quarta-feira, março 12, 2008

Quem fala o que quer...

Por: Carlos Chagas

BRASÍLIA - Terça-feira e ontem o presidente Lula precisou ser contido diversas vezes para não dar seqüência à briga por ele mesmo iniciada com os presidentes do Senado e da Câmara. Os ministros da Coordenação Política e da Secretaria-Geral da Presidência da República custaram a convencer o chefe a não treplicar contra Garibaldi Alves e Arlindo Chinaglia, que na defesa da instituição parlamentar repeliram com veemência a afirmação do Lula, de que "eu trabalho, eles não". Referia-se ao Congresso, por ainda não ter votado o Orçamento para o ano em curso.
É a velha história do "quem fala o que quer ouve o que não quer". Vários motivos podem ser referidos para a demora na votação, da falta de entendimento entre os partidos à briga de foice entre os membros da comissão respectiva a respeito da destinação das verbas federais. O principal, porém, é que o Palácio do Planalto paralisa as atividades legislativas com a enxurrada de medidas provisórias encaminhadas todos os dias. As pautas são trancadas e as sessões conjuntas de Câmara e Senado, permanentemente adiadas.
O irônico é que a situação, de péssima, pode ficar horrível, no relacionamento entre o governo e o Congresso. Caso o Orçamento não seja aprovado esta semana, o presidente Lula já anunciou que governará através de mais medidas provisórias, tendo em vista não admitir solução de continuidade nas obras do PAC.
Nada que o bom senso e mais umas rodadas de conversa não resolvam, mas a verdade é que a temperatura anda quente na Praça dos Três Poderes. Tão quente que o próximo improviso do presidente Lula poderá botar tudo a perder.
"Encheu, viu..."
Enquanto construía Brasília, o presidente Juscelino Kubitschek sofria virulentos ataques, de todos os lados. A grande imprensa criticava os gastos, os cariocas lamentavam a próxima perda de condição de capital federal, as elites financeiras temiam as dificuldades de tratar de seus interesses fora dos restaurantes de luxo e das boates onde confraternizavam com funcionários públicos. E muito mais gente.
O maior algoz da nova capital, no entanto, era o pensador católico Gustavo Corção, engenheiro de profissão que azarava todo tijolo chegado ao Planalto Central. Diante da notícia de que seria construído um lago em plena cidade, para amenizar os efeitos da secura, Corção escreveu longa catilinária sustentando ser o solo de Brasília tão poroso que o lago jamais encheria.
Às vésperas da inauguração, a água chegou à cota preestabelecida e até hoje não foi embora. Juscelino era um gentleman, engolia toda espécie de agressões, mas, daquela vez, não resistiu. Mandou um telegrama a Gustavo Corção com apenas duas palavras: "Encheu, viu..."
Essa história se conta, tantos anos depois, em função da crise na votação do Orçamento pelo Congresso, que à última hora acabará aprovando a matéria. Seria o caso de os presidentes da Câmara e do Senado, Arlindo Chinaglia e Garibaldi Alves, passarem telegrama semelhante ao presidente Lula: "Votamos, viu..."
Quando a mulher quer, Deus quer...
Uma pausa nos entreveros entre Legislativo e Executivo registrou-se na manhã de terça-feira, em sessão solene do Congresso para a comemoração pelo Dia Internacional da Mulher. Representando o presidente da República, a chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, era todo sorrisos, sentada ao lado de Garibaldi Alves e Arlindo Chinaglia.
Antes de chegar à mesa que dirigia os trabalhos, ela cumprimentou quantos parlamentares conseguiu, comportando-se senão como candidata, pelo menos bem perto. Emocionou-se quando um grupo folclórico entoou a canção "Rosas", um libelo contra o sofrimento das mulheres pobres.
Ao discursar, Dilma prendeu as atenções gerais. Elogiou diversas mulheres homenageadas na ocasião, com ênfase para a luta de Teresinha Zerbini pelos direitos da mulher e pela redemocratização do País. Com a voz embargada, a chefe da Casa Civil referiu-se aos tempos da ditadura militar, quando ambas foram presas, companheiras de cela e submetidas a constrangimentos. Com lágrimas nos olhos, não conseguiu terminar a leitura do texto que preparara, sendo então amplamente aplaudida.
Mesmo quando os presidentes da Câmara e do Senado se retiraram, alegando outros compromissos, Dilma permaneceu. Ao entregar o prêmio a Teresinha Zerbini, foi por ela elogiada com uma exclamação: "Continue! Quando a mulher quer, Deus quer!" Para bom, entendedor, nada mais precisaria ser dito...
Ciro a todo vapor
Com ou sem o apoio do presidente Lula, fazendo ou não parte da coligação utópica idealizada pelo Palácio do Planalto, Ciro Gomes será candidato à sucessão de 2010. Não vai antecipar-se, desde já, para não criar problemas a entendimentos futuros, mas sua determinação é uma só: disputará o Palácio do Planalto, assentado em sua base, o PSB. Apesar de respeitar os partidos políticos e suas variadas formas de aliança, Ciro está convencido de que a próxima eleição presidencial será travada sem intermediários, isto é, entre os candidatos e o povo, olho no olho.
Vencerá quem mais se identificar com os anseios do eleitorado, independentemente de grupos e de esquemas celebrados nas cúpulas. Por conta disso, o ex-ministro da Integração Nacional não perderá oportunidade de, desde já, percorrer o País, mostrar-se e, acima de tudo, apresentar alternativas para os graves problemas nacionais.
Fonte: Tribuna da Imprensa