Para tentar curar a raiva que está disparando as minhas pulsações, resolvi dar um mergulho didático no passado.Com seis meses de foca na velha A Noticia de Candido de Campos e Silva Ramos, em fevereiro de 1948, lá se vão 60 anos e quebrados, um furo inesperado caiu-me nas mãos quando buscava um “boneco” de suicida na Glória. Não achei boneco nem suicida mas, ouvi no fundo do corredor, no hotel modesto em que busquei auxílio para avisar à redação do fracasso da matéria, um robusto moço nos seus 30 anos, descendente de alemães, que aos berros avisava ao seu sócio, em Porto Alegre, que estava esbarrando na tentativa de suborno de altos figurões da República, entre os quais o ministro da Viação, para fechar a venda dos dormentes para a Central do Brasil.Apresentei-me como repórter ao iluminado Ivo Borcioni e me qualifiquei como bacharel para acompanhá-lo no encontro marcado para o dia seguinte, no Palácio da Guerra, com o então ministro general Canrobert Pereira da Costa. O leviano Borcioni topou na hora e no dia seguinte lá estávamos no gabinete do todo poderoso ministro e candidato à presidência na sucessão do presidente Dutra.Para o meu pasmo, o general Canrobert levou a sério a denúncia do Ivo Borcioni e prometeu que, no despacho no dia seguinte com o presidente Dutra ela seria o primeiro item da sua agenda.Arrastei o Borcioni à redação de A Notícia, na Avenida Rio Branco, para as fotos e alguns detalhes. Manchete com letras garrafais no dias seguintes, uma crise política envolvendo ministro e diretores, debates acalorados, ameaça de CPI e a minha promoção à vaga de repórter político de A Notícia, o primeiro desde a queda do Estado Novo.Passei a freqüentar, todos os dias, as sessões da Câmara e, nos dias especiais, de debates anunciados do Senado.A Câmara costumava lotar as galerias nos dias de debates entre os grandes oradores da época de ouro da oratória: Afonso Arinos, Carlos Lacerda, Gustavo Capanema, Vieira de Melo, Flores da Cunha, Otávio Mangabeira, Raul Pila, Brochado da Rocha, Bilac Pinto, Adauto Lúcio Cardoso, Aliomar Baleeiro, Leonel Brizola, os novatos da Ala Moça do PSD e da Banda de Música da UDN.Eram raros os deputados ricos. A grande maioria da classe média. Todos, com raríssimas exceções, moravam no Rio com as famílias. Vários em hotéis modestos da rua do Catete, no Flamengo, Glória. A maioria não tinha carro, andava de bonde ou ônibus. Sessões diárias, inclusive aos sábados em casos especiais. E viviam do subsídio de decente modéstia. E só, Nos casos de sessões extras, a diária. E o pagamento em dobro no recesso parlamentar de fim de ano para a compra de passagens de avião ou de ônibus para o Natal em família.Não era uma casa de santos. Mas, em maioria, de classe média, na escalada da carreira política iniciada na cidade natal com a vereança, a prefeitura, depois a deputação estadual e, enfim o Congresso e a sedução irresistível da Cidade Maravilhosa, cheia de encantos mil, da praia de areias alvas de Copacabana, a Princesinha do Mar.Dois ou três picaretas eram marginalizados. Um deles, de irradiante simpatia e bom informante, tinha passe livre na nossa roda de repórteres que cobriam política: Carlos Castelo Branco, Ascendino Leite, Marcelo Pimentel, Benedito Coutinho, Heráclio Salles, com texto impecável de escritor nato, Oyama Brandão Telles, Carlos Chagas, Murilo Mello Filho, Odylo Costa, filho; José Wamberto, Francisco de Paula Job, os cronistas Prudente de Morais,neto; Doutel de Andrade, Carlos Lacerda, Walter Fontoura, Wilson Figueiredo e tantos mais que desfilam na saudade e pela vergonha do pior Congresso de todos os tempos.
Fonte: Villas Bôas Correia