segunda-feira, fevereiro 25, 2008

O que fazer com o dinheiro?

Por: Carlos Chagas

BRASÍLIA - Na vida, nada mais certo do que dar um passo depois do outro. Ficar parado significa andar para trás, mas tentar dar dois passos em vez de um dá tombo. Vale o preâmbulo para a auspiciosa notícia de que nossos depósitos, lá fora, ultrapassaram o valor de nossa dívida externa, pública e privada. Dos 174 bilhões de dólares, sobram 4 bilhões de saldo.
Aplausos para quantos contribuíram para esse resultado, apenas registrado em nossa História quando terminou a Segunda Guerra Mundial e dispúnhamos de crédito externo, não de dívida, por conta das milhares de toneladas de produtos primários que exportamos para os aliados. Por infelicidade ou incúria, o governo do marechal Dutra trocou o desequilíbrio favorável a nós pela importação desenfreada de goma de mascar, brinquedos de plástico e montes de supérfluos, claro que também acompanhados de locomotivas, caminhões, automóveis, geladeiras e remédios. Tivesse aquele honrado militar sido alertado para a importância de trocarmos nosso crédito externo por fábricas e tecnologia, quem sabe anteciparia os cinqüenta anos em cinco do presidente Juscelino Kubitschek...
O resultado foi que pagamos centenas de bilhões de dólares de juros por conta da dívida externa que nossos credores torciam para não saldarmos. Foram, recursos certos que receberam por tanto tempo, sem fazer força. Adianta menos lamentar pelo leite derramado. O importante é saber o que faremos com esse superávit, aliás paralelo ao imenso déficit que o governo apresenta com nossa dívida interna. Vamos deixar esses bilhões de dólares e euros depositados em bancos estrangeiros, para que eles continuem a financiar o desenvolvimento das nações ricas? Ou a hora do próximo passo chegou, para não ficarmos parados e retrocedermos?
Dever não é crime, muito menos má estratégia econômica. Só progride quem tem crédito para poder dever, e acabamos de provar que temos, a ponto de estar zerada a dívida externa. Torna-se necessário saber o que fazer com parte desses 174 bilhões de dólares. Precisamos investir na educação e na saúde. Na segurança pública e na infra-estrutura. Não seria o caso de reforçar o PAC, nesses setores, com parte do dinheiro depositado lá fora?
Dois pesos, duas medidas
O PT de São Paulo decidiu cobrar do governador José Serra que torne públicas todas as informações sobre as empresas em que foram feitos gastos com cartões corporativos da administração estadual. Foi feita até uma representação ao Ministério Público para investigar tudo e até abrir processo de improbidade administrativa contra o governador.
A pergunta que fica é se voltamos aos tempos da República Velha, onde os partidos eram estaduais, não nacionais. Porque se os companheiros petistas optam pela fórmula cirúrgica de combater a corrupção, por que o mesmo não acontece em Brasília? Aqui, o PT mostra-se disposto a abafar as mesmas indagações que a CPI dos cartões corporativos poderia fazer ao governo federal. Se vão esmiuçar as despesas feitas pelo governo Serra, por que deixar de fora aquelas do governo Lula porventura referentes a ele e seus familiares? Trata-se de dois pesos e duas medidas. O exemplo do PT de São Paulo precisa ser seguido pelo PT nacional.
Não dá mais para engavetar
O Supremo Tribunal Federal acaba de formalizar aquilo que a Constituição de 1988 estabeleceu. Porque desde a sua promulgação que caducaram montes de artigos da Lei de Imprensa de 1967. Afinal, a nova Constituição estabeleceu a liberdade de opinião em toda a plenitude, revogando artigos da Lei de Imprensa que sustentavam a censura e a truculência. Valeu o princípio da lei maior prevalecer sobre a lei menor.
O Congresso tinha cinco anos para votar uma nova Lei de Imprensa ou, se assim decidisse, simplesmente acabar com a anterior, deixando delitos de opinião a cargo do Código Penal. Ter ou não ter Lei de Imprensa é uma dúvida universal, porque existem democracias que têm e ditaduras que não têm, assim como a recíproca é verdadeira. Nossa tradição é de dispormos desse instrumento, com base no argumento de que uma calúnia praticada no botequim atinge apenas os tomadores de chope, mas se feita pela televisão alcançará milhares e até milhões de pessoas.
O problema é que sem decidir se devemos dispor dessa lei especial, ou não, o Congresso fez pior. Não revogou a lei celerada dos tempos do autoritarismo, ainda que boa parte de suas disposições tivesse caducado. Deixou o monstrengo como um morto-vivo. A Justiça, ao longo desses anos, teve a cautela de não aceitar a aplicação dos artigos em choque com a Constituição, ao apreciar caso a caso as tentativas de sua presença nos tribunais.
Vem agora o ministro Ayres de Brito, do Supremo Tribunal Federal, e reconhece a teoria que a prática havia consagrado: não podem ser aplicados artigos, por exemplo, que estabelecem pena de prisão para delitos de opinião. Da mesma forma não valem, e já não valiam, dispositivos em que este que vos escreve foi três vezes enquadrado, o de indispor o povo com as autoridades através de artigos, comentários ou reportagens.
De tudo, fluem uma evidência e uma necessidade: esta, de o Congresso retomar os debates, ordenar os diversos projetos sobre nova Lei de Imprensa e votar um texto adaptado à realidade democrática. Aquela, de que não dá mais para ninguém alegar a Lei de Imprensa para perseguir jornalistas. Os tempos passaram..
Fonte: Tribuna da Imprensa