A ida de Fernando Gabeira (PV) ao segundo turno das eleições municipais é uma dessas surpresas que o eleitor carioca costuma oferecer ao País. Quem vai enfrentar Eduardo Paes, peemedebista recém-saído do ninho tucano e sustentado pelo governador Sérgio Cabral (PMDB), na disputa pela prefeitura do Rio, é um jornalista de 67 anos, ex-guerrilheiro, escritor e político ligado a temas como meio ambiente, liberdades individuais e direito das minorias.
Gabeira tinha 4% das intenções de voto no início de agosto, segundo pesquisa Ibope, contratada pelo jornal "O Estado de S.Paulo" e Rede Globo, bem atrás dos adversários Paes e Marcelo Crivella (PRB), que na ocasião liderava a corrida com 24% das intenções de voto. Ontem, as urnas confirmaram a virada.
Gabeira vai para o segundo turno deste pleito, numa disputa que promete ser muito acirrada contra Eduardo Paes. Com 99,91% dos votos (faltando apenas 10 urnas) totalizados, Gabeira recebeu 25,62% dos votos válidos, contra 19,05% de Crivella e 31,99% de Paes. Para o cientista político e professor do Ibmec São Paulo Carlos Melo, qualquer análise do primeiro turno carioca deve começar pelo encolhimento da candidatura Crivella.
"Ele perdeu força ao longo do processo eleitoral", afirma. "Apesar do apoio de uma base religiosa, Crivella sempre teve uma rejeição muito grande e não conseguiu romper essa barreira. Não conseguiu crescer mesmo com o apoio explícito do presidente Luiz Inácio Lula da Silva." Em relação a Gabeira, Melo lembra que o Rio de Janeiro tem uma tradição "bastante interessante" de oposição.
"Basta lembrar a eleição do Leonel Brizola", cita. "Gabeira navegou um pouco nessa tendência do carioca de demonstrar um estado de crítica permanente. Ele foi bastante favorecido pelo fato de poder dizer que não tem nada a ver com isso que está aí, já que não tem ligação nem com o atual prefeito Cesar Maia (DEM), nem com o PMDB de Sérgio Cabral e do ex-governador Garotinho."
Para o professor do Ibmec, Gabeira poderia tanto ser um Quixote, um cavaleiro solitário, como empunhar a bandeira da resistência moral e do resgate de uma política diferente.
"Acho que ele conseguiu expressar esse sentimento oposicionista carioca," emendou. Apesar disso, Melo acredita que será difícil para ele capitalizar os votos de Crivella no segundo turno. "Mas pode acontecer de os intelectuais e os chamados formadores de opinião se encantarem e iniciarem um movimento que dê um certo impulso de marketing ao Gabeira."
Essa onda de adesão prevista por Melo pode ter começado antes mesmo da votação de ontem. Na reta final de primeiro turno, muitos formadores de opinião já haviam aberto seu voto em Gabeira. Cabos eleitorais famosos, como Caetano Veloso, Roberto Frejat e Adriana Calcanhoto também já aderiram a ele.
O perfil de Gabeira tem várias faces. Ele nasceu em Juiz de Fora (MG) em 1941. Aderiu à luta armada contra a ditadura. Em 1969, participou do seqüestro do embaixador americano no Brasil, Charles Elbrick. Na volta do exílio, uma foto de Gabeira usando apenas sunga lilás, de crochê, marcou o verão de 1980. Ajudou a fundar o Partido Verde. Foi para o PT e retornou ao PV. Está no quarto mandato consecutivo na Câmara dos Deputados - foi o deputado federal mais votado no Rio em 2006.
Para os eleitores mais novos, no entanto, talvez a imagem mais ligada a Gabeira seja seu discurso demolidor contra o então presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, acusado de tentar impedir a cassação de parlamentares que teriam recebido dinheiro do empresário Marcos Valério, dentro do esquema conhecido como Mensalão.
"Vossa Excelência está em contradição com o Brasil, sua presença (a de Severino na presidência da Câmara) é um desastre para o Brasil", disse Gabeira no "Ou Vossa Excelência fica calado, ou vamos iniciar um movimento para derrubá-lo." Gabeira discursou em plenário no dia 30 de agosto de 2005. Foi o primeiro a pedir a renúncia de Severino. Denunciado por cobrar propina para permitir o funcionamento de um restaurante na Câmara, Severino renunciou no dia 21 de setembro.
Fonte: Tribuna da Imprensa