domingo, agosto 03, 2008

Brasília - Lista suja de Juízes

Mauricio Dias
A Procuradoria-Geral da Justiça Militar encaminhou, na quinta-feira 31, ao Ministério Público Federal o relatório da investigação feita a partir de uma denúncia anônima, recebida em 2007, que revela supostas irregularidades com os imóveis funcionais administrados pelo Exército. Os danos materiais são pequenos, os morais são imensos. O episódio escancara uma relação promíscua das muitas que existem na cidade. Nesse caso, entre militares e juízes. Nova capital, velhos costumes. O urbanismo de Lucio Costa e a arquitetura de Niemeyer formam um cenário moderno para a exibição de velhos costumes, como, por exemplo, o de arriscar a reputação pela manutenção de privilégios. Há seis magistrados do Tribunal Federal de Recursos ocupando irregularmente apartamentos funcionais destinados, por lei, a oficiais da ativa. Caroneados, eles são forçados a pagar o aluguel com o próprio soldo, que, como se sabe, não deixa margem para gastos extras. A utilização irregular dos apartamentos, até onde foi apurado pela promotora Ione Cruz, está confirmada pelo Ofício nº 024, de 29 de janeiro de 2008, enviado pela Prefeitura Militar de Brasília (PMB), que cuida dos imóveis. A administração militar informou que tentou recuperar os imóveis, mas esbarrou na resistência de alguns ocupantes. Os juízes federais que ocupam os imóveis do Exército pagam apenas 196 reais por um apartamento, que, no mercado, têm um aluguel em torno de, aproximadamente, 2 mil reais. No relatório da promotora há uma espécie de “lista suja” com sinal invertido. Nesse caso, os juízes não fazem a lista. Estão na lista. A seguir, a lista com as observações feitas pela Prefeitura Militar: 1. Antonio Sávio de Oliveira Chaves – SQS 104K – Não responde correspondência enviada. 2. Luiz Gonzaga Barbosa Moreira – SQS 104K – Não responde correspondência enviada. 3. João Batista Gomes Moreira – SQS 104k – Informou que, “a depender de sua estrita conveniência”, permaneceria, como permaneceu, no imóvel até poder adquirir um compatível com suas necessidades. Posteriormente, disse que o desocuparia “em prazo razoável”, desde que o prazo fosse válido para todos os outros magistrados. 4. Vallisney de Souza Oliveira – SQS 104K – Apresenta resistência em desocupar o imóvel. 5. Daniel Paes Ribeiro – SQS 104K – Não responde correspondência enviada. 6. Jamil Rosa de Jesus – SQS 115 E – Afirma que sairá até julho de 2008. A procuradora não identificou crime militar no episódio. Mas, ao encaminhar o relatório à Procuradoria da República, abriu caminho para a apuração das supostas irregularidade. Caso não fosse isso, mandaria arquivar. ::Proibido encontrar provas? A ação dos advogados brasileiros no sentido de blindar os escritórios de advocacia contra as ações da Polícia Federal pode ser a semente de um novo privilégio a ser plantado na sociedade brasileira. Há uma reação ao projeto de lei que estende “o direito à inviolabilidade do escritório ou local de trabalho”. Ela parte do princípio de que o destinatário da proteção constitucional, o direito de defesa, é o defendido e não o defensor. Mesmo assim, a Constituição permite busca e apreensão no domicílio do próprio investigado, embora ele seja considerado, constitucionalmente, um “asilo inviolável”. Ficaria estranho, assim, que a busca não pudesse ser feita no escritório do advogado cuja inviolabilidade consta do Estatuto da OAB, uma lei ordinária. Não passa sem ser notado que a proposta em pauta se refere ao “escritório” e, igualmente, ao “local de trabalho”. Como todo advogado, pela natureza do que faz, usa a casa também como escritório, a proteção que se busca a deixaria inviolável por conseqüência. Mas por que não se poder colher provas, judicialmente autorizadas, no escritório do advogado, nas redações ou na sacristia, ainda que o padre não seja obrigado a dizer o que veio a saber por força do seu ministério? Se provas podem ser encontradas nos escritórios de advocacia, como já ocorreu, o que parece estar em discussão é a proibição de encontrar. ::Andante Mosso Cena paraguaia A esperança dos paraguaios pesa sobre os ombros do ex-bispo Fernando Lugo. Surgiu agora o movimento “Liberem a Internet”, que, no dia 30, entregou um abaixo-assinado ao presidente eleito pelo fim do monopólio na rede. O Paraguai só tem um servidor. Uma empresa da parceria entre a iniciativa privada e o poder público. Ela ainda não oferece banda larga. A modernização do país, engessado pela ditadura de 35 anos do general Stroessner, exige quase um milagre. Tarefa mais apropriada a um religioso do que a um político. Guerra do IPVA O prefeito carioca, Cesar Maia, distribuiu fotos de carros do governo do estado emplacados no Paraná. Atirou pedras no que chamou de “contribuição generosa aos governos do Paraná e de Curitiba”. Uma das pedras espatifou o telhado de vidro do prefeito. Ele cochilou. A prefeitura, por meio da Companhia Municipal de Limpeza Urbana, também engorda os cofres paranaenses. Com os serviços terceirizados, a mesma empresa que serve aos dois governos busca imposto menor no Paraná, onde, também, não se faz vistoria anual dos veículos. Só rindo Em “Nota Técnica” ao presidente Lula, em defesa do projeto de lei que torna invioláveis o escritório e o local de trabalho do advogado, a OAB cita o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal. Ao comparar as ações da Polícia Federal a uma “escalada de invasão de privacidade”, o ministro atropela um fato: a PF age a pedido de um delegado, com endosso do Ministério Público e autorização de um juiz. Para Mello, a escalada “poderá nos levar, todos nós, a um triste destino. Triste e doloroso destino. Os próximos seremos nós”. Ele anuncia filme de terror e exibe comédia barata. Sem saída Em entrevista ao jornal Extra, no dia 29, o secretário de Segurança do Rio, José Mariano Beltrame, disse que a violência é uma questão cultural “que o marginal traz do ventre da mãe”. Uma declaração aterradora. O número de mortos que resultam da política de confronto na cidade, exposto ao preconceito do argumento de Beltrame, empurra o governador Sérgio Cabral para o canto do ringue. A urna treme Os sismômetros informais detectaram vibrações expressivas na campanha eleitoral para a prefeitura do Rio de Janeiro. Acima da terra acusaram o seguinte: no território do senador Crivella quatro pontos abaixo; no de Eduardo Paes, seis pontos acima. A área de Jandira Feghali não foi atingida. No subsolo não houve registro além dos erros técnicos. Lógica indiana Os indianos não surpreenderam o Brasil na Rodada de Doha. Quando G-20 foi criado, ficou claro, entre os dois países, que o objetivo comum, enfrentar os EUA e a União Européia, era mais importante que as divergências pontuais. O Brasil é um dos mais agressivos exportadores agrícolas e a Índia é um grande importador de alimentos. Por isso, a política sucumbiu ao pragmatismo. A voz do Brasil Embora tenha participação de apenas 1,08% no comércio internacional, o Brasil mostrou na Rodada de Doha que se transformou mesmo em um “ator global”, como deu no New York Times. Dados consolidados de 2007 mostram a insignificância desse porcentual: os EUA participaram com 10,89%; a China, com 8,41%; a Alemanha, com 8,27%, e o Japão, com 4,76%. O que tornou importante a voz do Brasil foi a capacidade de articulação política do chanceler Celso Amorim. Sem a criação do G-20, a expressão internacional do País seria proporcional ao modesto 22º lugar no ranking comercial elaborado pelo Fundo Monetário Internacional Voto encurralado As milícias, força emergente no mundo marginal no Rio de Janeiro, disputam com o tráfico o controle dos votos nas favelas. A formação de “currais eleitorais” não é coisa nova nessas comunidades. No plebiscito de 1993, o traficante Dudu da Rocinha reuniu os auxiliares para decidir a orientação que daria aos eleitores. Ele quis saber o que era o parlamentarismo. Ninguém soube responder. Diante desse impasse, decidiu: “Já que ninguém sabe, vamos votar no presidencialismo. Esse a gente já sabe como funciona”.
Mauricio Dias
Fonte: Carta Capital