Ex-ministra disse que entrou pela porta da frente e saiu também pela porta da frente
BRASÍLIA - A ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva fez ontem, durante uma longa entrevista coletiva, um balanço de sua gestão e considerou que o saldo é bastante positivo. Marina evitou criticar o presidente Lula, mesmo quando foi lembrada de que, nos bastidores, ele disse que não lhe daria a direção do Plano Amazônia Sustentável (PAS) porque ela não era isenta. "Para mim, ser isenta é ter ponto de vista e ser capaz de mediar o ponto de vista dos outros. Me considero uma pessoa isenta, mas tenho meu ponto de vista."
Ela afirmou que foi pega de surpresa com a decisão do presidente de não lhe dar a gestão do Plano Amazônia, passando-a para o professor Roberto Mangabeira Unger, da Secretaria de Assuntos Estratégicos. "Não fui avisada. Mas foi uma decisão do presidente.
Não posso questioná-la", disse. Sabe-se que este foi o principal motivo que a levou a pedir demissão, embora tenha insistido que já havia um desgaste muito grande, o que a levou a sair. Disse ainda que não conversou pessoalmente com o presidente Lula depois de pedir demissão. "Por enquanto, nossa comunicação foi apenas a minha carta".
A ex-ministra disse que sai pela porta da frente. "Se quisesse sair pela porta dos fundos, poderia ter pedido demissão do governo durante os embates sobre a concessão da licença para as usinas do Rio Madeira. Não fiz isso porque prejudicaria o presidente Lula. Entrei pela porta da frente. Saio pela porta da frente. Saio no momento em que achei que era oportuno", afirmou.
Ela disse que fez da sua demissão uma estratégia para constranger o governo a manter a política ambiental de desenvolvimento sustentável e o veto a crédito oficial para quem desmata ilegalmente. Ela admitiu que vinha encontrando dificuldades para tocar seus projetos de punição aos desmatadores, devido às fortes pressões, principalmente de governadores. Entre eles, citou os de Mato Grosso, Blairo Maggi (PR), e de Rondônia, Ivo Cassol (sem partido).
"Para o eixo do desenvolvimento sustentável, minha presença não estava mais agregando. Nesse caso, foi preciso fazer com que as pedras se movessem", disse Marina, durante entrevista de uma hora e quarenta e um minutos, a primeira desde que se demitiu, na terça-feira.
"Minha decisão foi tomada porque senti que não tinha mais as condições necessárias dentro do governo para avançar com a agenda da política ambiental", afirmou. "É preciso recuperar a vitalidade que havia no primeiro mandato." Em nenhum momento a ex-ministra admitiu que sofreu grandes derrotas durante sua gestão. Disse que essa resposta só a história dará porque o que é derrota hoje pode ser uma vitória amanhã.
Para ela, os números lhe são favoráveis porque conseguiu reduzir o desmatamento, aumentar as áreas protegidas em 59%, punir os que cometeram crime ambiental e mudar substancialmente alguns projetos, como o da concessão das licenças para as usinas do Rio Madeira ou a transposição do Rio São Francisco. Ela lembrou que antes de ser eleito e, depois, reeleito, o presidente Lula perdeu três eleições.
A entrevista de Marina Silva foi concedida no auditório da Agência Nacional de Águas (Ana) e não no Ministério do Meio Ambiente, onde ela ficou por cinco anos, quatro meses e treze dias. Durante a entrevista, Marina foi aplaudida por oito vezes por diretores graduados do Ministério do Meio Ambiente. Quando se levantou para ir embora, ela recebeu um buquê de flores de Pedro Ramos, do Conselho Nacional dos Seringueiros.
Marina disse que ficou muito feliz quando, depois da sua demissão, o presidente Lula anunciou que não mudará a política ambiental do governo. Ela disse confiar que seu substituto, Carlos Minc, vai manter a política de desenvolvimento sustentável. "É fundamental que possamos preservar os avanços, é fundamental que não tenhamos retrocessos. A escolha de Minc qualifica o processo", afirmou.
Para ela, exemplo de retrocesso é revogar a decisão do Conselho Monetário Nacional (CMN) que suspendeu a concessão de crédito oficial para os 36 municípios que mais desmataram em 2007 e plantar cana-de-açúcar na Amazônia. "O Ministério da Agricultura levantou 300 milhões de hectares de terras agricultáveis, sendo que 50 milhões estão ociosos. Não é preciso tirar uma árvore para produzir alimentos ou biocombustível."
A ex-ministra foi muito firme na defesa dos biocombustíveis produzidos no Brasil, entre eles o álcool, que sofre um bombardeio lá fora. "O biocombustível brasileiro é limpo e pode ajudar no combate ao aquecimento global. É preciso não se esquecer disso. É preciso sempre afirmar isso", disse, por diversas vezes. "Vocês não sabem o quanto é difícil para o negociador brasileiro lá fora. Muitas vezes, atacam nossos produtos. com outros objetivos."
Marina disse que vai reassumir o mandato de senadora depois do feriado de Corpus Christi, na semana que vem. Por enquanto, vai cuidar de alguns trabalhos escolares, pois está concluindo um curso de psicopedagogia na Universidade de Brasília (UnB).
Fonte: Tribuna da Imprensa