Villas-Bôas Corrêa
O ilustre desconhecido deputado Luiz Sérgio (PT-RJ) decidiu arrombar a porta da notoriedade na sua estréia como parlamentar. Brindado pela criteriosa escolha dos líderes da bancada governista, para relator da CPI dos Cartões, o representante da população do Estado do Rio de Janeiro, cumpriu as ordens recebidas não apenas ao pé da letra, mas com os adornos da sua ansiosa vontade de agradar ao governo, paparicar os líderes das legendas que aprovaram a sua escolha.
Marcou o seu gol com a bola murcha. E a peça abrilhantará os anais da Câmara como alentado documento deste negro transe de decadência moral do Legislativo. Um apressado não teria gastado mais do uma lauda para dar o seu recado e cobrar a gratidão. Não o relator descoberto pelo faro de quem o pinçou nas águas turvas do anonimato. O deputado Luiz Sérgio logrou a proeza de encher 936 páginas do calhamaço, sendo 666 para esmiuçar com a lupa de grossas lentes os saques milionários com os cartões corporativos que caracterizam os crimes e delitos cometidos por cinco ex-ministros do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso.
Para o conhecimento da opinião pública e improváveis cautelas em futuras transações com os denunciados, segue-se à lista dos que se locupletaram com o dinheiro público nos últimos meses do segundo mandato do antecessor do ilibado presidente Lula: Paulo Renato de Souza, da Educação; Pimenta da Veiga, das Comunicações; Francisco Welfort, da Cultura e Raul Jungmann, do Desenvolvimento Agrário.
Cuidadoso e detalhista, o relator catou no volumoso papelório da CPI, os muitos exemplos de roubalheira da quadrilha do governo do adversário. Desde notas fiscais em série suspeita para o pagamento de serviço de transporte; gastos de ricaço em viagens em fins de semana, com notas de refeições de sibarita, como a de R$ 686 paga pelo ex-ministro Martus Tavares no restaurante Massimo, qualificado como um dos mais caros de São Paulo.
No reverso da medalha, com o contraste da diferença de educação, compostura, moralidade entre o governo da esbórnia de FHC e a severidade de convento dos dois mandatos do presidente Lula, o relator capricha em desmontar denúncias de miúdas irregularidades apuradas contra os atuais detentores do poder.
Para cadenciar as marteladas no cravo e na ferradura, o relator ignorou o badalado dossiê sobre gastos do ex-presidente. Bastou-lhe a sova nos ex-ministros do governo tucano.
E na mesma toada do coração doce como o favo de mel, passou como gato sobre brasa sobre "simples erros ou enganos" nos gastos com o cartão corporativo da distraída ex-ministra Matilde Ribeiro, da Igualdade Racial, pilhada pagando uma insignificante despesa de R$ 416 num free shop. Ou o pitoresco descuido do ministro Orlando Silva, do Esporte, que pagou com o cartão R$ 8,30 por uma tapioca.
Claro que a oposição não pode engolir em seco o relatório do fecundo deputado Luiz Sérgio. Anuncia que reagirá com as armas da minoria: o voto em separado tentará desmontar a arapuca do relator. E o pedido de indiciamento da ministra-candidata Dilma Rousseff e de todos os envolvidos com o dossiê.
Novos escândalos e denúncias rolam a pedra do esquecimento morro abaixo. A ministra-candidata Dilma Rousseff ocupa-se com a denúncia do dia da ex-diretora da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) do seu envolvimento na negociação da Varig e da VarigLog, suspeita de fraude e tráfico de influência.
Até quando o governo e o Congresso suportarão a enxurrada de escândalos que parece não ter fim?
Fonte: JB Online