Órgãos da União no estado gastaram R$4 milhões em 2007 com dinheiro de plástico
Os gastos dos cartões corporativos de 28 órgãos da União no estado serão investigados pelo Ministério Público Federal (MPF), através da Procuradoria Regional da Bahia. O inquérito civil público, aberto ontem pelo procurador Israel Gonçalves, terá como subsídio matérias divulgadas na mídia local, a exemplo das reportagens do Correio da Bahia. O jornal divulgou com exclusividade que, somente no ano passado, foram gastos por meio do “dinheiro de plástico” do governo federal mais de R$4 milhões, uma elevação de 325% no comparativo com 2006.
O Ministério Público Federal abriu prazo de dez dias para as unidades do governo federal na Bahia apresentarem cópia da prestação de contas dos gastos com cartões corporativos na modalidade cash. Caso a prestação de contas ainda não tenha sido formalizada, a instituição deve enviar cópia das notas fiscais e recibos com a justificativa para o dispêndio. Esses são os primeiros passos do inquérito civil público, instaurado ontem pela Procuradoria da República na Bahia.
O procurador Israel Gonçalves vai conferir se os gastos dos órgãos federal anunciados no portal Transparência Brasil condizem com as atividades finalísticas realizadas de cada instituição. “Caso haja discrepância, o MPF vai exigir justificativa para o fato”, informou Gonçalves. O inquérito tem prazo de 60 dias, mas pode ser prorrogado.
Os cartões devem ser utilizados apenas para compra emergencial de produto ou serviço ou cobertura de gastos de viagens não-programadas. O desvirtuamento do seu uso em free-shops e numa tapiocaria, para ficar em dois exemplos, já causou a queda de uma ministra – Matilde Ribeiro, da Reparação – e pôs em apuros os ministros Orlando Silva, de Esportes, e Altemir Gregolin, da Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca.Ontem, a assessoria de comunicação do Ministério da Previdência afirmou que o MPF é órgão legítimo para abrir investigações. Quanto ao uso do “dinheiro de plástico”, o MP alega tratar de uso comum para aquisição de suprimento”.
Informações levantadas pelo Correio da Bahia serão objeto de análise do procurador. A série de matérias publicadas mostrou que os maiores gastos com os cartões referem-se às unidades baianas da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Instuto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). O custo por esse modo de pagamento no IBGE subiu de R$447 mil, em 2006, para R$2,6 milhões no ano passado. Já no Incra, a despesa total passou de R$442 mil para R$722 mil. Os dados são do portal Transparência Brasil, da Controladoria Geral da União (CGU). Órgãos como a Universidade Federal da Bahia (Ufba) e o INSS também foram citados na mídia.
Ontem, ao ser informado sobre a abertura do inquérito civil público, o Incra-BA afirmou, por assessoria, que o instituto só se pronunciará após a notificação oficial e está aberto a prestar qualquer esclarecimento ao Ministério Público. Em nota distribuída na semana passada, o órgão apresentou como justificativa ao aumento para o uso do cartão “o crescimento da demanda de ações da autarquia federal como vistorias, avaliações e entrega de cestas básicas a famílias acampadas que são beneficiadas pelo Programa Fome Zero, do governo federal”. A assessoria do IBGE foi igualmente contatada ontem. A reportagem deixou recado, mas não obteve retorno. Na semana passada, a fundação atribuiu a escalada nos gastos com cartões à realização dos censos agropecuário, de cadastro domicial e contagem populacional, realizados pelo órgão em todo o país. Já o superintendente administrativo da Ufba, Wagner Miranda, foi procurado. Na primeira ligação, avisou ao repórter que não pode falar naquele momento. No restante da tarde, o celular permaneceu na caixa.
O governo da Bahia nega o uso deste meio de pagamento na estrutura estadual, embora o governador Jaques Wagner defenda o modelo. Em Salvador, o cartão é usado por 300 servidores, com limite de R$800 e fiscalizado pela Controladoria Geral do Município. A cobertura sobre o cartão municipal é dificultada pela inexistência de um portal que veicule os gastos da prefeitura. A apuração deve acontecer através da Órdem dos Advogados do Brasil (OAB). O conselho federal da OAB enviou ofício às seccionais requerendo a sondagem sobre o uso dos cartões corporativos nos governos estadual e municipais. O presidente da OAB-BA, Saul Quadros, já disse que acatará o pedido da instância nacional.
***
Incra e IBGE já gastaram R$150 mil este ano
Somente desde 1º de janeiro, o Incra-BA consumiu R$44.708,40 com cartões de crédito do governo federal. Os maiores gastos foram feitos por Getúlio R. Santos (R$5.155,42); Cintia M. Melo (R$3.678); Otávio P. Anjos (R$3.070,95). No IBGE-BA, a fatura do dinheiro de plástico alcança no mesmo período R$106.273,77. Somente Marlúcio S. de Ivo usou R$13.032. Destacam-se ainda Eneas Gois Fonseca (R$10.060), José Antônio Araújo (R$8 mil), Paulo Marcelo Raña (R$10.820)
Em 2007, o Incra teve seis funcionários com despesas acima de R$35 mil: Hamilton Félix Santos, Marcos Nery, Gilberto Cerqueira, Edmundo Conceição, Neli Conceição e Getúlio R. Santos. À exceção deste último, esses servidores começaram 2008 mais comedidos. Os cinco utilizaram os seguintes valores: Hamilton Félix Santos (R$1.600,97), Marcos Nery (R$1.146,84), Gilberto Cerqueira (sem uso contabilizado), Edmundo Conceição (R$1.123), Neli Conceição (também sem registro).
No IBGE, 12 servidores gastaram em 2007 mais de R$50 mil. O total da unidade baiana só ficou abaixo da equivalente paulista. Os campeões de gastos foram Abelardo Normanha, Aildete Santana, Ana Lobo de Melo, Carlos Rui Miranda, Eneas Fonseca, Gilda V. Lima, Israel de Castro, Maria Morais, Nilo Mendonça, Paulo Marcelo Raña, Sônia Barbosa, além do gerente de pesquisa Antônio Borges. Destes, Paulo Raña e Eneas Fonseca mantêm-se entre os que mais usaram o “dinheiro de plástico” este ano. Abelardo, Aidete, Ana Lobo, Antônio Borges, Gilda V. Lima, Israel de Castro e Maria Morais não têm gastos registrados este ano. Antonio Borges, Carlos Rui Miranda e Nilo Mendonça despenderam R$1.650, R$1.650 e R$6.150, respectivamente.
***
DEM é contra implantação no estado
O Democratas é contra a implantação dos cartões corporativos no governo da Bahia, como sugeriu o governador Jaques Wagner (PT) durante o Carnaval. Para o líder do partido na Assembléia Legislativa, deputado Heraldo Rocha, Wagner foi “infeliz” ao propor copiar o modelo adotado pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que provocou a mais recente crise no Planalto por conta do uso irregular do dinheiro oficial de plástico. “Chega a ser falta de habilidade política do governador fazer essa proposta. Ainda mais que a gestão dele não tem nada de transparente”, disse Heraldo Rocha.
“Não há transparência no governo da Bahia. Isso é um engodo. O portal Transparência Bahia é um engodo. Eles (o governo Wagner) gastaram mais de R$300 milhões no ano passado sem licitação. Onde está a transparência? Tem compra até sem dizer o valor da mercadoria”, acrescentou o democrata, referindo-se ao levantamento feito pela oposição, com base no Diário Oficial, que aponta os gastos do governo baiano feitos sem concorrência pública.
Heraldo Rocha acredita que a crise provocada no governo Lula, por conta dos cartões corporativos, será ampliada se o Congresso Nacional decidir de fato investigar o uso irregular do dinheiro de plástico. “Quem pagou o pato com tudo isso foi a ministra Matilde Ribeiro (da Igualdade Racial). Só porque é mulher e negra. E os outros ministros que gastaram de forma irregular o dinheiro público, comprando bijuterias e lixeiras milionárias?”, questionou. “Esse cartão é um absurdo. É uma excrescência. É, na realidade, uma forma de ludibriar a fiscalização do uso dos recursos públicos”, complementou.
O deputado democrata Gildásio Penedo, líder da oposição, concorda com o colega de partido. “Antes de implantar os cartões corporativos, precisamos que o governo seja mais transparente, precisamos que haja um controle maior dos gastos. Temos receio que, do jeito que as coisas estão hoje, aconteça na Bahia o que está acontecendo no governo federal. Temos receio que o erário sofra danos”, frisou. Progresso – Para o deputado governista Elmar Nascimento (PR), a adoção dos cartões corporativos pelo governo baiano representaria o progresso. “Sou a favor dos cartões. Não podemos querer barrar a internet porque alguém a usa mal. Não se combate o crime combatendo o progresso”, declarou. “Entretanto, é preciso que o modelo seja controlado e transparente. Se um secretário recebe uma comitiva do exterior e tiver que fazer uma despesa em função disso, com o cartão corporativo ele resolve o problema”, exemplificou.
O presidente da Assembléia Legislativa, deputado Marcelo Nilo (PSDB), disse que é favorável ao uso dos cartões corporativos, desde que seja com “equilíbrio, o que não está acontecendo no governo federal”. Para o tucano, deve haver uma forma mais rígida de ter controle dos gastos. Ele deu “graças a Deus” pelo fato de o Legislativo baiano não adotar o modelo. “Já temos problemas demais. Não precisamos de mais um”, frisou.
Fonte: Correio da Bahia