segunda-feira, março 16, 2009

Barrado no tribunal

Alessandra Mello
Há nove anos, o consultor da Assembleia Legislativa Alexandre Bossi, 45 anos, se aventurou a disputar pela primeira vez o cargo de conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE). Obviamente, sabia que não tinha a mínima chance de vencer a eleição dentro do Legislativo para a disputa pelo cargo. Não por causa do currículo. Pelo contrário, ele atendia todos os critérios exigidos pela lei. Tinha mais de 35 anos, reputação ilibada, notório saber nas áreas de justiça, administração e contabilidade, além de ser doutor em administração pública. Só para poder participar da disputa já foi uma luta. De acordo com o regimento interno da Assembleia, para participar da eleição para a indicação do conselheiro quando a vaga é do Legislativo é preciso ter o apoio de no mínimo 20% dos deputados estaduais, ou pelo menos 16 deputados.
Com o número mínimo exigido de apoio entre os parlamentares, um "não político" disputou pela primeira vez esse cargo em Minas Gerais e também no Brasil. Até hoje, em nenhum outro estado, uma pessoa que não tenha exercido cargo político de qualquer natureza conseguiu participar dessa disputa. Este ano, a Assembleia deve indicar mais um integrante ao TCE por causa da vaga que será aberta com a aposentadoria compulsória do conselheiro Simão Pedro Toledo. Mesmo que consiga disputar, Bossi não terá a menor chance. Apesar disso, ele já começou o trabalho de formiguinha para poder ao menos participar da disputa.
Na verdade, a insistência de Bossi é uma maneira de protestar contra a forma como são preenchidos os cargos em todos as cortes de Contas dos estados, surgidas sob a inspiração de Ruy Barbosa, que, por decreto, criou em 1890 o Tribunal de Contas da União (TCU), cujo modelo de funcionamento e composição é adotado em todo o Brasil. A ideia de um tribunal com a função exclusiva de fiscalizar a aplicação de recursos públicos é boa e não é nova. O controle das finanças do estado é feito desde a Antigüidade. No Brasil, as primeiras instituições de controle das contas públicas nasceram com a coroa portuguesa, preocupada em não deixar escapar nada da riqueza explorada no Brasil.
O grande problema é que na maioria dos estados esse controle é ineficiente, pois ele é exercido em sua maioria por "ex-agentes políticos". No TCU, a situação é um pouco diferente, apesar de também haver indicação política, pois a gama de recursos, pessoas e entes públicos fiscalizados é tão grande que as influências e lobbies acabam sendo bem menores. Mas nos estados essa situação se complica. Imagine um ex-deputado ou ex-prefeito, cuja família inteira é formada por políticos, fiscalizando seus aliados, sua antiga base eleitoral ou até mesmo ele próprio. Difícil, não?
Mas é assim em todo o país. Levantamento feito ano passado pelo próprio Alexandre Bossi, cuja tese de doutorado tratou do funcionamento dos tribunais de contas, revela que cerca de 71% dos cargos de conselheiro de todos os tribunais são preenchidos por pessoas que já foram deputados, prefeitos, vereadores, senadores, governadores e secretários de estado. Não é sem motivo que nos últimos anos têm crescido relatos sobre corrupção nos tribunais de Contas dos estados. Atualmente, conselheiros de pelo menos 12 estados, entre eles os de Minas Gerais, são alvos de investigações por causa de suspeitas de corrupção na fiscalização dos recursos públicos. Em alguns casos, a denúncia é de cobrança de propina para aprovar contas, contratos sem licitação ou evitar paralisia de obras irregulares.
No entanto, esses relatos devem continuar sendo destaque por muito bom tempo, já que não existe nenhum interesse de reverter essa situação. Desde 1981, já passaram pelo Congresso Nacional quase três dezenas de propostas de emenda à Constituição para alterar a forma como são preenchidos os cargos nas cortes de Contas estaduais, mas todos morreram por decurso de prazo ou nem chegaram a tramitar. Toda vez que aparece uma denúncia de grande repercussão envolvendo conselheiros, surge uma proposta de mudança nos critérios de indicação para o cargo. Nenhuma até hoje vingou. Mas a Operação Pasárgada da Polícia Federal, que mirou nas fraudes para liberação do Fundo de Participação dos Municípios, e acabou acertando outro alvo tão importante quanto o inicial, pelo visto vai vingar. Em todas as suas frentes.
Fonte: Estado de Minas (MG)