BASILÉIA (Suíça) - A crise no mercado de crédito dá sinais de que não vai poupar as economias emergentes que até agora ficaram isentas de uma queda de atividade. O Banco de Compensações Internacionais (BIS, o banco central dos bancos centrais) abriu ontem sua reunião entre os maiores BCs do mundo com sérios alertas: a crise nos Estados Unidos está se aprofundando e o debate a partir de agora será o de como colocar em prática medidas para evitar que haja uma "contaminação generalizada" de uma recessão.
As análises da entidade apontam que, ao lado da China, o Brasil está por enquanto conseguindo evitar, de certo modo, ser afetado de forma profunda pela crise. Mas ninguém sabe dizer por quanto tempo. O encontro na Basiléia conta com a presença dos principais presidentes dos BCs do mundo, entre eles Henrique Meirelles. Nos corredores dos luxuosos hotéis suíços, poucos são os que se atrevem a fazer comentários sobre a situação.
Nos bastidores, o clima é de preocupação entre os xerifes das finanças internacionais e ontem a grande expectativa era em relação ao discurso que farão no BIS os representantes do Federal Reserve Bank (o Banco Central americano) sobre a situação nos Estados Unidos. Autoridades de Banco Centrais revelaram que os dados de desemprego nos EUA assustaram e que o debate a partir de agora é o que deve ser feito para conter uma contaminação generalizada.
Outra questão saber como os americanos se utilizarão dos recursos distribuídos pelo FED para garantir a liquidez. Para um representante de um BC latino-americano, a situação nos Estados Unidos se agravou de maneira preocupante e as previsões são piores que as feitas em janeiro, quando o BIS se reuniu pela última vez. Segundo a avaliação publicada pelo BIS há poucos dias, o mercado de créditos se deteriorou entre janeiro e fevereiro diante da expectativa de recessão nos EUA.
O anúncio da alta do desemprego nos Estados Unidos deve aprofundar ainda mais o temor, além de colocar dúvidas sobre a capacidade do setor financeiro a dar uma resposta ao ambiente de incertezas. Para as autoridades monetárias, está cada vez mais difícil corrigir a falta de regulamentação no setor bancário que originou a crise no mercado de créditos. Meirelles, que faz parte dos debates, conhece bem a situação, já que foi um dos primeiros nos anos 90 a usar mecanismos parecidos aos subprimes quando era presidente do Bank Boston nos Estados Unidos.
Na época, porém, nem a complexidade das operações nem os riscos eram da mesma magnitude. "Estamos todos sendo desafiados. Estamos em águas desconhecidas e o cenário internacional dos bancos está sendo colocado a teste e contestado", afirmou Martin Redrado, presidente do BC argentino.
Para o BIS, um fator que já vem chamando a atenção é a contaminação cada vez mais clara da situação americana nos mercados emergentes, desmistificando a idéia de que, dessa vez, as economias em desenvolvimento estariam isentas da crise.
"A desaceleração generalizada claramente começou a pesar em muitos mercados financeiros emergentes", afirmou a análise do BIS. De acordo com o banco, isso poderia sugerir que a "tolerância para o risco" estariam sendo afetadas entre os investidores. "Investidores aparentemente desafiaram a noção prévia de distanciamento entre a Ásia e os mercados emergentes europeus dos problemas enfrentados nos Estados Unidos", alerta o documento.
Com relação ao Brasil, o BIS admite que ainda há sinais de que o País conseguiu se desprender das demais economias emergentes na turbulência nos mercados financeiros internacional. A questão, para alguns, é saber até quando isso será possível. O motivo dessa diferenciação seria a situação das contas externas. Mas outros não estariam em situação confortável.
O BIS lembra que as exportações mexicanas sofrem com uma desaceleração nos EStados UNidos e que certas economias latino-americanas (de menor peso) acabam sendo prejudicadas pela queda de remessas de seus emigrantes que vivem e trabalham nas cidades norte-americanas. Na Ásia, o problema seria o preço de commodities e o ritmo de crescimento global, enquanto no Leste Europeu o desafio é continuar crescendo enquanto os motores da economia da UE - França e Alemanha - dão sinais de exaustão.
Mãos atadas
Uma das soluções indicadas poderia ser a revisão para baixo das taxas de juros, como forma de aquecer a economia. Mas esse opção está praticamente descartada para muitos países. Segundo William White, economista chefe do BIS, há um risco real de que a inflação reapareça como um problema global. "Estamos vendo isso já na alta nos preços de alimentos e energia", afirmou.
"A pressão (inflacionária) não irá acabar tão logo", alertou Guillermo Ortiz, presidente do BC do México. Para autoridades monetárias, não há duvidas de que o dilema entre combater a inflação e evitar a recessão está mais pronunciada hoje. Para governos como os da Europa, a sensação é de estar com as mãos atadas. "Estamos vendo um cenário de redução do ritmo de crescimento e de alta da inflação, aliado a uma crise nos créditos, dólar fraco e petróleo em alta. Não é um cenário que um Banco Central gostaria de ver em seu radar", admitiu uma autoridade monetária sul-americana.
Fonte: Tribuna da Imprensa