quarta-feira, março 18, 2009

A química e a física entre Lula e Obama

Por: Carlos Chagas

BRASÍLIA - Foram previsíveis e amenos, ainda que paradoxalmente um tanto amargos, os 40 minutos em que os presidentes Lula e Obama conversaram diante das câmeras de televisão e deram entrevista na Casa Branca, em Washington, sob as vistas de muitos assessores, como Dilma Rousseff, Celso Amorin e Marco Aurélio Garcia, do lado de cá.
Afinal, no capítulo aberto do encontro ficou claro que os Estados Unidos não vão rever as barreiras alfandegárias ao etanol brasileiro, pois, como disse Obama, "mudanças não acontecem do dia para a noite". Da mesma forma, "ações protecionistas são naturais em épocas de crise, isso acontece tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil, vamos tentar não retroceder, fortalecendo o comércio exterior" - também foram palavras do americano.
O Lula fez a sua parte, sem faltarem gracinhas como a do "pepino" que o anfitrião tem que descascar com apenas 40 dias de governo.
O importante do diálogo entre eles, no entanto, terá sido na meia hora em que conversaram no Salão Oval, só os dois e o intérprete. É claro que no trajeto para Nova York, logo depois, os companheiros mais chegados do presidente brasileiro ficaram sabendo dos detalhes, que não demoram a tornarem-se públicos.
Falaram da pretensão brasileira de integrar o Conselho de Segurança das Nações Unidas em caráter permanente? Se falaram, no mínimo Obama empurrou a questão com a barriga. Terá o Lula sugerido mais flexibilidade dos Estados Unidos no trato com a Venezuela, Bolívia e Equador? Pediu o americano que o Brasil sirva de intermediário para amaciar as relações ou terá dado a entender que o assunto não é nosso? Estaremos botando o nariz num prato alheio ou sairemos como arautos dos interesses de Washington? Analisaram o impasse que envolve as relações dos americanos com Cuba? Criticaram os banqueiros de lá e de cá, como responsáveis pela crise econômica? Abordaram a presença da Quarta Frota da Marinha dos Estados Unidos em águas do Atlântico Sul, coincidentemente quando o Brasil anunciou a descoberta de imensas jazidas de petróleo no pré-sal? Com certeza Obama interessou-se pela sorte do menino de pai americano mantido entre nós sob a guarda dos avós, mas terá insistido para comprarmos seus aviões de caça, não os dos franceses?
A "química" entre ambos os presidentes parece indicar melhor relacionamento dos dois governos, como apregoaram mil assessores e comentaristas, mas a pergunta que se faz é sobre a "física": dois corpos podem ocupar o mesmo lugar no espaço?...
Adeus reforma política
Para tirar fotografias, José Sarney e Michel Temer parecem excelentes. Para entender-se quanto às pautas de votação no Congresso, nem tanto. Porque Câmara e Senado continuam comportando-se como duas quantidades distintas, daquelas que não se misturam e nem se atraem. Pelo contrário, repelem-se.
Logo depois de eleitos os dois presidentes anunciaram a hipótese de um trabalho comum para a votação de projetos de interesse nacional, da reforma tributária à reforma política e à solução definitiva da questão das medidas provisórias - só para dar três exemplos.
Até agora, nada. Cada casa comporta-se como se a outra não existisse, ainda que ambas se esmerem na postura de permanecer de braços cruzados.
No caso da reforma política, parte das propostas refere-se exclusivamente à Câmara, como a proibição das coligações em eleições proporcionais e a votação para deputado em listas fechadas, não em candidatos.
Os senadores, de seu turno, preocupam-se com o financiamento público das campanhas, que rejeitam, e com a flexibilidade demasiada da cláusula de barreira, que favorece a Câmara. Em suma, um diálogo de surdos.
Festa de arromba
Foi ontem à noite, num bar que mais parece um estádio de futebol, em São Paulo: José Dirceu recepcionou 3 mil pessoas pela passagem do seu aniversário. Consultor de empresas, o ex-chefe da Casa Civil deve andar bem de bolso, porque o uísque não faltou. É possível que tenha sido ajudado por amigos endinheirados, mas a verdade é que nesses tempos bicudos de crise econômica, uma festa assim parece no mínimo singular. Ninguém tem nada com isso, o aniversário e o dinheiro são dele.
A pergunta que se faz é sobre o sentido político do ágape. Pretenderia o ex-deputado cassado retornar ao primeiro plano da vida pública? Seria ele aquele cérebro oculto que nos bastidores trama o terceiro mandato para o presidente Lula? Ou estaria se credenciando para o governo Dilma Rousseff, caso absolvido pelo Supremo Tribunal Federal como um dos mentores do mensalão e, obviamente, na hipótese da eleição da candidata?
Queixa-se José Dirceu da má vontade da imprensa, de muitos políticos e até de alguns companheiros, mas a verdade é que não perdeu a postura que o incompatibilizou enquanto despachava no palácio do Planalto.
Será o subconsciente?
Primeiro foi o presidente Lula, agora é o ministro Guido Mantega a sugerir aos Estados Unidos à estatização de bancos lá postos em estado pré-falimentar e responsáveis, hoje, pelas restrições ao crédito.
Além do fato de não ficar bem ao ministro da Fazenda, em plena Nova York, ficar dando palpite sobre a estratégia americana para combater a crise econômica, muitos banqueiros brasileiros andam sentindo um friozinho na barriga. Será que Mantega, agora, assim como o Lula, semanas atrás, não está falando dos Estados Unidos, mas pensando no Brasil? A fórmula parece a mesma se os problemas são os mesmos.
Afinal, por aqui também dispomos de bancos que, além de mergulhados na bancarrota, cortaram o crédito de pessoas físicas e de pessoas jurídicas. Não deixa de ser estranho notar que até pouco havia quem defendesse a privatização do Banco do Brasil e da Caixa Econômica...
Fonte: Tribuna da Imprensa