quinta-feira, julho 31, 2008

A AMB, as listas e o princípio da inocência

Ulisses César Martins de Sousa*
Teve grande repercussão a divulgação pela Associação dos Magistrados do Brasil da relação de candidatos que, na ótica daquela instituição, teriam a "ficha suja", por responderem a ações penais ou de improbidade administrativa. Segundo o Presidente da Associação dos Magistrados a divulgação desses nomes "constitui ação concreta em favor do Estado democrático de Direito e do aperfeiçoamento do sistema de representação política no Brasil".
Esse fato traz à imediata reflexão dois outros temas. O primeiro, a reação dessa mesma AMB em face da divulgação pela OAB-SP da lista dos juízes que teriam violado as prerrogativas profissionais dos advogados. O segundo, o valor atual do princípio da inocência.
Todos lembram da feroz reação da AMB à divulgação da lista dos magistrados que teriam violado as prerrogativas profissionais dos advogados. Argumentava a AMB, em nota oficial divulgada em novembro de 2006, que a iniciativa da OAB/SP agredia "não só as autoridades relacionadas na lista, mas, especialmente, a Constituição Federal (clique aqui) e os mais basilares fundamentos do Estado Democrático de Direito".
Pelo visto esse discurso vale apenas para os magistrados. O que diria então a AMB se fossem divulgadas as listas dos Juízes que respondem as processos na Justiça Criminal, nas Corregedorias dos Tribunais de Justiça e no Conselho Nacional de Justiça? Esses dados também são públicos, ou pelo menos deveriam ser. O jurisdicionado não teria o direito de conhecer essa lista e, quem sabe, optar por não ser julgado por esses magistrados? Qual seria a posição da AMB se essas listas fossem divulgadas? E a Constituição Federal e os mais basilares fundamentos do Estado Democrático de Direito, citados pela nota da AMB publicado em repúdio à lista divulgada pela OAB/SP, será que não foram violados com a divulgação da relação dos candidatos que respondem a processos?
Quanto ao princípio da inocência, tem-se que esse jamais foi tão desrespeitado. A presunção de que o cidadão é inocente até o trânsito em julgado de sentença condenatória, ao que parece, não vale mais nada para alguns. Segundo o Ministro da "Justiça", cabe ao acusado provar na Justiça Criminal que é inocente, ou seja, não é mais o Estado que precisa provar que o cidadão é culpado.
O pior de tudo é que tramita no Congresso Nacional um Projeto de Lei, já aprovado na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, que pretende tornar inelegíveis aqueles que respondam a processos criminais ou a ações de improbidade administrativa. Isso representa um verdadeiro retrocesso ao pretender trazer de volta ao ordenamento jurídico regra que vigorava na época da ditadura. Ou seja, agora antes mesmo da condenação definitiva, pretendem apenar o cidadão com a perda de seus direitos políticos. Isso em um país em que as instituições ainda são largamente utilizadas para perseguir os adversários e proteger os aliados daqueles que temporariamente detém o poder político e no qual inquéritos policiais são sigilosos para os investigados e públicos para a imprensa. E, o que é pior, onde muitas vezes alguns inocentes são acusados como forma de proteger os verdadeiros culpados.
Creio que já passa da hora de refletirmos sobre esses temas. Não se pode admitir que venham a prevalecer essas posições absurdas que agora surgem com tanto vigor. Não podemos ficar calados diante desse estado de coisas.
A regra, nos "espetáculos" que agora assistimos é realizar em primeiro lugar a condenação moral dos "investigados" ou dos "acusados" e, depois, apurar se estes realmente cometeram algum ilícito. Não podemos aguardar inertes a chegada do "Brasil do Futuro", previsto em artigo do grande jurista Américo Lacombe, e que teria como uma de suas regras fundamentais a proibição de se considerar alguém inocente. Precisamos resistir, enquanto ainda temos esse direito.
_________________*Advogado em São Luís/MA. Conselheiro Federal da OABl e sócio do escritório Ulisses Sousa Advogados Associados
Fonte; MIGALHAS