Dora Kramer
Os aliados da candidatura Dilma Rousseff já não têm com o que se preocupar: aquele problema da falta de jogo de cintura ao qual aludiu certa vez o PMDB oferecendo à ministra de presente um bambolê, está devidamente resolvido. Maleabilidade é o que a ministra-chefe da Casa Civil mais exibe ultimamente. Reza em qualquer altar – seja católico, evangélico, do Senhor do Bonfim ou do Círio de Nazaré –, defende José Sarney com desenvoltura, elogia Jader Barbalho com veemência pedindo mais respeito no trato que se dá ao PMDB e, prova definitiva de que já dança ao ritmo da música exigida, aderiu ao princípio de que aos amigos do poder tudo é permitido.
“Acho que cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém”, pontificou com originalidade a respeito das gravações da Polícia Federal, reproduzidas pela Folha de S.Paulo, mostrando como parentes e amigos do presidente do Senado, José Sarney, mandam e desmandam na agenda do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão
“No Brasil”, lecionou, “nós temos o hábito de pegar uma denúncia qualquer e sair condenando.”
Inadmissível, não é verdade? “Pegar uma denúncia qualquer” que a Polícia Federal qualifica de tráfico de influência e ilustra em inquérito com as vozes do ex-ministro Silas Rondeau (afastado do cargo por suspeita de corrupção) e do empresário Fernando Sarney (há dois anos investigado pela PF) e “sair condenando” realmente é uma leviandade.
Ainda mais que o ministro em questão fornece uma justificativa bem consistente. Segundo ele, Rondeau e Sarney marcam reuniões e encontros diretamente com a secretária do gabinete do titular da pasta porque os três têm “uma relação de amizade”.
E, com isso, evidentemente ninguém está em condições de condenar Edison Lobão por dar a liberdade aos amigos de “sugerir” audiências, visitas de empresários, temas a serem abordados, caminhos a serem adotados na administração da pasta de Minas e Energia.
Se são amigos, qual é o mal? Estranho é se fossem inimigos. Como se sabe, só os hipócritas, os fariseus, os falsos moralistas, os célebres udenistas invocam o respeito ao princípio da impessoalidade. Os descolados, modernos, ativos, trabalham com outros conceitos. São regidos pela regra mor caciques redivivos, acostumados a usar o Estado como quem dispõe de um patrimônio privado. A essa concepção de administração pública parece ter aderido a ministra, outrora tida com rigorosa gestora.
Ante a explicitação do novo modelo é de se perguntar à ministra se, uma vez eleita, governará o Brasil conforme as convicções que lhe fizeram a fama de gerente com austeridade e competência, se o figurino atual visa apenas à criação de uma ilusão de ótica para não dispersar os aliados ou se, ganhando a Presidência da República, render-se-á à batida do samba e a malemolência do bambolê que lhe deu de presente o PMDB.
Em qualquer das hipóteses há um risco: de Dilma perder as características antigas, adquirir com as novas feições de caricatura e, com isso, agradar aos companheiros de aliança, mas desagradar profundamente ao cidadão de bem que anda farto de demagogia, leniência e dissolução ética.
Cilada
O termo chantagem seria muito forte. Até impróprio por enquanto. Mas digamos que entre os potenciais aliados do PT na eleição presidencial exista uma pressão para que o partido abra mão de suas conveniências político-eleitorais, sob pena de haver um êxodo na “base” com o pretexto de que os petistas são “egoístas”
Se Dilma subir nas pesquisas, tudo corre pacificamente. Se não subir, correm todos para outros caminhos dizendo que não tiveram outra escolha porque foi o PT que os rechaçou.
É uma sinuca: se não atender às exigências, o PT corre o risco de esvaziar o “entorno” de Dilma Rousseff. Se atender a todas elas, o perigo é esvaziar a si próprio nos estados. Exatamente como aconteceu com o partido no Rio de Janeiro, por causa da opção preferencial feita anos atrás pela direção nacional de ceder à política de alianças sem pensar na política do partido.
Ganhou eleições, brigou com todos os aliados durante o governo e transformou-se numa sublegenda das conveniências do eixo São Paulo – Palácio do Planalto.
“Déjà-vu”
Análise do cientista político italiano Luigi Bonanate, da Universidade de Turim, a respeito do sucesso do primeiro ministro Silvio Berlusconi, apesar de todos os pesares. “Berlusconi conseguiu manter sua base de apoio intocável. Seu discurso é claro: ele joga parte da culpa nos comunistas, nos opositores, na mídia, imputando-lhes o rótulo de verdadeiro problema da sociedade italiana. Isso faz efeito, porque nenhum escândalo abala seu respaldo.”
Para Bonanate, o “verdadeiro problema da Itália é a falta de oposição”.
Fonte: Gazeta do Povo