Por: Carlos Chagas
BRASÍLIA - Faltava o último capítulo nessa novela de hipocrisia explícita desenvolvida em torno dos grampos telefônicos. O autor foi o ministro da Defesa, Nelson Jobim, em depoimento na CPI que investiga denúncias de escuta clandestina em telefones variados. Em suas palavras, a Lei de Imprensa tem que ser revista para proibir a divulgação de material produzido irregularmente.
A culpa de tudo, então, é da mídia, que se não tivesse publicado trechos da conversa grampeada entre o presidente do Supremo e um senador, nada aconteceria. Começa que o ilustre jurista escorregou feio no tema. A defesa do sigilo da fonte não se encontra apenas nessa lei capenga dos tempos da ditadura, até hoje em vigência parcial. Está no artigo 5º, número XIV, da Constituição. Para a concretização de seu diabólico objetivo, não adiantará mudar apenas a Lei de Imprensa, será preciso emenda constitucional.
O princípio é claro, ao assegurar a todos o acesso à informação e resguardar o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional... Quanto ao mérito da sugestão, pior ainda. É mais ou menos como quebrar o termômetro por haver registrado febre alta no paciente.
Para não cairmos no reino da má-vontade, porém, importa acentuar que Nelson Jobim teve razão ao sustentar que a Abin, a Polícia Federal e os diversos órgãos de inteligência em funcionamento têm o direito líquido e certo e dispõem, é claro, do equipamento necessário para grampear telefones de suspeitos da prática de crimes. Não poderia ser diferente, ainda que com a ressalva de tornar-se imprescindível a autorização judicial. Por conta própria, se um agente promove escuta clandestina, deve ser punido.
Mas diante de evidências a respeito da culpabilidade de quem quer que seja, precisa seguir adiante, desde que liberado por um juiz. Ainda agora, durante um mês, a Polícia Federal grampeou telefones e ambiente de trabalho da segunda pessoa de sua hierarquia, suspeita de tráfico de influência. Teria a iniciativa acontecido sem o equipamento necessário, apenas com ouvidos mágicos de alguns delegados?
Por isso a Abin e congêneres obrigam-se a trabalhar com a mais moderna tecnologia que o setor apresente. Uma nação precisa defender-se, em especial quando democrática. Adianta muito pouco determinadas autoridades negarem a existência de aparelhos que pertencem a sua própria essência. Como saber que um novo "bonde" vai chegar à favela do Alemão, por iniciativa dos narcotraficantes? Ou que determinado banqueiro faz trambiques diários, enviando dinheiro para paraísos fiscais e trazendo tudo de volta, livre de impostos?
Mesmo assim, nas colunas do deve e do haver, o ministro da Defesa fica devendo ao investir contra a imprensa, como se ela fosse a culpada pelas trapalhadas acontecidas. Torna-se necessário rever a Lei de Imprensa, atualizá-la precisamente em função dos direitos e garantias constitucionais. Jamais transformá-la num instrumento pior do que já foi antes da Constituição de 1988.
Sobre registros em cartório
Terá sido a melhor e mais elogiável entrevista concedida pelo presidente Lula desde que assumiu. A referência é para a conversa de uma hora mantida com três jornalistas da TV Brasil, quarta-feira. Perguntas duras, que poucas emissoras privadas teriam autorizado seus repórteres a fazer, foram respeitosamente colocadas diante do chefe do governo. E a todos ele respondeu, revelando vivacidade e intuição. Por certo que defendeu sua administração, seus planos e programas, não se esquivando sequer de temas polêmicos, como o aborto e a união civil entre pessoas do mesmo sexo.
Numa oportunidade, de forma significativa a final, disse Lula que registrará em cartório toda a obra de seu governo, para que seu sucessor se veja obrigado a fazer mais do que terá feito um torneiro-mecânico. Só hesitou na questão complementar, sobre se registraria em cartório, também, a disposição de rejeitar o terceiro mandato.
Apesar de reafirmar que sai do governo no primeiro dia de janeiro de 2011, que não aceita permanecer e que a democracia constitui valor a exigir respeito, o presidente saltou de banda em termos de registrar essa disposição em cartório.
Há quem suponha haver-se lembrado de que José Serra, antes de eleito prefeito de São Paulo, registrou a decisão de cumprir até o último dia seu mandato na prefeitura. Dois anos depois, esqueceu a promessa e o documento, renunciando para eleger-se governador do estado. O passado não nos diz o que fazer, mas, ao contrário, aponta sempre o que devemos evitar...
A conta chegou agora
Longe de tratar-se de um inusitado de segunda-feira, permaneceu durante a semana inteira a queda bem mais acentuada do valor das ações na Bovespa do que na Bolsa de Nova York. Algo à primeira vista inexplicável, porque a crise econômica é lá, não aqui. Pela palavra do ministro da Fazenda e do próprio presidente da República, nossa economia é forte, encontra-se ancorada em 200 bilhões de dólares de reservas, e nossas empresas vão muito bem.
Como, então, justificar a contradição de que em média a Bolsa de Nova York caiu 4.5 pontos diários, e a Bovespa, não menos do que 6.5 pontos? Se o prejuízo deve-se à retirada de capitais estrangeiros especulativos que repousavam na Bovespa, a conclusão será de que nossa economia não andava tão bem assim. E que se o processo continuar como vai, sofreremos até mais do que os americanos.
Só dessa diferença de números emerge um dos maiores crimes de lesa-pátria praticados nos últimos tempos, desde que Fernando Henrique Cardoso reinventou o verbo "flexibilizar", acabou com monopólios essenciais á nossa soberania, privatizou patrimônio público a preço de banana podre e permitiu a presença no Brasil do capital-motel, aquele que chega de tarde, passa a noite e vai embora de manhã depois de haver estuprado um pouquinho mais nossa economia.
Aí está o resultado da adesão do sociólogo ao neoliberalismo selvagem. Tivesse adotado o modelo chileno, por exemplo, não estaríamos na beira desse precipício. No Chile, o capital estrangeiro que chega tem direito a justa remuneração, mas obriga-se a permanecer no país por prazo razoável, sem poder escafeder-se feito ladrão, como aqui. A conta da irresponsabilidade, para dizer o mínimo, está chegando agora...
E a recíproca, será verdadeira?
Tira o ministro da Educação, Fernando Haddad, um novo coelho da cartola. Para não sofrer represálias da maior parte das empresas jornalísticas, mas, no reverso da medalha, para não enfrentar a má-vontade da maioria dos jornalistas inventaram solução inócua para a questão do diploma profissional. Tirou de cima do muro a sugestão de que o diploma de jornalista deve continuar necessário para o exercício da profissão, mas o possuidor de outro diploma universitário qualquer poderá tornar-se jornalista, desde que curse umas poucas matérias específicas dos cursos de Comunicação.
Com todo o respeito, é bobagem. Será que a moda pode pegar em outras atividades? Um jornalista que freqüente alguma aula de anatomia e um curso relâmpago de cirurgia terá direito ao diploma de médico? Por possuir uma bela voz um apresentador de televisão, se cursar um mês de Direito Constitucional, terá a prerrogativa de tornar-se advogado?
Pois é, ao jovem ministro parece estar faltando coragem. Com raras exceções, as empresas de comunicação dedicam-se a campanhas periódicas contra o diploma de jornalista porque se insurgem contra os reclamos e exigências de uma categoria forjada nos bancos universitários, capaz de lutar tanto pela liberdade da notícia quanto por melhores salários.
O diploma tornou-se uma conquista, à maneira de outras profissões. Até a Idade Média podiam exercer a medicina quantos curandeiros conseguissem enganar os trouxas. O mundo andou para frente e médico, hoje, só com diploma. A mesma coisa com advogados, engenheiros e tantos outros profissionais.
Acresce ser uma falácia essa história de que o dom de escrever, imprescindível ao jornalista, nasce com a pessoa, não é adquirido na universidade. Nem isso é verdade como, mais importante ainda, o dom de escrever faz o escritor, que jamais foi ou será impedido de colaborar nos jornais, revistas e congêneres. O jornalista não é nem melhor nem pior do que o escritor. Apenas, é diferente. Necessita adquirir um cabedal de conhecimentos variados, dos técnicos aos humanos. E se os cursos de comunicação deixam a desejar, que sejam modificados e aprimorados. Mas jamais se tire o sofá da sala para acabar com o adultério...
Fonte: Tribuna dea Imprensa