quarta-feira, julho 09, 2008

A grande farsa

Por: Carlos Chagas
BRASÍLIA - Depois, ficam indignados quando a gente escreve ser tudo uma farsa. Mas é. O atual Congresso, para não falar nos anteriores, nada fez até agora para viabilizar a reforma política. Limitou-se a bancar o falso esquartejador, anunciando que iria por partes, mas nada de importante virou lei, quer dizer, nem limitação do número de partidos, nem financiamento público de campanhas, nem voto distrital, muito menos fim da reeleição.
Da mesma forma o presidente Lula, que desde 2003 dizia ser a reforma política da exclusiva competência do Congresso e agora assume a liderança retórica da proposta.
Onde está a farsa? No fato de que sequer este ano fizeram qualquer coisa concreta, apesar de decorrido um semestre. Só agora, na véspera das férias parlamentares e a um passo do recesso branco pré-eleitoral, é que anunciam a hora de mudar as instituições político-partidárias. Placidamente, deixaram que o Judiciário ocupasse todos os espaços. Os tribunais legislaram sem ser incomodados.
Acordaram Congresso e presidente, mas em plena madrugada. Continuarão de pijamas. Nada farão, apesar do jogo de cena. Sequer propostas pacíficas se desenvolverão, quanto mais as polêmicas.
Fica cada vez mais claro que nada mudará no que depender do Congresso e até do Executivo. Mas como é preciso demonstrar o contrário, ocupam colunas de jornal e tempo nas telinhas e microfones anunciando iniciativas de toda ordem. Também, como exigir de deputados e senadores que alterem a lei e contrariem seus próprios interesses? Ou pretender que o presidente da República crie dificuldades ao seu partido?
Golpe na lógica portuguesa
Nossos avozinhos são historicamente conhecidos pela lógica implacável. Ninguém esquece a história do turista brasileiro que, dirigindo pelo interior de Portugal, perdeu-se e indagou de um camponês se aquela estrada seguia para Lisboa.
A resposta foi seca: "Não senhor". O carro seguiu mais cem metros e o turista encontraram uma placa indicando o caminho da capital. Irritado, voltou para protestar contra o péssimo informante, que retrucou haver dito a verdade: "A estrada não vai para Lisboa, meu senhor. A estrada fica aqui. Quem vai para Lisboa são os automóveis..."
Pois até em Portugal anda tudo de pernas para o ar, inclusive a lógica. O atual presidente da União Européia, o português Durão Barroso, interpelou o presidente Lula, ontem, no Japão. Exigiu garantias de que o Brasil não planta cana-de-açúcar na Amazônia, derrubando a floresta, e de que não estamos substituindo a cultura de grãos pela matriz do etanol.
Ora, pois, pois. Pela lógica, o ônus da prova cabe a quem acusa não ao acusado. Perde o raciocínio luso sua maior característica, certamente por malandragens econômicas, já que o etanol brasileiro contraria os interesses do tal G-8, clubinho dos países mais ricos do planeta.
Quanto à presença do Lula na ilha de Hokaido, acertou quem previu apenas frustrações. Nos encontros isolados com chefes de governo e nas participações em diversas reuniões, o presidente brasileiro não avançou um centímetro na conquista de clientes para nossa energia alternativa e renovável. De toda a sua agenda de ontem, a conversa mais importante foi com um grupo de metalúrgicos brasileiros que trabalham no Japão, todos descendentes de japoneses, mas ávidos de retornar ao Brasil...
Chega a ser hilariante a promessa dos países ricos que se comprometeram a reduzir a emissão de gases poluentes em seus territórios, mas até 2050. Naquele ano, quem garante estar a Humanidade ainda por aí?
Apesar de tudo, valeu
Mereceu elogios a surpreendente prisão pela Polícia Federal, ontem, de Daniel Dantas, Nagy Nahas e Celso Pitta. Uns por respeito à Justiça, outros por ressentimento, estes por inveja, aqueles porque acreditam na lei, a verdade é que o País saudou a iniciativa como evidência de que as instituições podem funcionar. Ainda que todo cidadão deva ser considerado inocente até que se lhe prove a culpa, são densos os indícios de que os três enjaulados envolveram-se em lambanças financeiras.
As apostas começaram logo depois de conhecida a informação das prisões: quantos dias, ou quantas horas, eles permaneceriam vendo o sol nascer quadrado? Mesmo assim, valeu o episódio como demonstração de que certas pessoas podem muito, mas não podem tudo. Se até Paulo Maluf ficou mais de um mês na cadeia da Polícia Federal, porque o banqueiro, o especulador e o ex-prefeito ficariam de fora?
Em defesa de quem?
Desperta curiosidade a Advocacia Geral da União, por haver se manifestado contra a iniciativa da Associação dos Magistrados do Brasil, que impetrou ação visando proibir o registro de candidatos às eleições de outubro respondendo a ações penais. Caberá à Justiça Eleitoral pronunciar-se outra vez sobre o mérito da questão, já havendo jurisprudência no sentido de que os registros só serão negados para candidatos com sentenças condenatórias transitadas em julgado.
A AGU saiu em defesa do óbvio, mas por quê? Terá sido para defender candidatos dos partidos da base governista que respondem a processos e ficaram apreensivos? Uma ajudazinha a certos companheiros? Ou atendendo um pedido do presidente Lula, que não faz muito sustentava o contrário, ou seja, pelo menos a divulgação de listas com o nome de candidatos enfrentando ações penais? Todo efeito tem causa, mas essa parece difícil de ser decifrada.
Fonte: Tribuna da Imprensa