Por: Carlos Chagas
BRASÍLIA - Com todo o respeito, mas, se não for ingenuidade, será burrice essa proposta de utilização de forças policiais para proteger candidatos e jornalistas nas campanhas eleitorais, quando em visita a favelas e periferias do Rio. Quer dizer que soldados e equipamento existem para zelar pela segurança dos pretendentes à prefeitura local e dos profissionais de imprensa que os acompanham, mas para garantir as comunidades e combater o narcotráfico e a violência, não?
Integrem a Força-Tarefa, a Força de Segurança Nacional, a Polícia Federal, a Polícia Civil e a Polícia Militar, os agentes da lei só vão aparecer de forma organizada no período eleitoral? E mesmo assim, unicamente para dar cobertura a candidatos e jornalistas?
Parecem habitar o mundo da lua o ministro da Justiça, Tarso Genro, o deputado Raul Jungman, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Carlos Ayres Brito, o governador Sérgio Cabral e outros patrocinadores e entusiastas dessa ação discriminatória e elitista prestes a ser formalizada.
Faz muito que a polícia deveria estar estacionada nos morros, combatendo os narcotraficantes e as milícias pelos crimes muito mais graves que cometem, além de tentarem influir no resultado das eleições. O tiro sairá pela culatra se vão subir especificamente para dar tranqüilidade aos caçadores de voto e aos meios de comunicação.
Ao flagrar um bandido vendendo cocaína enquanto um candidato faz comício, como agirá o policial postado às costas do orador, se o animal (o narcotraficante, é claro) nem se interessar pela proibição daquele monte de mentiras lançadas sobre a população? Diante de um miliciano que recolhe as "contribuições" do comércio local e dá de ombros para discurso entusiasmado continuará o policial defendendo o microfone e os alto-falantes?
Não se trata de achar supérflua a garantia do processo eleitoral, mas de entender que a ação policial precisaria ser muito mais ampla e permanente, contando com o apoio de todas as autoridades. Não só nos meses que antecedem as eleições, mas o ano inteiro...
Exploração descabida
Alguém já escreveu ser o passado o nosso maior tesouro, não porque nos dirá o que fazer, mas precisamente pelo contrário: o passado nos diz sempre o que evitar. Virou moda, em especial desde os tempos do sociólogo, rotular de anacrônico tudo o que é passado. Modernidade transformou-se em rejeição de quaisquer lições vindas de trás.
Houve tempo, no passado, em que os governos brasileiros defendiam o patrimônio público. Leis coibiam a exploração descabida da riqueza nacional, como a que tratava de limitar a remessa de lucros pelas multinacionais. Fernando Henrique Cardoso acabou com tudo, baseado na tal flexibilização que abriu portas e janelas para o capital estrangeiro, mais do que entrar, sair levando o que bem entende.
O resultado aí está, conforme números do Banco Central: no primeiro semestre deste ano nossas contas externas registraram o déficit de 17 bilhões e meio de dólares, sendo que, no período, as empresas estrangeiras levaram para seus países de origem 18 bilhões e 99 milhões.
Getúlio Vargas, na contundente carta-testamento que deixou, antes de matar-se, denunciou as tentativas malogradas que fez para impedir a sangria. Ironicamente, foram os governos militares, contrários a Vargas, que estabeleceram leis limitando a remessa de lucros. Coisa praticada por muitas nações latino-americanas, do México ao Chile. Pois veio FHC e demoliu nossas defesas, inclusive a que determinava às multinacionais reinvestirem no Brasil parte de seus lucros.
As comportas foram abertas e, mais estranho ainda, Lula nada fez para fechá-las ao menos um pouquinho. Mais grave do que a evasão de recursos de cidadãos e de empresas brasileiras para paraísos fiscais, de onde podem retornar lesando o fisco, são as remessas das multinacionais, que não retornam. Em poucos anos o capital aqui investido bate asas, e continua fluindo aos montes sem que o governo dos trabalhadores se incomode. Mesmo sabendo-se que boa parte desses quase 19 bilhões de dólares foi fruto do trabalho nacional.
Coincidências ou recado?
Qual a leitura a fazer da autorização dada pelo presidente Lula a seus ministros para que se engajem nas campanhas dos candidatos a prefeito de seus respectivos partidos, ou de aliados, nos seus estados e em outros que bem entenderem? Todos, menos José Múcio, por tratar-se do coordenador político do governo, e Dilma Rousseff, candidata do presidente à sucessão de 2010. Os dois estão liberados apenas para participar do processo eleitoral em seus estados de origem, Pernambuco e Rio Grande do Sul.
Os otimistas, no ministério, imaginam tratar-se de uma estratégia capaz de reforçá-los junto ao presidente e de ao mesmo tempo reforçar o governo, empenhado em eleger a maioria dos prefeitos de seus partidos da base, com ênfase para as prefeituras das capitais. Seria um esforço liderado pelo Lula, apesar dele mesmo poupar-se, disposto a participar de poucas campanhas, como em São Paulo.
Já os pessimistas supõem estarem submetidos a uma espécie de teste. Aqueles que freqüentarem palanques de candidatos derrotados em seus estados, e em outros, terão demonstrado pouca influência política, capazes, assim, de ser substituídos naquela que será a derradeira reforma ministerial do segundo governo, logo depois de conhecidos os resultados das eleições.
De um jeito ou de outro, os ministros estão em sinuca. Engajar-se em candidaturas de pouca expressão poderá representar passaporte para a demissão. Aderir a candidaturas de outro partido que não o deles equivalerá a receber diploma de traidor.
Saltando de banda
Começou na Bahia, terça-feira, e se estenderá por todos os estados que o presidente Lula freqüentar, até as eleições: nas solenidades administrativas, de inauguração, lançamento ou fiscalização de obras, não quer candidatos no palanque, mesmo dos partidos que o apóiam e até do seu próprio partido.
A decisão envolve o desconforto de assistir mais de um candidato a seu lado, em especial os que se lançam em disputas contundentes. Afinal, são 14 partidos integrando a base parlamentar governista.
Mas tem azeitona nessa empada. Outro motivo para o expurgo de candidatos, em especial nas prefeituras das capitais mais importantes, refere-se à disposição de o presidente poupar-se, evitando apoiar derrotados. Em 2010 não deixaria de ser apresentada pelos adversários sua imagem levantando as mãos de alguém rejeitado pelo eleitorado. No máximo, o presidente abrirá uma exceção para Marta Suplicy, em São Paulo, por dever de ofício.
Mesmo para o segundo turno, essa disposição parece que vai valer. Como diziam nossas avós, "Seguro morreu de velho"...
Fonte: Tribuna da Imprensa