Por: Villas-Bôas Corrêa
A crise ética que assola o Congresso e atravessa o lamaçal das CPIs, que não dão em nada ou rendem puxões de orelha que não chegam a ameaçar a audição, empaca na Câmara e no Senado, com os mais desqualificantes índices de rejeição popular, mas na verdade o mal começa na raiz das câmaras municipais e atravessa as pinguelas das assembléias estaduais.
Senadores, deputados federais e estaduais e vereadores dançam de mãos dadas a sinistra ciranda da desmoralização do mais democrático dos poderes.
Ainda agora, as câmaras municipais sobem ao palco em mais um capítulo de uma novela que se arrasta há anos, de degrau em degrau, até o vexame denunciado pelo Tribunal de Contas do Estado do Rio (TCE), ao examinar as prestações de conta de 91 das 92 câmaras municipais. Como flagrante que não deixa dúvida, a foto é definitiva: o corte profilático de vereadores há quatro anos e badalado com justiça como medida saneadora, reclamada pela indignação do distinto público que é quem paga as contas, foi driblado pelas gingas dos beneficiados e conseguiu operar a mágica de garantir a incolumidade dos gastos dos legislativos municipais.
Uma trama de fácil apuração: os ilustres representantes municipais conferiram o total da economia e cuidaram de aplicá-lo nos paparicos aos assessores, que receberam aumentos caídos do céu; na compra de carros oficiais, que é um buraco sem fundo e em algumas medidas prudentes de quem cuida do futuro, como o seguro de vida para os vereadores.
Assim, roída pelas beiradas, a resolução moralizadora do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), de abril de 2004, que cortou pela raiz 8.528 vagas de vereadores – e que não fizeram falta nenhuma – nas câmaras municipais do país, foi frustrada nos seus objetivos saneadores. E que, na verdade, o TSE apenas regulamentou o artigo constitucional que determina que as cidades com menos de um milhão de habitantes devem obedecer à cota de no máximo 21 e no mínimo nove vereadores.
No Estado do Rio, foram extintas 299 vagas de vereadores das 1.286 dos bons tempos.
E assim, em sucinto resumo, conta-se a lamentável fábula da lenta corrosão de que já foi um honroso cargo, exercido como um serviço da cidadania e logicamente não remunerado. É inevitável a alegação de que os tempos mudaram e que o exercício gracioso da vereança restringia à elite o privilégio de representar o município na câmara local. O que é uma meia verdade ou uma meia potoca.
A vereança como um dever da cidadania era o primeiro degrau na carreira política e certamente que atraia os notáveis da cidade nas mais diferentes profissões. Do médico, do advogado, do negociante, dos filhos de família rica ao farmacêutico que atendia aos pobres sem nada cobrar, aos motoristas, empregados do comércio, os tipos populares.
A Câmara Municipal não compete com o Senado, a Câmara ou as assembléias legislativas na corrida aos cofres da viúva. Especialmente depois da mudança da capital para Brasília e a floração das mordomias que douram o mandato como um dos melhores empregos do mundo. Mas é lamentável que a sedução pelo mandato bem pago, que é um dos bons empregos nos municípios tenha estreitado a via que facilitava o acesso das lideranças ao plano federal.
E o mais desanimador é que não há saída, até onde a vista alcança, para a crise moral que mancha o Legislativo. Se o Congresso passa a impressão clara de que está conformado e, sob pressão pode avançar passos tímidos para agradar ao eleitor, a reforma política para valer é tão distante e inalcançável como a mais distante estrela do sistema planetário.
Fonte: JB Online