Por: Carlos Chagas
BRASÍLIA - Depois de uma carta endereçada aos integrantes do diretório nacional do PSDB, derramou-se Fernando Henrique Cardoso em entrevistas à imprensa, onde repetiu à exaustão abrir mão de qualquer sigilo em suas contas, enquanto presidente da República. Mereceriam todos os aplauso, não fosse um ato falho praticado ao falar a uma emissora de rádio.
Utilizando sofisticada figura de retórica, o sociólogo criticou a concepção de que basta ser governo para ser corrupto e acrescentou: "Todos acham que há algo de podre no Reino da Dinamarca". Referia-se ao Hamlet, de Shakespeare, mas acrescentou: "Pelo menos no meu reinado não foi assim." Pronto. Caiu a máscara. Traiu-se aquele que se acha rei.
Dirão os partidários de Fernando Henrique tratar-se de uma blague, de uma pitada de bom humor em meio a uma discussão delicada envolvendo os cartões corporativos. Os psicólogos, porém, discordarão. Afinal, para os que conviveram com o ex-presidente, nos palácios do Planalto e da Alvorada, seus dois períodos de governo apresentaram características monárquicas.
O Estado era ele, à maneira de Luiz XIV, pois não hesitou em prorrogar o próprio mandato, obrigando o Congresso a mudar as regras do jogo depois dele começado. Eleito por quatro anos, ficou oito, disputando nova eleição no exercício do poder, sem precisar deixar o cargo.
Com relação aos gastos de Fernando Henrique e de Luiz Inácio da Silva, agregados os familiares de ambos, tornou-se imperioso abri-los todos. Só então saberemos se Hamlet estava certo.
Festival de restrições mentais
Otto Lara Resende, editor-chefe da "Manchete" foi entrevistar o todo-poderoso general Henrique Lott, logo depois do singular golpe para impedir o golpe, em novembro de 1955. Tão correto que chegava a ser chato, o militar justificou haver mentido uma vez só, na vida, ao dizer ao então presidente licenciado, Café Filho, que ele poderia reassumir. Só que, na entrevista, Lott usou um artifício para mascarar a mentira: chamou-a de "restrição mental".
Tantas décadas depois, a moda acaba de voltar. A ministra Dilma Rousseff disse à ex-primeira-dama, Rute Cardoso, não haver sido montado nem produzido na Casa Civil o dossiê sobre os gastos do ex-presidente Fernando Henrique e seus familiares com cartões corporativos. Mais tarde, em nota oficial, a ministra confundiu a situação ao afirmar que o conteúdo do dossiê estava num computador da Presidência da República. Não explicou em que setor, se foi no computador da garagem, da cozinha, da secretaria particular do presidente ou da Casa Civil.
Mas tem mais restrições mentais. Dona Dilma informou que o dossiê, nome, aliás, que ela não usa, começou a ser preparado a pedido do Tribunal de Contas da União. O TCU desmentiu. Resta aguardar os trinta dias que a chefe da Casa Civil deu de prazo para uma comissão de sindicância apurar os vazamentos.
Serra e Aécio perderam
Nesta mesma semana, derrotas para José Serra e para Aécio Neves, que, pelo jeito, atravessa o mesmo inferno zodiacal. O governador de São Paulo foi participado pelo presidente do PSDB, senador Sergio Guerra, de que o candidato do partido à prefeitura paulistana será mesmo Geraldo Alckmin.
Precisamente o que Serra não queria, empenhado que estava em sustentar a reeleição de Gilberto Kassab, do DEM, forma de garantir o apoio antecipado do ex-PFL à sua candidatura presidencial em 2010. Não dá para omitir o prejuízo, tanto a nível municipal quanto federal. Alckmin é uma pedra no sapato do governador.
Se eleito, quinze minutos depois será candidato a governador, podendo até apresentar-se ao palácio do Planalto. Afinal, a tradição brasileira é de ver vitorioso os derrotados em eleições anteriores, prática que o próprio Serra pretende ver repetida. Mostra-se rachado o muro em que se assenta o ninho dos tucanos, muitos deles propensos a não trabalhar por Alckmin e até a apoiar Kassab, por baixo do pano. Não será, propriamente, uma avenida larga e florida para a sucessão federal, essa que o governador vem trilhando.
Em Minas, a mesma coisa. Depois de sucessos em cascata, Aécio Neves enfrenta a tempestade. Costurou em detalhes a aliança do PSDB com o PT, a nível municipal, nas eleições para a prefeitura de Belo Horizonte. O atual prefeito Fernando Pimentel, petista, aceitou indicar Márcio Lacerda, do Partido Socialista, com o apoio do governador, desde que em 2010 viesse a ser candidato à sucessão de Aécio, com o apoio dele. Tudo parecia acertado, até Ciro Gomes, amigo de Márcio Lacerda, entrou na equação, estimulando o acordo entre tucanos e companheiros. Se desse certo a armação, estaria reforçada a candidatura do neto do dr. Tancredo à Presidência da República, daqui a dois anos e meio, mesmo se reconhecendo a prevalência atual de José Serra no âmbito do PSDB.
Ainda assim, a aproximação de Aécio com o PT poderia levar o presidente Lula a considerá-lo apto a disputar a sucessão, desde que trocando o ninho pelo PMDB, partido da base oficial. Foi tudo por água abaixo, a começar pelo acordo em torno da prefeitura de Belo Horizonte, quando o vice-presidente José Alencar insurgiu-se, apoiado pelo ministro Helio Costa, do PMDB, e até pelo secretário-geral da presidência da República, Luiz Dulci, do PT. Os companheiros devem lançar candidato próprio, possivelmente o ministro Patrus Ananias, não deixando outra alternativa ao PSDB senão procurar seu próprio tucano. Ficam prejudicadas, ainda que não afastadas, as pretensões presidenciais de Aécio Neves.
O que deu errado?
A economia vai de vento em popa, pelo menos até agora a crise americana não nos atingiu. O PAC começou a funcionar, o desemprego caiu. As massas festejam o bolsa-família, as elites entram em orgasmo com o lucro dos bancos. Até os funcionários públicos de cara amarrada começam a sorrir em função de aumentos escalonados que o governo prepara.
O que deu errado, então, para o Brasil estar sendo desconsiderado internacionalmente, não apenas pela expulsão de nossos cidadãos de aeroportos estrangeiros, mas por recomendações a turistas evitarem vir por aqui? Lá fora, alinham a total falta de segurança pública em cidades como o Rio e São Paulo.
Alertam para epidemias que passam pela febre amarela e chegam com impacto à dengue. Recusam-se a aceitar o real como moeda, apesar de seu valor cada vez maior diante do dólar. Acusam-nos de cada vez mais desmatarmos o pulmão do mundo, queimando a Amazônia, e recusam até a carne por nós exportada, sob alegação da febre aftosa.
Há quem suponha o descompasso entre a comunicação social interna, que funciona exemplarmente pelas mãos de Franklin Martins, e a externa, que caberia ao Itamaraty.
Fonte: Tribuna da IMPRENSA