terça-feira, junho 03, 2008

Brasileiro não come soja

Por: Carlos Chagas

BRASÍLIA - Hoje, em Roma, no plenário da FAO, o presidente Lula criticará pela milésima vez os subsídios que os países ricos concedem a seus produtores agrícolas. Vai apelar para que abram mão do protecionismo dado a seus fazendeiros, fator que estrangula a produção nos países pobres e em desenvolvimento.
O apelo brasileiro terá, respeitosamente, o mesmo efeito dos protestos do canarinho diante do gato postado embaixo da gaiola. O trinado poderá ser agudo, até bonito, mas não mudará as intenções do bichano. Os dirigentes dos países ricos darão de ombros e continuarão dando suporte extra à sua agricultura, porque a alternativa seria, para eles, a substituição nos governos através das próximas eleições, ou até antes, pela rebelião nas ruas. Algo mais ou menos como se as nações desenvolvidas pedissem a Lula para interromper a distribuição do bolsa-família.
Presidentes e primeiros-ministros debaterão a segurança alimentar na sede da organização que as Nações Unidas criaram para combater a fome. Como a fome aumenta no planeta, e, junto com ela, a carência de alimentos exigidos por populações cada vez maiores, o resultado do discurso do nosso presidente será igual a zero. Coisa que não tira seus méritos e sua inclinação pela utopia.
Tem saída? Tem. Porque o Brasil dispõe dos três requisitos fundamentais para a produção de alimentos: terra, água e sol. Assim como os potentados cuidam primeiro de seus interesses, o mesmo deveria fazer o governo Lula: ampliar nossas fronteiras agrícolas, mesmo sem precisar desbastar a Amazônia, mas tendo presente a importância de alimentar, primeiro, a população brasileira.
Senão abandonar por completo a balela da globalização, que só funciona contra os mais fracos, ao menos providenciar produção e distribuição de alimentos no limite de nossas fronteiras. Esquecer um pouco essa história de "exportar é a solução", que se pode constituir a estratégia dos países ricos, nem por isso deve obrigatoriamente ser a nossa.
Um grande passo poderia resumir-se no slogan "mais feijão e menos soja", porque pouco valem os dólares carreados para o bolso dos exportadores diante dos estômagos vazios de boa parte da população. Logo virão alguns ingênuos e muitos malandros alegando que o mercado deve presidir todas as relações econômicas, mas a natureza das coisas impõe a lógica: o brasileiro não come soja. Come feijão. Que tal subsidiar sua produção?
De goela aberta
Mais uma vez, abre-se a goela do PT. Amanhã poderão deixar seus cargos a ministra do Turismo, Marta Suplicy, e o ministro da Previdência Social, Luiz Marinho. Há quem suponha a possibilidade de esticarem um pouco mais a permanência no governo, mas, como vão candidatar-se às prefeituras de São Paulo e de São Bernardo, mais cedo ou mais tarde estarão limpando as gavetas.
Os dois ministros defendem a manutenção de seus vínculos com o Palácio do Planalto, ou seja, gostariam de deixar prepostos em seus lugares, para a eventualidade de um retorno no caso da derrota nas urnas. Marta sugere Luiz Eduardo Barreto, seu secretário-executivo, e Marinho, Carlos Eduardo Gabas, de igual função.
Acontece que na direção nacional do PT raciocina-se diferente. Os dois ministérios pertencem à quota do partido e, assim, o presidente Lula deveria contemplar suas indicações. Os atuais ministros estão saindo porque querem, devendo enfrentar os ônus da decisão. Essa história de guardar lugar prejudica não apenas suas chances eleitorais, mas agride o PT, pelo menos na teoria o partido da sustentação do governo.
De volta de Roma, amanhã, o presidente deverá pronunciar-se, senão de público, ao menos na intimidade de seu conselho político. Candidatos não faltam, entre os companheiros.
Antecipação
Semana passada, numa reunião da ala feminina do partido, o presidente do PMDB, Michel Temer, colocou sem querer a mão no vespeiro. Porque sendo candidato à presidência da Câmara, em fevereiro do ano que vem, não conseguirá repetir a façanha do dr. Ulysses, que acumulou os dois cargos e ainda exerceu um terceiro, de presidente da Assembléia Nacional Constituinte. Terá de entregar o partido, possivelmente convocando uma convenção nacional extraordinária para a escolha do sucessor.
O problema é que parece cedo para especulações, mas na reunião das mulheres do PMDB a disputa aflorou. A vice-presidente, deputada Íris Araújo, de Goiás, muito aplaudida, chegou a pegar o microfone, descer ao plenário e confraternizar com a platéia, levantando os braços de correligionárias. Outro candidato, o deputado Eliseu Padilha, do Rio Grande do Sul, sentiu a pressão da companheira e não ficou cinco minutos no recinto.
Mas deixou considerável claque que, a qualquer citação de seu nome ou pretexto parecido, esgoelava-se em sua defesa. Para complicar, encontrava-se na mesa diretora dos trabalhos o presidente de honra do PMDB, Paes de Andrade, também candidato declarado ao lugar de Michel.
O atual presidente do partido elogiou os três, e muitos outros, mas parecia obviamente constrangido. Tanto Íris quanto Padilha e Paes estão em campanha antecipada, sendo que o ex-embaixador do Brasil em Portugal costura apoios essenciais, como os de José Sarney, Orestes Quércia, Roberto Requião, Pedro Simon, Jarbas Vasconcelos e outros. Poderá conquistar a pole-position se dispuser dos diretórios estaduais do Maranhão, São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul e Pernambuco, além de seu próprio estado, o Ceará, onde o PMDB é presidido por seu genro, Eunício Oliveira.
Casa de marimbondo
A não ser os próprios, o País inteiro rejeita a possibilidade de ver bandidos candidatando-se a postos eletivos e, pior ainda, sendo eleitos. Mas é bom tomar cuidado com a definição do que sejam bandidos, isto é, aqueles condenados, cujas sentenças transitaram em julgado, ou aqueles ainda respondendo a processo? Os que passeiam sua impunidade pelas ruas, sem poder explicar monumentais aumentos de patrimônio, ou simplesmente os mal-encarados?
É perigosa essa recente onda que inunda tribunais eleitorais nos estados e o próprio Tribunal Superior Eleitoral em Brasília, visando negar registro a candidatos às eleições de outubro sob a suspeição de prática de delitos e irregularidades.
Porque estabelece o Bom Direito ser todo mundo inocente até que se lhe prove a culpa. No caso, por sentença judicial para a qual não existem mais recursos. É claro que por conta da presunção de inocência e em função de mil e um artifícios legais montes de bandidos encontram-se no gozo de seus direitos políticos, inclusive o de votar e ser votado. Tem sido assim através dos tempos.
O problema é que parece perigoso dar vazão a esse mais do que justo sentimento de repulsa, sem critérios específicos sobre como negar registro a candidatos. Será rejeitado quem responde a cinco processos criminais, mesmo sem condenação?
Quer dizer que quatro processos podem. Vale o critério para denúncias apenas sobre crimes de morte ou dirigir embriagado também impedirá o cidadão de candidatar-se? E os crimes de corrupção? Assédio sexual entra na lista? Atraso no pagamento de pensão à ex-mulher? Ter sido arrolado na relação dos quarenta mensaleiros transformados em réus por decisão do Supremo Tribunal Federal?
Ninguém duvida da inclinação amplamente majoritária na sociedade pela negativa de registro a bandidos, mas na hora de fulanizar a recusa o juiz eleitoral se baseará em que texto legal?
Fonte: Tribuna da Imprensa