Mais de R$4 milhões foram gastos por autarquias federais através do uso de dinheiro oficial de plástico
O Ministério Público da União irá investigar o uso do dos cartões corporativos do governo federal por autarquias da União no estado. Com base nas denúncias que revelaram um crescimento nas despesas pagas através deste instrumento e suspeitas de irregularidade, o órgão poderá decidir se abre um processo administrativo ou inquérito civil para apurar o assunto. Por conta do uso abusivo dos cartões, o governo federal já baixou um decreto restringindo o uso do dinheiro oficial de plástico (veja gráfico) e agora estuda substituí-lo pelo pagamento de diárias.
A decisão do MP deverá sair até segunda-feira e será tomada pelo procurador Israel Gonçalves. Ele irá analisar a matéria publicada anteontem pelo Correio da Bahia. O jornal revelou, com exclusividade, que mais de R$4 milhões foram pagos através do uso de cartões de crédito corporativos pelos órgãos federais no estado. Os dados são do Portal da Transparência, da Controladoria Geral da União. Deste total, cerca de R$2,6 milhões são despesas da unidade estadual do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Segundo no ranking dos maiores gastadores no estado – atrás apenas do IBGE - está a Superintendência Regional do Instituto Nacional da Colonização da Reforma Agrária (Incra), que aumentou o número de funcionários com acesso ao cartão de 61, em 2006, para 72, no ano passado. “São servidores que fazem atividades de campo no interior e/ou que precisam pagar despesas eventuais e emergenciais sob pena de comprometimento das ações”, afirma o Incra-BA, em nota.
O Incra afirma que a expansão de 63% dos gastos e o aumento dos colaboradores que usaram esse cartão em 2007 “estão ligados diretamente ao crescimento da demanda de ações da autarquia federal como vistorias, avaliações e entrega de cestas básicas a famílias acampadas que são beneficiadas pelo Programa Fome Zero, do governo federal”.
Seis funcionários da autarquia federal tiveram despesas acima do patamar de R$35 mil. São eles: o chefe das unidades avançadas do Incra em Bom Jesus da Lapa e Itabuna, respectivamente Hamilton Félix Santos (R$73.189,20) e Marcos Nery (R$35.160,70); dois funcionários do posto em Itabuna, Gilberto Cerqueira (R$38.248,52) e Edmundo Conceição (R$45.280,09); e os servidores na sede do Incra em Salvador Neli Conceição (R$50.181,15) e Getúlio R. Santos (R$39.488,74). Nota-se que apenas três funcionários de uma mesma unidade, a de Itabuna, gastaram uma soma de R$118.689,31. O valor é cerca de 16,5% do Incra gastou em todo o ano de 2007 – R$722.310,27. Em relação às despesas do extrato de maior, o de Hamilton Félix Santos, percebe-se que a maioria é de saque nos terminais no Banco do Brasil.
A assessoria do Incra-BA justifica-se ao declarar que muitos estabelecimentos comerciais no interior, como, postos de gasolina, não aceitam o cartão corporativo. Outras despesas extras seriam o abastecimento dos caminhões que fazem a entrega de cestas básicas para famílias acampadas e beneficiadas pelo Fome Zero – seriam mais de 22 mil – além de serviços “eventuais que não são típicos da rotina administrativa como, por exemplo, compra de sementes para o plantio emergencial de acampados”.A assessoria do órgão garantiu que há um controle sobre os gastos feitos com o cartão corporativo, realizado por três centros de custos, vinculados a servidores que tenham acesso imediato a toda utilização desse tipo de cartão.
Histórico - Criados para pagamentos de compra de material, prestação de serviços e diárias de servidores em viagens, os cartões devem ser utilizados por funcionários que ocupam postos-chave da administração pública e que precisam fazer pagamentos urgentes. A exemplo de compra de algum produto ou serviço ou cobertura de gastos de viagens não-programadas.
No dia 1º de fevereiro, o desgaste provocado pela denúncia de irregularidades no uso do cartão corporativo derrubou a ministra Matilde Ribeiro, da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Ela decidiu deixar o governo após ser acusada de usar irregularmente o cartão. Em 2007, as despesas de Matilde com o cartão somaram R$171 mil. Desse total, ela gastou R$110 mil com o aluguel de carros e mais de R$ 5.000 em restaurantes.
Os ministros Orlando Silva (Esportes) e Altemir Gregolin (Pesca) também estão sob suspeita. Silva anunciou que devolverá cerca de R$30 mil por gastos em seu cartão. Esse seria o valor equivalente ao que foi gasto desde que ele assumiu o ministério, em março de 2006. Já a fatura do cartão de Gregolin registra o pagamento de uma conta de R$512,60 de um almoço com uma comitiva chinesa em uma churrascaria de Brasília.
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Quem gastou mais
IBGE – Ministério do Planejamento
2007 – R$2.649.627,09 para 103 funcionários2006 – R$447.604,50 para 79 funcionários
Incra – Desenvolvimento Agrário
2007 – R$722.310,27 para 72 funcionários2006 – R$442.069,21 para 61 funcionários
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TCM desconhece adoção em Salvador
O Tribunal de Contas dos Municípios (TCM) desconhece a utilização dos cartões corporativos na prefeitura de Salvador. “Salvador não usa o cartão corporativo à semelhança do que existe na União”, disse ontem o coordenador de Assistência aos Municípios, Alberto Dourado. De acordo com o técnico do TCM, o que é adotado na capital baiana é um cartão que funciona de forma parecida com o talão de cheque e que serve para pagar adiantamentos recebidos pelo servidor ou dirigente municipal para pequenos gastos em serviço.
Anteontem, no entanto, a própria prefeitura, através da Secretaria de Comunicação, confirmou a utilização dos cartões corporativos nos mesmos moldes do governo federal. O limite para gastos é de R$800 e a fiscalização é de responsabilidade da Controladoria Geral do Município (CGM). Segundo a prefeitura, têm direito a usufruir desse meio de pagamento o prefeito, o vice-prefeito, secretários, superintendentes, presidentes de órgãos municipais e 300 servidores cadastrados. A sistemática é baseada no Decreto 14.191/2003, portanto vigora desde a segunda gestão do ex-prefeito Antonio Imbassahy. Ainda segundo a prefeitura, foram gastos em 2007 cerca de R$700 mil com a utilização do cartão corporativo e outras despesas do Fundo de Adiantamento.
Técnicos do TCM, que pediram anonimato para evitar represálias, explicaram que a incongruência entre o relato da prefeitura e versão do TCM decorre de ou uma camuflagem na prestação de contas do executivo de Salvador enviada ao tribunal (por exemplo, transferindo os gastos para outras rubricas) ou de falhas na investigação pela Corte.
Alberto Dourado disse que a fiscalização é enfocada nos adiantamentos recebidos. Agora, com a eclosão dos desvios em âmbitos nacional, o tribunal “corre atrás do prejuízo”. Um conselheiro comentou em off que teria sido informado que o TCM já possui dados do uso dos cartões na prefeitura de Salvador e em algumas cidades do interior. Segundo esse conselheiro, as apurações não teriam sido intensificadas antes porque o método de pagamento é recente. A reportagem do Correio da Bahia tentou falar com o presidente do TCM, conselheiro Raimundo Moreira, porém a assessoria do órgão informou que o dirigente estava em viagem ao interior, não podendo ser localizado nem pelo celular.
Os vereadores Paulo Magalhães Júnior (DEM) e José Carlos Fernandes (PSDB) cobraram que o prefeito João Henrique Carneiro esclareça publicamente o procedimento do uso do cartão corporativo na prefeitura de Salvador. Presidente da Codesal durante os governos Antonio Imbassahy, Fernandes quer saber se houve aumento desproporcional no gasto com o “dinheiro de plástico” na atual administração, no comparativo com 2003 e 2004, e para que finalidade o instrumento é utilizado. “Tem que haver mais transparência. Esses gastos precisam ser explicitados. Quem paga a conta têm o direito de saber para onde foi o dinheiro”, disse.
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OAB recomenda investigação
O presidente da seção baiana da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-BA), Saul Quadros, assegurou ontem que a instituição vai acolher a orientação do Conselho Federal da entidade no sentido de apurar o uso dos cartões corporativos nos governos estadual e municipais. Ontem, a OAB nacional enviou para as 27 seccionais, incluindo a da Bahia, ofício solicitando que o uso irregular dos cartões corporativos em apuração no governo federal seja investigado também nos estados. O governo baiano não adotou o modelo, mas o próprio governador Jaques Wagner (PT) já disse ser favorável, desde que utilizado corretamente.
No caso do governo baiano, está em fase de estudo um decreto que poderá criar em seis meses um cartão de débito para pagar passagens aéreas. A OAB quer saber, nos demais estados e municípios onde o modelo é implantado – como ocorre em Salvador –, como e por quem o “dinheiro de plástico” é gasto e como os pagamentos são fiscalizados. A OAB nacional orientou ainda as seccionais a defenderem aberturas de CPIs em caso de confirmação de desvios.
Saul Quadros acrescentou que tão logo receba o documento da instância nacional, vai submetê-lo ao conselho seccional. Isto porquê, argumentou ele, há várias formas para essa investigação acontecer, a exemplo de acionar o Ministério Público ou enviar ofício aos órgãos sob investigação. O presidente da OAB-BA comentou as declarações do governador Jaques Wagner de que “imaginar desvendar a vida do presidente da República é um erro sem tamanho”. A tese dos aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva é que os gastos com os cartões corporativos da Presidência não podem ser investigados para que se preserve a segurança do chefe da nação. “É a opinião do governador, eu respeito, mas não concordo. Uma coisa não tem nada a ver com a outra”, disse Quadros.
Ele destacou que as investigações versam sobre o uso do dinheiro público, e não da segurança presidencial ou da família de Lula. Entre os fatos que deram substância ao escândalo estão gastos de seguranças do presidente Lula, que teriam montado até uma academia de ginástica com o uso de cartões corporativos.
Ontem, a Assessoria Geral de Comunicação do estado voltou a negar o uso de cartões corporativos. No Carnaval, Wagner garantiu nunca ter usado o cartão nem quando era ministro do governo Lula. Mas o governador defendeu a adoção do modelo. Ele negou que os escândalos desqualifiquem o uso dos cartões e lembrou que a iniciativa privada adota o modelo.
Fonte: Correio da Bahia