Por: Carlos Chagas
BRASÍLIA - A imagem já foi usada, mas permanece válida: Dilma Rousseff julga crime o vazamento do dossiê sobre os gastos da família Cardoso com cartões corporativos. Não o fato de a Casa Civil haver preparado o que chama de banco de dados. É a mesma coisa do que culpar o termômetro pela febre do doente.
A Polícia Federal está para entrar no Palácio do Planalto, sabe-se lá se pela rampa da frente ou pela porta dos fundos. Não dá certo essa história de órgãos de investigação vasculharem a sede do poder ao qual se subordinam. Em 1954 a Aeronáutica invadiu os porões do Palácio do Catete, prendeu Gregórios e Climérios e levou o presidente Getúlio Vargas a declarar que um rio de lama passava ali por baixo e ele não sabia.
Suponhamos, só para argumentar, que os federais descubram mesmo um tucano infiltrado entre os companheiros da ministra Dilma. Fazer o quê? Denunciá-lo será atestar a fraqueza das estruturas governamentais. Mas tem pior: se o indigitado traidor, de cuja existência ainda se duvida, der com a língua nos dentes e denunciar que cumpria ordens, que o vazamento foi uma armação destinada a ameaçar as oposições com a divulgação do dossiê, caso PSDB e DEM não interrompessem a busca de informações sobre os gastos da família Silva?
Em qualquer das hipóteses seria desaconselhável a presença da Polícia Federal no núcleo do poder. Até pelo precedente, já que quando das evidências de participação de José Dirceu no escândalo do mensalão ninguém pensou em mobilizar a instituição.
O cenário imaginado é tétrico: delegados enviariam ofício a Dilma Rousseff para que marcasse dia e hora para ser ouvida? Em seu próprio gabinete, é claro, mas em que condição? Dispensando-a, o inquérito não se tornaria uma farsa? E as principais auxiliares da chefe da Casa Civil, mesmo na condição de testemunhas, sentir-se-iam à vontade para depor?
Cidadãos acima de qualquer suspeita têm ocupado a Casa Civil, de Pedro Parente a Henrique Hargreaves, Marco Maciel e Ronaldo Costa Couto, para ficarmos nos tempos recentes. Algum deles admitiria convocar a Polícia Federal?
Redução inadmissível
Abrimos os jornais ou ligamos o rádio e a televisão e com que notícias nos deparamos? A CPI dos Cartões Corporativos, o dossiê, os vazamentos e sucedâneos. A ministra Dilma Rousseff no olho do furacão, as oposições centralizando sua ação num combate menor, imaginando se criam ou não outra CPI. O governo na defensiva, enrolando-se cada vez mais em explicações pueris.
Muitos dirão ser tudo culpa da imprensa, interessada em escândalos, mas seria bom marcar coluna do meio. Quantos temas muito mais importantes encontram-se relegados do debate nacional, por inação dos detentores do poder? Nem só com visitas promocionais a obras do PAC deveria o presidente Lula preencher os vazios da curiosidade pública.
O desmatamento da Amazônia não mereceria sua presença por uma semana na região, cercado de ministros capazes de formular soluções? As vítimas das enchentes em estados do Nordeste não ganhariam ânimo caso o companheiro maior anunciasse, no local, políticas agressivas para impedir a repetição do horror?
A luta contra a epidemia de dengue que assola o Rio e adjacências não ganharia um forte aliado na visita do presidente a hospitais e postos de saúde? Que tal uma ida à região Raposa-Serra do Sol para conhecer a opinião dos plantadores de arroz, sem esquecer os índios?
Em suma, a inadmissível redução dos temas em debate na imprensa e no Congresso tem suas explicações.
Entre Deus e o Diabo
Com a Renascença, quando a doutrina da Igreja começou a ser contestada através da volta aos valores da Antiga Grécia, virou moda duvidar da existência de Deus. Os contestadores, porém, apresentavam uma alternativa: se tivessem provas da existência do Diabo, a conseqüência natural seria acreditar, também, no Padre Eterno. Como o chifrudo não aparecesse, o Vaticano treplicou com o seguinte raciocínio: era do interesse do Diabo que a Humanidade duvidasse de Deus e, assim, o importante era que ele, Diabo, fingisse não existir. Por isso não aparecia...
Por que se desenvolve esse tortuoso jogo de palavras e de concepções? Porque ao Palácio do Planalto interessa que não se discuta o terceiro mandato, no caso, o Diabo. Sem referências à proposta, ela poderá continuar se desenvolvendo nas profundezas, até o momento de emergir e conquistar a Humanidade, perdão, o eleitorado. Nessa hora, Deus, quer dizer, a democracia, terá sido derrotada...
Entrevista explosiva
Assustou-se quem leu as declarações do governador Aécio Neves na última edição da "Carta Capital". Sempre ao estilo mineiro, firme, mas educado, ele enviou recado fundamental ao Alto Tucanato: chega de paulistas. O PSDB é um partido nacional e não pode continuar dominado pelo mesmo grupo de tantos anos. Não citou e nem precisaria, mas por que centralizar permanentemente decisões, comandos e candidaturas no núcleo estabelecido em São Paulo?
Fica claro, na entrevista, que Aécio é candidato e lutará o quanto puder para enfrentar a hegemonia vigente no partido. Interessante notar que a revista ouviu, também, Ciro Gomes, que, não sendo tucano, mas socialista, avançou mais e declarou que José Serra é um "solitário sem escrúpulos". Como também admitiu vir a ser vice do governador mineiro, cada um que tire suas conclusões, especialmente agora que a suposta candidatura de Dilma Rousseff parece trincada.
Fonte: Tribuna da Imprensa