segunda-feira, março 23, 2009

A Help pede socorro

Marcelo Mirisola*

Parece que dessa vez vão fechar mesmo o maior puteiro do país. Para quem ainda não sabe, é isso mesmo. Um puteirão. A Help de Copacabana. Que se estende desde o prédio onde fica a “discoteca”, passando pelo “terraço ou curral” e de lá se espraia pela avenida Atlântica, até chegar ao mar de Dorival Caymmi, fazendo um contraponto perfeito ao vaivem das ondas. Num passado não muito remoto chamavam isso de romantismo, o mesmo romantismo que – por exemplo – deixou de existir na rua Augusta, em São Paulo. Querem trocar a Help por um MIS. Um Museu da Imagem e do Som. E eu lá, aboletado no “terraço”. Pensava nos fluxos da vida, na tábua das marés. Num instante, quis saber das primas o que elas achavam da extinção da Help, mas desisti. Ninguém vai a uma trincheira perguntar aos soldados o que eles pensam da guerra. Foi quando me ocorreu o pior. E imaginei o tipo de gente que vai tomar o lugar das moças.
Um Museu da Imagem e do Som. Que tristeza. Vislumbrei um sarau de modernetes. Só de pensar no povinho cultural e na atmosfera que envolve essa gente sem virilidade e metida a besta que usa franjinha, calça rasgada e óculos com aro de tartaruga... sei lá, acho que eles e seus projetos culturais e seus amores expressos e picaretagens do gênero, são mais modorrentos, caipiras e nefastos do que os pastores da Igreja Universal do reino do Edir, digo Deus, que igualmente ocupam o lugar de antigos cinemas e teatros.
Não por acaso, logo ao meu lado, três franceses divertiam-se com duas mulatas. Alguém acha que esses caras viriam ao Brasil para visitar o MIS?
Será que os franceses trocariam o Musée d’Orsay pelos grafites dos Irmãos Gêmeos? Ou pior: trocariam um minuto de Camille Claudel pelas performances dos amigos do João Paulo Cuenca? Pois é nisso que querem transformar a Help. Num lugar para mauricinhos líricos desfilarem suas pretensões artísticas e havaianas de grife.
Quanta insensatez. Imaginem o contrário. Imaginem se destruíssem o Louvre para colocar a Help no lugar.
Aqui, abro um parêntese. E digo que o nome disso é sina. Que nada tem a ver com vocação, esta é resultado de uma construção que nem sempre dá certo. Eu, por exemplo, em vez de ter derretido os meus miolos para ser um escritor, podia ter sido garçom da Help. Seria mais feliz. Às vezes é melhor não cumprir as vocações. Tem casos em que as duas coisas, sina e vocação, andam juntas, e aí é um perigo. O sujeito pode virar um Mussolini ou uma Ivete Sangalo da vida.
Pois bem, voltando à Help. Um caso típico de sina. Se em vez de despachar no Palácio da Alvorada, Lula despachasse na Help, não ia fazer a mínima diferença. Não existe Niemeyer, nem vocação para o belo que dê jeito. Tanto podemos encarar isso como se fosse uma benção, ou feito uma maldição. Depende do ponto de vista. Eu prefiro encarar a partir da bunda vendida das nossas mulatas. Um meio-termo, digamos assim.
O Lula, aliás, é o presidente mais bem avaliado da história do Brasil – embora tenha caído um pouco nas últimas pesquisas – não só porque entendeu “a sina” mas porque efetivamente exerce o papel e a vocação do bom selvagem que lhe cabe. Lula é a prova viva de que Rousseau era um canalha. Para resumir: o Brasil é pasto para esses gringos. Uma piada. Eles vem aqui fazer safári.
Somos irrelevantes. Não existe arte nem uma inteligência brasileira a ser considerada, suscitamos – desde sempre – apenas o interesse antropológico desses gringos, ou seja, eles comem nossas mulatas e nos estudam e nós, agradecidos, empenhamos nossas alminhas e vestimos a carapuça . Sempre foi assim.
Somos laboratório, macaquinhos deles. Não é o caso de festejar essa condição. Trata-se, creio, de dar um lustro na verossimilhança para não perder de vez a identidade. Acabar com a Help é burrice. Se ainda existe uma antropofagia salvadora por aqui, é a antropofagia do possível. Algo parecido com uma putaria enfadonha e limitado feito um desfile de escola de samba, nada exuberante. Um tropicalismo triste e sem camada de ozônio. Caetano Veloso envelheceu. De modo que não me sinto nenhum pouco ultrajado por morar na selva e servir de pasto para esses gringos. Uma coisa é ser submisso, outra completamente diferente é ser otário.
Ora, se somos a bunda do mundo, o negócio é rebolar gostoso e tirar o couro desses gringos. O prefeito do Rio, Eduardo Paes, devia ter umas aulas de sociologia e comércio exterior com as putas da Help. Por que ele não destrói a Estátua da Liberdade da Barra da Tijuca? Lá sim é lugar de MIS. Como bem disse meu amigo Jarbas Capusso Filho: “Vamos escancarar geral e aceitar, de vez, a nossa condição de um povo hospitaleiro até o rabo”.
Ou por outra: acabar com a Help é quebrar o espelho. É ignorar a nossa condição de bunda, ou potencial de submissão – dá na mesma. Nossa grande riqueza consiste em refletir a miséria deles nos espelhos que eles mesmos nos presentearam. O que seria do sádico sem o masoquista? Ida e volta. Imagem e semelhança.
Pois aqui, eu faço um apelo. De repente, até ecológico. Autoridades responsáveis e até as irresponsáveis, tanto faz, preservem nossas florestas, nossos índios, e nossas putas: não deixem a Help virar Museu. O Brasil jamais vai ser o país do futuro se perder o endereço e o respectivo brilho na penteadeira da vida. Somos bunda. Em nenhum outro lugar do mundo houve um encontro tão perfeito e descompromissado da sina com a vocação. A Help é nosso Louvre, e pede socorro.

* Marcelo Mirisola, 42, é paulistano, autor de Proibidão (Editora Demônio Negro), O herói devolvido, Bangalô, O azul do filho morto (os três pela Editora 34), Joana a contragosto (Record), entre outros.
Fonte: Congressoemfoco