-se de um sinal de fraqueza, que coloca os donos da mídia nacional na defensiva. Porque se não concordam com as polêmicas propostas a ser debatidas, deveriam botar o pescoço de fora e defender-se. Eis uma oportunidade em que, ao invés de ficar calados, precisariam falar.
Viagem atrasada
Está o presidente Lula na Ucrânia. É sempre bom ampliar nossas relações políticas e econômicas com o mundo, mas o primeiro-companheiro chegará atrasado naquele país salvado do incêndio do Império Soviético. Porque assim que a URSS saiu pelo ralo e a Ucrânia reivindicou independência, ficou tudo à venda, naquela parte do planeta. A esquadra do Mar Negro, toda estacionada no novo país, carecia de condições até para manter alimentadas suas tripulações. Assim, quinze submarinos nucleares foram deixados apodrecer e viraram sucata com o passar dos anos.
Faltaram ao então presidente Fernando Henrique cabeça e coragem para propor a negociação. Claro que a aquisição de “embarcações comunistas” levantaria reações anacrônicas em parte de nossas elites militares e civis. Como comprar submarinos com aquelas letras todas trocadas, ainda mais afrontando a ira dos Estados Unidos? Possível, porém, a operação teria sido, já que a Ucrânia precisava vender até parafusos para sobreviver e afirmar-se como nação. Por isso continuamos há vinte anos, e assim ficaremos por mais vinte, tentando construir o nosso submarino nuclear…
Contradição
As recentes eleições no PT serviram para oxigenar o partido, levando até o presidente Lula a votar, aqui em Brasília, na nova direção que assumirá em breve, com José Eduardo Dutra na presidência. Há um senão, no entanto, nessa renovação. Estão de volta inúmeros réus do mensalão, ainda sob julgamento no Supremo Tribunal Federal. Ninguém é culpado antes que se lhe prove a culpa, todos os mensaleiros poderão ser absolvidos, mas seria necessário, primeiro, que recebessem suas sentenças, de um jeito ou de outro, para depois retomarem ou não suas carreiras partidárias. Abrindo as portas, o PT corre o risco de ter dirigentes nacionais despachando na cadeia…
Fonte: Tribuna da Imprensa