sexta-feira, julho 18, 2008

Impeachment do ministro ou desencanto com a Justiça?

"Imagine-se o que aconteceria a um juiz se desatendesse a qualquer exigência do rei e sua família ou até de algum favorito ou fâmulo real". (Moreira de Azevedo, sobre juízes do Império)
Na manhã desta sexta-feira, 18 de julho de 2008, numa manifestação de rua puxada por alguns jovens indignados, uma Brasília perplexa ouvirá o primeiro grito de desencanto que terá como alvo principal sua excelência o ministro Gilmar Mendes, elevado ao Supremo Tribunal Federal por obra e graça de um sistema em que a mais alta corte do País sai da pena do chefe do Poder Executivo.
A previsão é de tempo ensolarado com temperatura amena que, às dez horas da manhã, quando os manifestantes se encontrarão nas escadarias do Congresso Nacional, deverá registrar em torno de 21 graus.
O ato é convocado como a erupção espontânea de um tumor. Ao meu conhecimento, chegam 8 assinaturas, entre as quais a do jovem Yuri Soares Franco, diretor do Centro Acadêmico de História da Universidade Nacional de Brasília, cuja inquietação acompanho a distância pela troca de e-mails.
Com ele, assinam o chamamento, com a pureza brancaleone, os brasileiros Bruno dos Reis Fonseca - estudante de Geografia da UnB; Carla Bezerra - secretária de juventude do PT-DF; Cícero Rola - diretor de comunicação da CUT-DF; Cláudia Maya - vice-presidente da União Nacional dos Estudantes no DF; Marcos Zimmermann Fiegenbaun, de São Leopoldo (RS), Rafael Holanda Barroso - diretor do Centro Acadêmico de Ciência Política da UnB e o Centro de Documentação e Apoio aos Movimentos Populares - Campo Grande/MS.
O protesto tem um objetivo inédito, porém da maior oportunidade: os que lá estiverem, poucos ou muitos, personificarão os milhões de indignados que atravessam a internet de fio a pavio com seus e-mails amargurados e os outros milhares que expressaram suas opiniões nos jornais pelos espaços dos leitores.
Eles querem que se discuta o impeachment do ministro Gilmar Mendes, por conta de suas inconvenientes decisões que favoreceram o banqueiro bilionário Daniel Valente Dantas, livrado de uma prisão temporária de 5 dias em nome do regime de direito que é mais invocado quando a "vítima" é um homem de bens do seu quilate.
Onça com vara curta
O ministro certamente está mais do que tranqüilo. Para quem percorreu com desenvoltura os meandros do poder que levaram Fernando Henrique Cardoso a anunciar sua ida para o STF mesmo quando ainda não havia sido aberta nenhuma vaga, essa movimentação soa como uma quixotesca demonstração do mais onírico irrealismo.
Estão cutucando a onça com vara curta. Se até o juiz concursado e inatacável vai para o banco dos réus por ter divergido do chefe supremo do Poder Judiciário, apesar da solidariedade de um punhado de bravos colegas, como essa meia dúzia de quase meninos ousa expressar na rua o grito que está parado no ar?
Se os delegados que passaram quatro anos queimando a mufa para desbaratar a sofisticada rede criminosa são desonradamente afastados da investigação, apesar do clamor geral e do desconforto causado, como pode aparecer alguém de calças curtas para questionar o majestoso tratamento dado ao bilionário plutocrata?
De certo, o senhor presidente do Supremo Tribunal Federal, que foi recebido com todo respeito pelo chefe do Poder Executivo, há de considerar todas as manifestações uma ofensa ao Poder Judiciário, às leis, à Constituição, à hierarquia e ao estado de direito. Não está em jogo, para ele, o duplo habeas corpus em benefício do banqueiro que quis molhar a mão do delegado Victor Hugo com a bagatela de 1 milhão de dólares.
Sim, porque, como é parte deste regime de direito, decisão judicial não se discute, cumpre-se. Pode ser atrabiliária, estapafúrdia, tendenciosa, pode ser o que for: ai de quem se negar a cumpri-la, que isso poderá custar no mínimo o xilindró de que o ministro Gilmar livrou o celebrado banqueiro.
E, para sermos justos, o senhor ministro Gilmar Mendes está sendo barbaramente injustiçado, como se fosse o único magistrado a espelhar-se em Luiz XVI, para quem o estado era ele.
Já que a Associação dos Magistrados do Brasil e as entidades do Ministério Público e da Polícia Federal decidiram questionar a dupla libertação do vitorioso banqueiro, por que não questionam o próprio sistema que produz ministros e desembargadores por critérios políticos, segundo a balança do poder inter corporis?
Ou você não sabe que só se faz concurso para juiz de primeira instância? Que são diferentes os méritos para chegar à segunda instância, à terceira e ao Supremo?
O jogo da corrupção
Na segunda-feira, transcrevi uma entrevista da juíza Márcia Cunha de Carvalho, que passou de titular da 2ª Vara Empresarial para auxiliar do juiz Ayub, na 1ª Vara. Do que ela declarou com todas as letras ao jornal "O Globo", assustada depois de contrariar os interesses de Daniel Valente Dantas, duas informações precisam ser relidas para que possamos entender o universo de um poder em que seus titulares, mesmo os nomeados, ganham cargos vitalícios até os 70 anos de idade.
"Fui nomeada titular da vara em dezembro do ano passado (2004). Em fevereiro, uma pessoa contatou meu marido e disse: `Vi que você tem acesso a diversos desembargadores e juízes de vara empresarial. Queria trabalhar junto, fazer parcerias'. Meu marido, aposentado e advogado, acabara de montar um escritório. A pessoa queria que ele advogasse para o Opportunity, oferecendo um contrato astronômico, em que o cliente pagaria todo mês um valor certo, tendo ou não ação. No caso, um grande mensalão. Tenho prova de que ele fez a oferta".
No final do seu desabafo, a juíza Márcia Cunha declarou:
"Eu entendi aquilo como uma tentativa de corrupção. Por que eles iam escolher o meu marido, com um escritório que estava começando, oferecendo uma vantagem tão grande? Qual o interesse deles? Só isso. Soube depois que esse tipo de abordagem não foi só comigo. Outros colegas que tinham processo no Opportunity sofreram este tipo de abordagem".
Em suma, por hoje, devo dizer, sem querer tirar razão dos garotos de Brasília, que não há nada mais precário do que tentar enfrentar os rumos do absurdo adotados por boa parte da Justiça com a imolação de um ministro do Supremo.
Há muito mais a questionar, se a intenção é realmente resgatar a responsabilidade do Judiciário imaginada por Montesquieu, quando pugnou pela independência dos juízes no florescer do quimérico estado de direito.
Do contrário, tudo o que agora se fizer soará como uma primária tentativa de enxugar gelo.
coluna@pedroporfirio.com
Fonte: Tribuna da Imprensa