Apesar de considerar que o Judiciário baiano vive um novo período, inclusive em maior sintonia com a sociedade, o desembargador Clésio Rosa admite que a Justiça ainda é lenta em função da carência de pessoal e do acúmulo de processos. "Para se ter uma ideia, e somente para argumentar, numa determinada Vara que possui 5.000 processos no Cartório e recebe 300 processos por mês, é praticamente impossível, apenas um juiz e poucos funcionários, além do seu trabalho diário, movimentar todos os processos existentes e dar seguimento normal aos processos novos", ponderou o magistrado, que optou pelo curso de Direito ainda na juventude, quando fui seminarista e militante político de esquerda, o que lhe rendeu um bom tempo na prisão, na época da ditadura militar. Clésio Rosa destaca o trabalho desenvolvido no TJ pelos seus últimos presidentes, sobretudo no sentido de agilizar as atividades da instituição, que precisa, no seu entendimento, passar uma reforma. "Creio ser necessária, inclusive, em alguns tópicos, de forma urgente, como o de dar melhores condições de trabalho aos serventuários, adaptando-os, com reciclagem através de cursos orientados, melhor remuneração, acreditando, que a médio prazo, os efeitos já começariam a ser sentidos não somente pelos operadores do direito, como pela comunidade". Neste entrevista ao jornalista Janio Lopo, o desembargador faz uma abordagem ampla sobre os avanços e as deficiência do Judiciário, mas sempre mantendo-se otimista quanto ao aperfeiçoamento do trabalho do Judiciário em favor da população baiana.
Tribuna da Bahia - O que o levou a abraçar a magistratura?
Clésio Rosa
- Na minha juventude, fui seminarista, militante político da esquerda, na defesa da democracia na época da ditadura militar, chegando a ser preso, e quando me encontrava num dos quartéis que serviam de prisão, senti nascer a vontade, a vocação de um dia poder distribuir a justiça de um modo que promovesse uma sociedade mais justa, e equilibrada em valores que dignificassem o cidadão, ante as torturas físicas e psicológicas, além de outros procedimentos que não se poderiam aplicar nem em feras, com todo o devido respeito a estes animais. Daí, após ser libertado e concluído o curso pela Faculdade de Direito da Universidade Católica do Salvador, fiz concurso para Promotor de Justiça, cominando, por fim, com a minha aprovação em primeiro lugar; para o cargo de Juiz de Direito, em segundo lugar, percorrendo diversas comarcas, algumas inóspitas, sempre promovido por antiguidade, como foi acontecer quando fui indicado para o cargo de desembargador, o que para mim foi uma honra, ressaltando, com vaidade e orgulho, que os meus primeiros passos no Poder Judiciário da Bahia foi ocupando o cargo de Oficial de Justiça na Comarca desta Capital.
TB - Como o senhor analisa a atuação do Poder Judiciário baiano?
CR -
TB - O senhor quer dizer que a Justiça baiana vive novos tempos?
CR
TB- E hoje?
CR
TB- Que deve ser feito para agilizar o atendimento jurisdicional?
CR
TB - O que provoca o retardamento dos processos?
CR
TB - Mas, insisto, como tornar célere a Justiça baiana?
CR
TB - Como o senhor encara as críticas dirigidas aos magistrados?
CR
TB - O senhor considera necessária uma reforma do Judiciário, e em caso afirmativo, o que impede a sua realização?
CR
TB - Qual a composição atual do TJ baiano? o seu número atual é satisfatório?
CR
TB - O CNJ tem visado muito o Judiciário baiano. Qual a sua opinião a respeito?
CR
TB - As varas especiais criadas para agilizar processos já se encontram entulhadas. Qual o próximo passo para dar velocidade aos julgamentos?
CR
TB - Como limitar-se o número de recursos e apelações?
CR- Essa é uma preocupação constante de todos nós, porque em muitos casos tais recursos só servem para protelar o desate das lides. Em linhas gerais, deve-se acelerar e simplificar o julgamento de determinados recursos, principalmente os agravos e na extinção ou em uma forte limitação à utilização dos embargos de declaração. A necessidade de um rápido deslinde do processo é preocupação geral agora inserida no texto constitucional, ou seja, ao artigo 5º da Constituição Federal, a Emenda Constitucional 45/2004 inseriu o inciso LXXVIII, segundo o qual "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação". - Recentemente, o Tribunal de Justiça, através de Resolução, incorporou as duas Varas Especializadas às demais 28 Varas Cíveis, com a redistribuição dos processos ali existentes, inclusive no tocante aos seus objetos, com a denominação de Varas dos Feitos de Relações de Consumo, Cíveis e Comerciais, acreditando, dessa forma, que ocorrerá um equilíbrio de processos, antes inexistente. - Na verdade, o CNJ tem acompanhado, na sua função de fiscalizar e sugerir novas gestões, todos os Tribunais estaduais do nosso Brasil, não se caracterizando em privilégio da Bahia, as visitas que o ministro Gilson Dipp, para nossa satisfação, tem feito ao nosso Tribunal, nesse sentido. Sobre o assunto, oportuno observar que o TJ baiano tem sido alvo de distinção por parte inclusive do STJ, quando convocou o decano desembargador Paulo Furtado, para compor aquela Corte. - O Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, atualmente, é composto de 35 desembargadores, existindo uma previsão legal de 53 desembargadores, de acordo com a Lei nº 10.845 de 27 de novembro de 2007, que dispõe sobre a Organização e Divisão Judiciária do Estado, da Bahia, a administração e o funcionamento da Justiça e seus serviços auxiliares. Como se extrai do espírito da lei, promulgada em fins de 2007, o número ali previsto pressupõe ser satisfatório, não obstante, outros Estados, de menor densidade de população, possuir em seus Colegiados um número de desembargadores bem superior ao do Tribunal baiano. - Creio ser necessária, inclusive, em alguns tópicos, de forma urgente, como o de dar melhores condições de trabalho aos serventuários, adaptando-os, com reciclagem através de cursos orientados, melhor remuneração, acreditando, que a médio prazo, os efeitos já começariam a ser sentidos não somente pelos operadores do direito, como pela comunidade. - Com preocupação, porque tenho conhecimento dos esforços desenvolvidos pelos juízes na administração, coordenação e distribuição da justiça. Eu, particularmente, já fui alvo ( de forma injusta, ao meu ver) de comentários subscritos até pelo nobre jornalista que ora me entrevista, que desconhecendo as minhas razões, porque jamais fui entrevistado a respeito, teceu críticas sobre o meu acesso ao Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, sem mergulhar no processo administrativo instaurado para apreciar os fatos, o que acontece com qualquer funcionário público, e, que no final foram julgadas improcedentes, à unanimidade, pelo Pleno do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia. É fato que as pessoas que ocupam funções públicas de relevo ou não, estão sujeitas a críticas, mas às vezes que se tornam maledicências, fruto de insatisfações por interesses contrariados, e muitas das vezes a imprensa noticia sem aguardar o resultado das apurações dos processos administrativos, apresentando à opinião pública apenas uma versão dos fatos, em sacrifício da verdade. - Uma boa forma de diminuir a morosidade processual é fazer com que o princípio da oralidade, simplicidade e celeridade sejam utilizados não só nos Juizados Especiais, mas, sim, em quase todos ritos processuais. Não tem cabimento em que numa audiência que poderia ser logo resolvida uma questão incidente exista outra para resolver o que já poderia ter sido resolvido antes. Os juristas têm dificuldades em aplicar a lei, pois dentro do próprio ordenamento jurídico em que deveriam ter regras concatenadas com a Constituição Federal, que teoricamente seria o norte para as leis infraconstitucionais, existem dispositivos que a confrontam de forma implícita. Enquanto a Constituição Federal prega o caminho da efetividade para a prestação jurisdicional, ela permite que através de certos métodos de atividade dentro do processo civil isso não ocorra.Sendo assim, faz-se necessário um reexame dos instrumentos processuais, seja na área cível, seja no âmbito penal. O recurso, lato senso, independente da forma que for usado, sempre vai fazer com que o processo fique moroso, se for usado de forma indiscriminada, pois se as normas para sua aplicação fossem mais severas, com certeza o recurso não seria utilizado em demasia e de forma exacerbada. Não se pode deixar, por exemplo, que termos subjetivos como "lesão grave", sejam motivos de desculpas para que certos operadores do direito tumultuem o processo, causando um mal geral à sociedade. - O aumento gradativo daqueles que procuram uma atividade jurisdicional, sem porém existir uma estrutura adequada do Judiciário que propicie o seu atendimento. Para se ter uma ideia, e somente para argumentar, numa determinada Vara que possui 5.000 processos no Cartório e recebe 300 processos por mês, é praticamente impossível, apenas um juiz e poucos funcionários, além do seu trabalho diário, movimentar todos os processos existentes e dar seguimento normal aos processos novos. - Não obstante as inúmeras providências já tomadas, penso que o passo urgente se impõe em dar melhores condições de trabalho, não somente para os juízes, com a designação de um juiz auxiliar para ajudá-lo, nomeação de assessores, como também para os serventuários, sobretudo, com a exigência de formação superior de forma a possibilitar a especialização no desempenho de cada função, como só acontece na Justiça do Trabalho e na Justiça Federal, promovendo-se, também, cursos de aperfeiçoamento dos atuais serventuários. A todas essas dificuldades, soma-se o fato do aumento do número de processos, abarrotando as prateleiras dos cartórios, sem a perspectiva de solução imediata, considerando que o juiz, além de promover audiências, despachar processos, proferir sentenças, atender as partes e seus advogados, não dispõe de assessores para tal mister. Tal visão é a reflexão de um magistrado que galgou diversas etapas ao longo de sua carreira, como acima mencionado e até galgar a posição de desembargador, passei por todas as dificuldades que um magistrado pode imaginar, isto é, instalações deficientes, pessoal, embora esforçado, despreparado e mal remunerado e sem contar com um sistema de informática à altura de suas necessidades, o que na atual gestão, sob a coordenação do meu colega, Desembargador Olegário Monção, está sendo corrigido, já inclusive, com a implantação do Diário de Justiça, por meio eletrônico. - Acentue-se, ainda, que atualmente, em complementação, a presidente desembargadora Silvia Zarif, ao lado dos demais componentes da mesa diretora, tem procurado atuar com eficácia, não somente atribuindo às Varas Cíveis também a competência das Relações de Consumo, assim como criando o Balcão de Justiça e Cidadania que é um mecanismo de democratização do acesso à Justiça, porque presta serviços inteiramente gratuitos à população menos favorecida economicamente nas unidades de mediação e orientação jurídica instaladas em diversos bairros da Capital e Comarcas do interior do Estado, permitindo a descentralização das ações do Poder Judiciário. Urge ressaltar que sou testemunha, também, do esforço hercúleo dos demais desembargadores que compõem o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado da Bahia em distribuir uma justiça ágil, eficaz, proba e porque não dizer, em redundância, uma justa justiça. - A demarcação dos novos tempos no nosso Poder Judiciário tivera prosseguimento com as administrações do Desembargador Gilberto Caribe, do Desembargador Benito Figueiredo e do Desembargador Sinésio Cabral, notadamente no que concerne ao projeto e construção do Anexo do Tribunal de Justiça – CAB; o Plano Diretor do Poder Judiciário com implantação prevista no período de 2008 a 2017 e que tem como missão assegurar acesso à Justiça aos cidadãos, com independência, ética e eficiência, visando a paz social, além de melhorar a eficiência e eficácia do Poder Judiciário na Bahia; e a aprovação e sanção da vigente Lei de Organização Judiciária, dotada de princípios jurídicos, políticos, filosóficos e sociológicos modernos e a afastar os diversos entraves que permaneciam na legislação antiga. Com otimismo, levando-se em conta que entraves políticos e administrativos que obstaculizavam a sua independência e impediam o seu aperfeiçoamento estão sendo afastados e superados nas últimas gestões, com marco inicial na administração do desembargador Carlos Alberto Dultra Cintra, que liderou o "grito de independência" reclamado pelos diversos seguimentos do mundo jurídico baiano, tornando o nosso Poder Judiciário respeitado não só aqui na Bahia, como além fronteiras. Acentue-se que ao lado do desembargador Cintra, na difícil jornada que empreendera, estiveram e estão magistrados de escol, tanto do primeiro, como do segundo grau, os quais têm procurado, diuturnamente, corresponder aos anseios da população e a solucionar os reclamos do jurisdicionado, do povo.
Fonte: Tribuna da Bahia