domingo, abril 20, 2008

Artistas trocam palco pelo palanque eleitoral

Eles já foram famosos, cheios de dinheiro, mas querem entrar na política ‘para ajudar o povo mais carente’


Cíntia Kelly
A cada dois anos surge a temporada da caça aos votos. Com ela, tem início também a temporada de caça dos partidos por novos talentos, ou seja, candidatos que, mesmo sem experiência política, possam somar ao chamado voto de legenda. Daí, a ser eleito, já é outra história. Para os novos talentos da política, o que importa mesmo são os disputados 15 minutos de fama, já que não são mais tão famosos assim. Quem não lembra, por exemplo, de Sara Verônica, a estonteante morena que, há uns dez anos, requebrava na boquinha da garrafa, deixando muito marmanjo literalmente de boca aberta? Ou de Leokret do Brasil, o atual dançarino da banda Saiddy Bamba, que de tão feminino lembra uma mulher?
Sara e Leokret têm mais em comum do que o belo requebrado. Concorrerão a uma vaga na Câmara de Vereadores de Salvador nas eleições de outubro. No mesmo caminho seguem Compadre Washington, ex-vocalista do combalido É o Tchan, e a precursora da axé music Sarajane, que mandava o público “abrir a rodinha” na década de 1980.
Jaime Figura, o artista plástico que costuma bater ponto nas principais manifestações populares de Salvador, também deve trilhar os passos dos requebrantes da axé. Quase todos eles estão acolhidos em partidos pequenos, à exceção de Leokret, que pretende vôos altos dentro do cobiçado PR.
A pouca habilidade com a política, não sabendo exatamente por que pretendem entrar na melindrosa área ou até mesmo o complicado cálculo que é feito para que um candidato possa se eleger vereador, une ainda mais o seleto grupo de artistas que vão correr atrás do voto dos eleitores da capital baiana.
Alegria - Numa alegria contagiante, Leokret do Brasil, 21 anos, disse que entrou para a política pelos insistentes apelos do povo. “As pessoas são muito carentes. Quero ajudar o povo de Salvador. As pessoas dizem para mim que a política precisa de gente com o coração bom e por isso eu aceitei ser candidata”, frisa o dançarino, que nem sob tortura revela seu nome de batismo.
Nega de pés juntos que não foi levada à política por político. “Não quero me misturar, porque sei que pode haver outros interesses. E eu quero ajudar o povo carente. Dar mais alegria ao povo daqui”, repete Leokret. Apesar do discurso, o dançarino foi levado para o PR pelas mãos do vereador Isnard Araújo. Que bandeira vai defender durante a campanha? “Tudo. Huuuuuuu!”, grita, ao mesmo tempo em que frisa que o eleitorado vai se surpreender.
Sarajane - Quando questionada sobre a decisão de se candidatar a vereadora, Sarajane fez questão de desmentir de bate-pronto. “Não sou candidata a nada. Quem disse isso? Sou apenas filiada ao PMN”, retrucou. A negativa de Sarajane foi logo por terra quando o presidente do partido, Tadeu da Luz, entrou em cena e, literalmente, deu uma luz. “Ela é pré-candidata, mas tem receio que isso seja divulgado porque ela tem que fazer uns programas de Sílvio Santos. Para não misturar as coisas, ela não gostaria que fosse divulgada sua pretensão eleitoral”.Sarajane, apesar do atual ostracismo, foi a rainha da música baiana. Eram raros os sábados em que a cantora não batia ponto no programa Cassino do Chacrinha, da TV Globo. Já no início da década de 1990, Sarajane posou para a revista Playboy. E sumiu da grande mídia.
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Pagodeiro quer ajudar músicos
Depois de ter ganhado muito dinheiro e viajado o mundo com o grupo É o Tchan, que vendeu milhões de discos, Compadre Washington quer enveredar pelo caminho da política, após cansar de mandar o povo botar a mão no joelho e dar uma abaixadinha. Mas ele avisa: tudo vai depender de quem o seu partido, o nanico PSL, vai apoiar para prefeito de Salvador. “Disputarei se o meu partido apoiar ACM Neto (DEM) ou Antonio Imbassahy (PSDB)”, destaca Washington.
Um tanto quanto perdido sobre a sua intenção de disputar uma vaga no Legislativo de Salvador, Washington diz que é “para ajudar o pessoal da música”. “Quero criar uma espécie de abrigo dos cantores. Tem muita gente que fez sucesso e que hoje está esquecido, sem trabalho e sem ter como se sustentar”, afirma.
As várias notícias envolvendo seu nome, às quais ele classifica como fofocas, a exemplo de que ele estaria prestes a estrelar um filme pornô, Compadre Washington nega. “Não estou tão decadente assim. E também tem meu nome a zelar, afinal foram muitos anos fazendo sucesso à frente do É o Tchan”, rebate.
Temor a críticas? A palavra parece não fazer parte do vocabulário do músico. “Fale mal, mas fale de mim”, diz, reclamando um pouco do esquecimento que é submetido. “Ganhei muito dinheiro. Mas agora preciso me desfazer de algumas coisas que conquistei. Afinal, tenho nove filhos e tenho que dar pensão”, afirma, já que é sócio da produtora Bicho da Cara Preta.
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Da boquinha da garrafa para a Câmara
Tal qual Compadre Washington, Sara Verônica também está filiada ao PSL. “Um amigo meu deputado disse que seria bom eu entrar para a política. Então, procurei um partido legal e me filiei”, conta, com naturalidade, a ex-dançarina da boquinha da garrafa. O tal deputado amigo é Maurício Trindade (PR).
No auge do seu vigor físico, Sara, que virou promoter, diz estar cansada da vida de pagodeira. “Já estou com 30 anos. Não dá para levar a vida como antes, com pagode”, diz, convicta. Quase evangélica, já que ainda não se converteu à doutrina, embora vá aos cultos, Sara também quer dar uma vida melhor aos artistas que caem no ostracismo.
Mas não é só, avisa. “Vim da periferia. E vou defender uma melhor vida para as pessoas da periferia, das palafitas. Uma melhor educação e saúde. Sei que não sou inteligente. Não vou dizer a você que sei tudo das leis, porque se eu falar que sei, estarei mentindo. Mas vou defender uma vida melhor para o pessoal da periferia”, diz. Para isso, a estreante na política tem feito um verdadeiro périplo pelos bairros mais carentes como Cosme de Farias, Engenho Velho da Federação e de Brotas.
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Filmes pornôs impulsionam candidaturas
Figuras que nada têm a ver com política e ainda assim insistem em se candidatar a cargo eletivo não são uma particularidade da Bahia. O emblemático Enéas Carneiro, que faleceu há quase dois anos vitima de uma leucemia, tentou exaustivamente se eleger presidente do Brasil. Não deu. Convencido que teria dificuldade de expor seu programa de governo em apenas 30 segundos, Enéas decidiu candidatar-se a deputado federal. Tiro certeiro. Foi eleito com o maior número de votos em todo o país.Mais recentemente, outro exemplo foi o da nutricionista pernambucana Ruth Lemos, que ficou famosa por conta de alguns tropeços fonéticos ao tentar falar a palavra sanduíche, em entrevista a afiliada da TV Globo em Recife. Desacostumada ao delay (falha que causa atraso no som da própria voz no ponto de retorno em seu ouvido – recurso utilizado para que o entrevistado possa ouvir os apresentadores, no estúdio) ela não conseguia articular as palavras, ora engolindo, ora repetindo as sílabas.
O vídeo com a nutricionista falando sanduíche-íchi-íchi e engolindo palavra rodou a Internet e foi exibido em entrevista que ela concedeu no Programa do Jô. Resultado: nada de constrangimento, Ruth Lemos candidatou-se a deputada estadual, embora não tenha obtido êxito.
Nas eleições de outubro, duas artistas conhecidas do público em geral, sobretudo dos homens, vão disputar a prefeitura de Itamaracá, Pernambuco, e a Câmara de Vereadores de Praia Grande, litoral paulista. Trata-se de Gretchen e Rita Cadilac, respectivamente. Ambas, após anos a fio esquecidas pela mídia, voltaram com tudo, fazendo filme pornográfico, ou, como prefere Gretchen, “erótico”. Agora, dizem que vão aposentar a chuteira (?) e ingressar na política.
Pornô - A ex-atriz pornô húngara Cicciolina venceu preconceitos e se elegeu deputada na Itália, em 1987. Dois anos depois, estrelou seu último filme pornô. De lá para cá, vem tentando voltar à cena política, mas, dizem as más línguas, anda meio “passadinha”.
Os Estados Unidos, berço do conservadorismo, viram duas de suas estrelas cinematográficas deixarem a tela dos cinemas para se aventurarem na política. No início da década de 1980, o ator Ronald Reagan foi eleito presidente da potência mundial. Duas décadas depois, foi a vez do Exterminador do Futuro e forasteiro Arnold Schwarzenegger (ele nasceu na Áustria) ser eleito governador da Califórnia.
Fonte: Correio da Bahia