Por: Carlos Chagas
BRASÍLIA – Não demorou a aparecer o melhor termômetro para aferir o acerto das medidas adotadas quarta-feira pelo presidente Lula, aumentando investimentos públicos, ampliando o Bolsa-Família, a merenda, o transporte escolar e confirmando o aumento do salário mínimo. Foi significativa a febre de que se viram acometidos os megaempresários, protestando contra o aumento de gastos públicos, apesar dos cortes de custeio no orçamento da União, anunciados antes. Ontem, estrilaram a mais não poder através de suas associações corporativas e de seus porta-vozes amestrados.
Para eles, é dever do Estado utilizar recursos do Tesouro para ajudá-los a sair do sufoco, desde os já liberados aos anunciados 100 bilhões que o BNDES distribuirá. Trata-se, porém, na singular visão da plutocracia, de demagogia e de desperdício destinar dinheiro público para minorar as agruras dos mais pobres, criar empregos em meio à onda de dispensas e governar para o andar de baixo.
Note-se que o governo também não deixou de contemplá-los, com a esdrúxula revogação, em menos de 24 horas, das iniciativas que restringiriam importações e criariam barreiras alfandegárias para proteger o interesse nacional.
Numa palavra, não tem limites a goela aberta das elites, felizmente não todas. Querem salvar-se com benesses públicas, mas não se dispõem a ceder em nada, como exemplifica sua intransigência em, mesmo recebendo bilhões, recusarem o compromisso de interromper as demissões em massa.
E estão indo além, nacional e internacionalmente: no Fórum de Davos, o que mais se ouve é que os governos devem salvar a economia mundial com seus recursos, mas sem regulamentar o sistema financeiro e estarem preparados para cair fora ao primeiro sinal de normalização.
Contradições
Apesar dos mais efusivos elogios que merece o presidente Lula por haver anunciado medidas que beneficiarão o andar de baixo em meio à crise internacional, registram-se contradições na ação governamental. A equipe econômica não tinha nada que cortar em 75% o orçamento do ministério do Meio Ambiente, em face da evidência de ser ele, na realidade, o ministério do Futuro que Mangabeira Unger ainda não conseguiu encontrar. Assim como o ministro Guido Mantega não deveria ter cedido em menos de 24 horas à pressão dos importadores, levado a revogar dispositivos de resto hoje adotados no mundo inteiro, da criação de barreiras alfandegárias como forma de garantir empregos aqui dentro.
Mesmo amargos, os cortes orçamentários são necessários, mas assim como Educação e Saúde foram poupados, também o Meio Ambiente deveria ter sido. Depois, ficamos expostos à saraivada de críticas externas por estarmos dilapidando a Amazônia e enchendo a atmosfera do planeta de gás carbônico.
Fez bem a senadora e ex-ministra Marina Silva de botar a boca no trombone, denunciando cortes inadmissíveis. É provável que mesmo sem protestar de público, as Forças Armadas cheguem à mesma conclusão, porque reduzir drasticamente despesas com a Defesa Nacional, hoje, significa lamentar amanhã.
Me engana que eu gosto
Poucos políticos da atualidade prestaram tantos e tão relevantes serviços ao País quando o ex-presidente José Sarney. Coube-lhe demonstrar que a década de oitenta não foi perdida, mas, muito ao contrário, plena de realizações imprescindíveis à nossa sobrevivência como nação democrática. Sarney consolidou a democracia depois de vinte e um anos de ditadura, graças a seu espírito de tolerância e sua determinação de ver as instituições praticadas sem arranhões. Detendo todo o poder, tomou a iniciativa de reparti-lo com o Congresso, o Judiciário, a imprensa, as associações de classe e a sociedade.
O problema é que o senador pelo Amapá não se livrou dos vícios de uma vida inteira mergulhado na prática política. Fica difícil explicar suas declarações de que não quis, não queria e não desejava tornar-se presidente do Senado, quando só pensava nisso. Pode ser a melhor solução para o Congresso, para o presidente Lula e para o País, mas não se livrará da mancha da esperteza, que segundo seu grande amigo, o saudoso Aureliano Chaves, quando cresce muito come o esperto...
Mesmo assim será eleito
Subiu a temperatura na Câmara dos Deputados, diante da evidência de que José Sarney será o presidente do Senado. Michel Temer dispunha de 400 votos entre 513 para voltar a presidir a Casa, terá perdido uns oitenta, dado o fato de pertencerem ambos ao PMDB e de o PT andar em clima de pé-de-guerra. Falta razão aos companheiros e penduricalhos para essas defecções. Afinal, nas duas casas, o PMDB é majoritário e tem direito às duas presidências. Os petistas querem dar um susto no parlamentar paulista, se até segunda-feira o presidente Lula não tiver enquadrado todo mundo.
Nas colunas do dever e do haver, o governo terá perdido muito se Temer não for eleito, abrindo-se a hipótese de o PMDB dar o troco mais tarde, quando a candidatura de Dilma Rousseff estiver oficializada. Isso, é claro, se a chefe da Casa Civil decolar como candidata.
Apesar de tudo, se não sobrevierem inusitados, Michel Temer será eleito.
FONTE: Tribuna da Imprensa