Parecer rejeitará pedido da Itália de prisão para acusados de seqüestros e execuções
BRASÍLIA - A exemplo do Uruguai, o Brasil rejeitará o pedido da Justiça italiana para prender, com fins de extradição, militares e policiais brasileiros acusados por seqüestro, execução e desaparecimento de cidadãos italianos, militantes de esquerda, que combatiam as ditaduras da América do Sul na década de 70. O encaminhamento do caso já está definido pelo Ministério da Justiça, que tem um parecer contrário à prisão e extradição dos acusados, a ser enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF).
A extradição é vetada pela Constituição. A prisão dos acusados não é mais possível, porque todos estão protegidos pela Lei da Anistia, de 1979. A situação não foi resolvida ainda porque o governo da Itália, apesar de todo o alarde em torno do caso, há dois meses, não enviou até agora os mandados de prisão dos brasileiros, nem acionou as demandas legais para extradição, com base no tratado de cooperação jurídica entre os dois países. Entre os 13 brasileiros citados, 8 estão mortos.
Essas demandas, como diz o tratado, em vigor desde 1989, terão de ser feitas pela via diplomática. Os documentos terão de ser entregues, com tradução juramentada, ao Itamaraty, que os repassará à pasta da Justiça, comandada pelo ministro Tarso Genro, ao qual compete acionar o Judiciário.
Uma vez recebidos os documentos, o primeiro passo é o STF, que definirá a constitucionalidade do pedido. A tendência é de que a questão seja decidida logo aí, com a rejeição do pedido, segundo autoridades do Executivo e do Judiciário.
Repressão
Expedido em dezembro pelo Tribunal Penal de Roma, o mandado de prisão atinge 146 acusados, de seis países, de terem responsabilidade nas ações da Operação Condor. Desencadeada por ditaduras militares da América do Sul nas décadas de 70 e 80, a operação consistia na troca de informações entre os órgãos de repressão desses países, para perseguir e eliminar militantes de esquerda onde quer que eles se encontrassem.
Os pedidos de prisão atingem acusados de terem sido cúmplices no assassinato de 25 italianos, a partir da década de 1970. Entre eles está o ex-presidente João Figueiredo, que comandou o Serviço Nacional de Informação (SNI), a polícia secreta do regime militar, e manteve parceria com organismos repressores ligados à Condor.
Estão ainda relacionados o ex-ministro do Exército Walter Pires, o general Octávio Medeiros - ex-chefe do SNI -, e o ex-comandante do 3º Exército, general Antônio Bandeira, entre outros militares de alta patente, todos já falecidos. Da lista, só cinco estão vivos e reagem duramente ao mandado de prisão, dizendo que as denúncias são "injuriosas".
Os brasileiros são acusados pelo seqüestro - e posterior desaparecimento - de dois ítalo-argentinos em território brasileiro. São eles Horácio Domingo Campiglia, desaparecido no Aeroporto do Galeão, no Rio, em março de 1980, e Lorenzo Ismael Viñas, desaparecido em junho do mesmo ano, em um ônibus, no trajeto Buenos Aires-Porto Alegre. Eles eram militantes do grupo Montoneros, da esquerda argentina.
O governo brasileiro decidiu não se manifestar não só por não ter recebido os papéis da Justiça italiana, mas principalmente para não mexer ainda mais em uma ferida mal cicatrizada da história do País. No caso uruguaio, os 31 pedidos de extradição foram rejeitados porque os papéis vieram pela Interpol, não por meio diplomático.
Ustra
No Brasil, caso o pedido seja recusado pelo STF, o segundo passo será encaminhar os documentos para a Procuradoria-Geral da República, que poderá denunciar os suspeitos com base no Código Penal. Foi o que aconteceu com o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra.
Acusado de crimes prescritos pela Lei da Anistia, Ustra acabou sendo processado pelo Ministério Público na Justiça de São Paulo pelos crimes de tortura e seqüestro contra dois ex-militantes de esquerda, César Augusto Teles e Maria Amélia de Almeida Teles. Em depoimento, o militar da reserva negou ter participado de tortura e alegou estar amparado pela Lei da Anistia.
Fonte: Tribuna da Imprensa