BRASÍLIA - Um dia depois de o ministro da Justiça, Tarso Genro, defender a punição para militares que praticaram a tortura durante o regime militar (1964-1985), o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Celso de Mello, deu sinais de que a tese não deve prosperar no STF.
O argumento principal usado em outros países para rever a anistia - de que o salvo-conduto era concedido por ditadores em benefício próprio - não vale para o Brasil, na avaliação do ministro do STF. No Brasil, disse ele, a Lei de Anistia, de 1979, favoreceu igualmente militares e guerrilheiros de esquerda.
Essa auto-anistia feita em alguns países é considerada ilegal pela jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, à qual o Brasil está submetido. Nesses casos considerados ilegais, houve auto-concessão de anistia pelos ditadores que estavam prestes a deixar o poder. "Será esse o caso brasileiro? A mim não me parece que seja", argumentou Celso de Mello.
Na avaliação do ministro, a anistia no Brasil foi concedida aos dois lados opostos na ditadura: militares e militantes de esquerda. Portanto, não se configuraria uma auto-anistia. "No caso brasileiro, os destinatários (da anistia) foram todos os que se enquadraram nos requisitos da lei. Não se direcionou neste ou naquele sentido, com a finalidade de beneficiar este ou aquele grupo, muito menos de privilegiar os que usurparam o poder com o golpe de 1964", acrescentou.
Além disso, outros ministros do Supremo lembram, ao tratar do assunto, que a palavra "anistia" significa "esquecimento", um sinal claro de que não é intenção do tribunal remexer nesse assunto. E adiantam que se a anistia for revista, os militantes de esquerda também serão atingidos. Apesar dessas avaliações, os ministros, inclusive Celso de Mello, negam-se a adiantar uma avaliação sobre uma possível alteração na lei pelo Congresso Nacional, porque qualquer que seja a decisão, o assunto fatalmente acabará no STF.
Sancionada em 1979, pelo então presidente João Figueiredo, a lei concedeu anistia a todos que cometeram "crimes políticos ou conexo com estes" e aos que "tiveram seus direitos políticos suspensos" no período entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979.
Em São Paulo, o Ministério Público na discussão e já moveu ações civis contra dois ex-comandantes do Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) - os coronéis reformados do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Santos Maciel. E pode acionar penalmente, em todo o País, militares responsáveis por homicídios e desaparecimentos de militantes políticos.
O entendimento dos procuradores responsáveis pelas ações, ao contrário do que disse Celso de Mello, é de que a Lei de Anistia beneficiou justamente os militares. "Se nós interpretarmos que a Lei de Anistia favoreceu os autores de atos de torturas que eram integrantes do governo, teríamos na verdade uma auto-anistia, porque a lei foi proposta pelo próprio governo que praticou esses atos. Isso é inválido", disse Eugênia Fávero, uma das responsáveis pelas ações contra os militares em São Paulo.
Fonte: Tribuna da Imprensa